Londres – A Rússia governada por Vladmir Putin, que na quinta-feira (24) invadiu a Ucrânia, não briga apenas com vizinhos, mas também com a imprensa independente e com as plataformas de mídia social globais, alvos de perseguições e de tentativas de censura cada vez mais intensas.
O bloqueio parcial do Facebook decretado na sexta-feira (25) em resposta a uma suposta censura de veículos de imprensa estatais russos foi apenas mais um capítulo em uma guerra que vem de longe, mas que se agravou em 2021.
Nem o prêmio Nobel da Paz do ano passado concedido a um jornalista do país, Dmitry Murakov, amenizou a pressão. No dia seguinte em que o prêmio foi anunciado, em outubro, o governo de Putin enquadrou mais jornalistas na “lei do agente estrangeiro”, que se tornou o principal instrumento de censura à imprensa na Rússia.
‘Lei do agente estrangeiro’, instrumento de censura na Rússia
A lei permite rotular publicações e jornalistas e obriga a imprensa independente a revelar em suas reportagens os financiadores do veículo, entre outras imposições e restrições. Inicialmente ela considerava agentes estrangeiros organizações não governamentais que recebiam fundos do exterior.
Porém, em 2019, Putin ampliou legalmente o entendimento de quem pode ser considerado um agente estrangeiro. Agora, o termo pode ser aplicado a qualquer pessoa ou empresa que receba recursos estrangeiros, independente da fonte, e publique materiais impressos ou online no país.
Com a “lei do agente estrangeiro”, a Rússia controla a imprensa internacional e veículos locais que recebem fundos de organizações estrangeiras.
Diversas publicações fecharam com a fuga de investidores, temerosos pela exposição, e jornalistas foram tachados como inimigos do Estado.
Nem os correspondentes estrangeiros foram poupados de perseguições e censura na Rússia de Putin. Alguns jornalistas saíram do país com medo de acabar na prisão, enquanto outros foram expulsos ou não tiveram o visto renovado.
O caso mais recente foi o do jornalista Tom Vennink, correspondente em Moscou do jornal holandês Volkskrant.
O visto de Vennink foi revogado pelo Ministério de Assuntos Internos da Rússia no dia 1º de novembro, sob a alegação de “violações administrativas”. O jornalista deixou o país e foi proibido de voltar até janeiro de 2025.
Três meses antes, uma correspondente da rede britânica BBC também foi expulsa da Rússia, só que para sempre.
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Além do estrangulamento político e financeiro, os veículos de imprensa já denunciaram espancamentos e detenções de profissionais em comícios e manifestações públicas.
Censura atingiu rede alemã, banida na Rússia
No início de fevereiro, a “lei do agente estrangeiro” foi usada como justificativa para a Rússia proibir as operações da rede alemã Deutsche Welle (DW).
Jornalistas da emissora que trabalhavam no país perderam as credenciais de imprensa, e o Kremlin anunciou o início de um processo para reconhecer a DW como uma empresa de mídia que atua como “agente estrangeiro”.
A decisão foi proferida pelo Ministério do Exterior da Rússia e, segundo a própria DW, foi uma resposta ao bloqueio, na Alemanha, de um canal da emissora estatal russa RT por falta de licença de transmissão.
Rússia é um dos piores países em liberdade de imprensa
No último ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Rússia já ocupava a 150ª posição entre os 180 países analisados, e atos recentes vêm agravando a situação da mídia independente local e de jornalistas estrangeiros.
O Nobel a Dmitry Murakov, dividido com a flilipina Maria Ressa, parece ter aumentado as tensões do governo de Vladimir Putin com a mídia, com o enquadramento imediato de mais jornalistas e veículos na lei do agente estrangeiro.
O jornalista é uma das principais vozes críticas ao governo de Vladmir Putin. Ele vem defendendo por décadas a liberdade de expressão na Rússia em condições cada vez mais desafiadoras. Em 1993, foi um dos fundadores do Novaja Gazeta. É o editor-chefe do jornal há 24 anos.
O Novaja Gazeta é um dos jornais independentes que tentam sobreviver em um ambiente de ameaças cada vez maiores, com uma atitude crítica em relação ao poder.
Por isso, tornou-se uma importante fonte de informação, desafiando a censura da Rússia e abordando assuntos raramente mencionados por outros meios de comunicação.
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Atos com balões pretos lembram assassinato de jornalista na Rússia
As organizações de defesa da liberdade de imprensa vivem denunciando os atos de censura e perseguição a jornalistas na Rússia.
Um dos protestos recentes foi feito pela Repórteres Sem Fronteiras para marcar o 69º aniversário de Vladimir Putin, em outubro do ano passado. A data também era o 15º aniversário do assassinato da jornalista investigativa russa Anna Politkovskaya — uma das fundadoras do Novaja Gazeta.
Em atos diante das embaixadas russas em vários países, manifestantes soltaram balões pretos com a hashtag #UnhappyBirthdayMrPutin.
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Segundo a entidade, o objetivo foi protestar contra a impunidade pela morte da jornalista, cujos assassinos até hoje não foram identificados e punidos. E lembrar ao presidente aniversariante que, desde sua posse, cerca de 40 jornalistas foram mortos no país.
Assassinada a tiros dentro do elevador do prédio em que morava em Moscou, em 7 de outubro de 2006, Anna ficou famosa por sua cobertura sobre a segunda guerra da Chechênia, feita para o jornal Novaya Gazeta.
Ela foi uma das que enfrentou a censura na Rússia, ao denunciar o governo Putin por corrupção, violações de direitos humanos e abusos cometidos por autoridades russas durante o conflito.
Putin, predador da liberdade de imprensa
As tentativas de censura e as perseguições a jornalistas na Rússia valeram a Vladimir Putin tem um lugar de destaque na galeria de “predadores da liberdade de imprensa” que a RSF publicou em julho, da qual o presidente Jair Bolsonaro também faz parte.
Segundo a organização, a lista é composta por “chefes de Estado ou de governo que espezinham a liberdade de imprensa criando um aparato de censura, prendendo jornalistas arbitrariamente ou incitando à violência contra eles, quando não têm sangue nas mãos porque, direta ou indiretamente, pressionaram para que jornalistas fossem assassinados”.
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Os “predadores” governam, em sua imensa maioria, países com situação classificada como “ruim” ou “muito ruim” pelo mapa da liberdade de imprensa da RSF. A idade média dos integrantes da lista é de 66 anos e mais de um terço (13) desses governantes vêm da Ásia.
“Existem agora 37 líderes de todo o mundo na galeria de predadores da liberdade de imprensa da RSF e ninguém poderia dizer que esta lista é completa”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
“Cada um desses predadores tem seu próprio estilo. Alguns impõem um reino de terror emitindo ordens irracionais e paranoicas. Outros adotam uma estratégia cuidadosamente construída com base em leis draconianas. Um grande desafio agora é esses predadores pagarem o preço mais alto possível por seu comportamento opressor. Não devemos permitir que seus métodos se tornem o novo normal”, afirma o chefe da organização.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, fez sua estreia como “predador da liberdade de imprensa” na última edição da lista.
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Censura na Rússia tem também como alvo as mídias sociais
O bloqueio parcial do Facebook durante o conflito com a Ucrânia também não é novidade na agenda de Vladmir Putin. Ele vive em guerra permanente com as plataformas digitais globais, que sofreram várias pressões legais e tentativas de censura na Rússia em 2021. O principal instrumento tem sido a justiça.
Na véspera do Natal de 2021 um tribunal de Moscou aplicou uma multa equivalente a US$ 98 milhões (RS$ 550 milhões) ao Google e outra de US$ 27 milhões (R$ 152 milhões) à Meta, controladora do Facebook, por não excluírem conteúdo proibido pela lei local.
No dia seguinte, a organização não-governamental OVD-Info, que monitora prisões políticas e fornece ajuda legal a vítimas, teve seu site suspenso e soube que as plataformas de mídia digital receberam do órgão fiscalizador de telecomunicações russo, o Roskomnadzor , um pedido de suspensão de suas contas em redes sociais.
Putin viralizou em visita a escola
Embora o governo da Rússia tenha elegido as redes sociais como alvos de tentativas de censura, o presidente Putin virou piada nas redes ao parecer desconhecer o YouTube em um encontro com crianças em setembro passado.
Yegor, um menino de 10 anos de uma escola de Vladivostok, pediu que o presidente se inscrevesse em seu canal. A resposta foi insólita:
“Mas… em que eu devo me inscrever? Eu não entendi. Yegor, em que você gostaria que eu me inscrevesse?”
“Sorry, Igor – what do you want me to sign? I didn’t understand”
“Sign up. Sign up to my YouTube channel. It’s a social media platform. You-tube”
Yet another moment Putin reveals he might not be au fait with the workings of the modern world pic.twitter.com/QQKZTDWBeU
— Oliver Carroll (@olliecarroll) September 1, 2021
A história viralizou nas redes, e acabou expondo a aversão de Putin à internet, que já chegou a descrever como um “projeto da CIA” que está “meio cheio de pornografia”.
Durante a palestra para as crianças, que foi amplamente divulgada pelos canais de propaganda estatal, ele disse que muitas das informações disponíveis online eram “lixo”:
“No mundo moderno, parece que pode se aprender quase tudo na internet. Mas há um problema relacionado à qualidade dessas informações. Há um monte de lixo que muitas vezes é apresentado como a verdade suprema.”
Logo após a conversa com o menino ter vazado, a máquina do Kremlin iniciou uma operação para referendar a posição do presidente em relação às mídias sociais, divulgando trechos da palestra nas redes.
Um deles foi um alerta de Putin às crianças sobre o lixo informativo. O vídeo recomenda: “cuide de você e de seus entes queridos”.
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