Londres – O Afeganistão completa amanhã seis meses sob o domínio do grupo extremista islâmico Talibã vivendo uma crise humanitária severa, e com a imprensa do país praticamente destruída.
Um levantamento feito pela Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) confirmou a extensão da crise que já vinha se desenhando quando o Talibã tomava várias cidades antes de ocupar a capital, Cabul, mas se acentuou depois de 15 de agosto de 2021.
Pela primeira vez a situação das 33 províncias do país foi examinada, revelando um quadro devastador: 318 meios de comunicação fecharam e mais da metade dos jornalistas perderam o emprego, a maioria mulheres.
Imprensa em crise no Afeganistão
O Talibã também passou a mirar na imprensa internacional.
Na semana passada, o jornalista Andrew North, que já foi correspondente de guerra da BBC e está no Afeganistão a serviço da ONU, passou quatro dias sequestrado por forças do governo, junto com outro profissional de imprensa britânico e dois auxiliares afegãos.
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Mas é a imprensa local a mais atingida por uma combinação de censura, perseguição e crise econômica que impede alguns veículos de continuarem funcionando
A pesquisa divulgada pela IFJ foi conduzida pela União Nacional de Jornalistas do Afeganistão (ANJU), que reúne os profissionais de imprensa locais.
“O quadro é catastrófico não apenas para jornalistas desempregados ou que foram forçados a fugir para outros países, mas também para os cidadãos que não têm acesso à informação”, alertou Anthony Bellanger, secretário-geral da IFJ.
O fechamento dos veículos é decorrente de duas situações combinadas: a crise econômica e o que Bellanger classificou como “restrições draconianas para a reportagem” impostas pelo Talibã.
Nas 33 províncias, apenas 205 dos 623 meios de comunicação que funcionavam antes de 15 de agosto de 2021 seguem ativos.
Os jornais foram os mais afetados: apenas 20 de 114 que existiam antes de o Talibã assumir o comando do país continuam operando.
Ao todo, 51 emissoras de TV, 132 de rádio e outras 49 mídias de notícias digitais também encerraram suas operações, de acordo com o relatório.
Mulheres são as mais afetadas
O colapso da imprensa no Afeganistão e as ameaças contra jornalistas fizeram com que 2.735 profissionais perdessem seus empregos. Dos 5.069 que estavam empregados na era pré-Talibã, apenas 2.334 seguem trabalhando.
O impacto maior foi entre as mulheres: 72% dos que perderam o emprego são do sexo feminino.
Embora não sejam formalmente proibidas de trabalhar, muitas passaram a ser perseguidas. Atualmente, apenas 243 mulheres ainda estão empregadas como jornalistas, segundo o relatório da Federação.
O levantamento apontou que 66% dos profissionais de imprensa trabalhando atualmente no Afeganistão são homens.
Apenas 34% das jornalistas são do sexo feminino. Algumas estão se mantendo nos empregos apesar do relato de assédio e ameaças.
Para Anthony Bellanger, “a comunidade internacional deve fornecer urgentemente ajuda e assistência para apoiar os jornalistas e o jornalismo para esclarecer o que está acontecendo no Afeganistão”.
Ele defende que a crise humanitária enfrentada pelos jornalistas e suas famílias, tantos os que fugiram quanto os que ficaram sem trabalho e na pobreza, também devam ser abordados pela comunidade internacional.
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Promessa de liberdade de imprensa não se cumpriu
Em agosto de 2021, ao tomar o poder, o grupo extremista Talibã garantiu que a imprensa no Afeganistão iria poder continuar seu trabalho. A notícia foi recebida com desconfiança em toda a comunidade jornalística, e as desconfianças tinham razão.
O Talibã veio gradativamente impondo restrições formais à imprensa.
Em setembro foi baixado um pacote de 11 normas incluindo a proibição de matérias contrárias ao Islã e a recomendação de “cuidado” ao publicar notícias não confirmadas pelo governo, o que foi entendido como censura prévia.
Em seguida, o Talibã publicou novas restrições para o setor audiovisual, proibindo mulheres de aparecerem sem véu na TV e vetando inteiramente sua presença em programas de entretenimento ou novelas.
Nesse período, vários profissionais de imprensa tiveram que fugir do país, principalmente mulheres, incluindo algumas das mais conhecidas jornalistas do país.
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Há duas semanas, uma coletiva de imprensa em que diversas associações de jornalistas fariam um balanço da situação da imprensa no Afeganistão foi suspensa pela polícia, que chegou a prender alguns participantes.
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Em 2021, o Afeganistão estve entre os líderes na morte de jornalistas. Ao todo, foram seis mortes segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Além disso, vários profissionais relataram terem sido vítimas de agressões físicas e até mesmo espancamento, principalmente ao cobrir protestos contra os radicais.
“Um dos talibãs colocou o pé na minha cabeça, esmagou meu rosto contra o concreto. Eles me chutaram na cabeça … Achei que eles iam me matar”, relatou o fotógrafo Nematullah Naqdi à Agência France Presse (AFP) logo após a ocupação.
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