Em menos de três meses, o número de jornalistas assassinados no mundo já corresponde a 45% do total de 2021, dado aterrador que pode ser atribuído à violência sem precedentes contra comunicadores no México e à guerra na Ucrânia.
No ano passado, 55 profissionais de mídia e jornalistas morreram em atentados relacionados ao exercício do ofício, dos quais 14 eram da América Latina, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, a Unesco.
De janeiro a 15 de março de 2021, 25 jornalistas tiveram mortes associadas à profissão. A maioria era do México, país que vive uma vertiginosa escalada de violência contra comunicadores e deixa em alerta entidades defensoras da liberdade de imprensa em todo o mundo – e onde morreram mais profissionais do que na guerra.
Até agora, jornalistas foram mais assassinados no México do que na guerra
Na terça-feira (15), o diretor e editor do site mexicano Monitor Michoacán, Armando Linares, foi o oitavo jornalista a morrer em consequência dos atentados letais sofridos pelos profissionais de imprensa do país neste ano.
Na lista dos países que mais tiveram jornalistas assassinados até agora, o México está à frente até mesmo da Ucrânia, invadida pela Rússia há quase um mês e que registra quatro mortes de profissionais da mídia no momento.
Outros 11 países contabilizam assassinatos de jornalistas antes do fim do primeiro trimestre de 2022: Haiti (3), Brasil (1), Honduras (1), Mianmar (1), Índia (1), Irã (1), Síria (1), Chade (1), Iêmen (1), Cazaquistão (1) e Paquistão (1).
Com sete profissionais de imprensa assassinados em 2021, o México já superou neste ano o total do anterior. Para o diretor do escritório da América Latina da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Emmanuel Colombié, a situação no país é gravíssima para os profissionais de imprensa.
Ao MediaTalks, Colombié condenou a onda de violência sem precedentes contra jornalistas no México:
“Em 2022, já temos oito jornalistas assassinados com relação direta com o trabalho jornalístico. São dados sem precedentes e gravíssimos. Pedimos uma reação das autoridades mexicanas nesse contexto de violência.”
Colombié também cobrou ações efetivas do governo mexicano para investigar e solucionar os crimes contra jornalistas no país.
“O presidente fez declarações dizendo que não vai ter impunidade nesses casos. Esperamos que essas frases não sejam só declarações de intenção, pois a situação de emergência justifica ações de emergência por parte das autoridades e é preciso reformar o mecanismo de proteção a jornalistas.”
Leia também
Cartel de drogas e políticos corruptos fazem de jornalistas alvos no México
Em 31 de janeiro, por meio de um vídeo postado no Facebook, Armando Linares denunciou o assassinato do colega Roberto Toledo, que era operador de câmera e editor de vídeo do Monitor Michoacán, site conhecido por denunciar a corrupção das autoridades no estado mexicano Michoacán.
A equipe do veículo jornalístico já vinha recebendo ameaças há meses. “Expor administrações, funcionários e políticos corruptos levou à morte de um de nossos colegas”, afirmou Linares, na ocasião.
Dados da Al Jazeera revelam que jornalistas são frequentemente alvos dos cartéis de drogas do México, que buscam intimidar e manipular a cobertura de suas atividades e de rivais.
Políticos locais e funcionários públicos também estão ligados aos assassinatos dos profissionais de imprensa no país, admitiu o próprio governo ao reconhecer que a impunidade desses crimes é superior a 90%.
No início de março, homens armados mataram Juan Carlos Muniz, que cobria crimes para o site de notícias Testigo Minero, no estado de Zacatecas.
Veja também
Dois anos de pandemia: veja as imagens premiadas da era covid no Brasil e no mundo
Jorge Camero, diretor de um site de notícias que até recentemente era funcionário municipal no estado de Sonora, no norte do país, foi morto no final de fevereiro.
No início de fevereiro, Heber Lopez, diretor do site Noticias Web, foi morto a tiros no estado de Oaxaca, no sul do país.
A repórter Lourdes Maldonado Lopez foi encontrada morta a tiros dentro de seu carro, em Tijuana, em 23 de janeiro.
Na mesma cidade, o fotógrafo Margarito Martinez também morreu após ser baleado em frente à sua casa no dia 17 de janeiro. O repórter José Luis Gamboa foi morto no estado de Veracruz, na costa do Golfo, em 10 de janeiro.
O México ficou em uma péssima posição no último Ranking de Liberdade de Imprensa, divulgado pela RSF, em 2021. Avaliado junto com outras 180 nações, o país ficou em 143º lugar e é considerado um dos países mais mortais do mundo para jornalistas.
Jornalistas são assassinados em guerra na Ucrânia
Após quase um mês da invasão russa à Ucrânia, o país registra quatro jornalistas assassinados enquanto cobriam direta ou indiretamente o conflito.
A primeira morte foi a do cinegrafista ucraniano Evgeny Sakun, da Kiev Live TV, morto após ser atingido no bombardeio da torre de televisão da capital, no dia 1º de março.
Pouco mais de uma semana depois, o país registrou a primeira morte de jornalista estrangeiro. O documentarista Brent Renaud, dos Estados Unidos, foi alvejado por soldados russos no dia 13 de março e não resistiu aos ferimentos.
No dia seguinte, o cinegrafista americano Pierre Zakrzewski, da Fox News, e a produtora ucraniana que o acompanhava, Oleksandra Kuvshinova, também foram vítimas fatais de um ataque por parte das forças russas enquanto se dirigiam para Irpin, a 20 km de Kiev.
Dois outros jornalistas, sendo um deles o correspondente da Fox News, Benjamin Hall, ficaram feridos no mesmo ataque e foram internados.
Leia também
Depois de quatro mortes de jornalistas na Ucrânia, Unesco anuncia esquema de apoio à mídia
Ataques não letais intimidam profissionais na Ucrânia
O número de jornalistas mortos na Ucrânia ainda deve crescer, já que dezenas de correspondentes e profissionais da mídia relatam ataques deliberados de tropas russas contra a imprensa.
Em 6 de março, o fotógrafo suíço Guillaume Briquet foi baleado por soldados da Rússia após passar por um posto de controle ucraniano em uma estrada em direção à cidade de Mykolaiv.
Apesar das diversas sinalizações de “Imprensa” no carro e em seu colete à prova de balas, Briquet foi abordado pelos soldados e teve 3.000 euros e os equipamentos de reportagem roubados.
“Eles estavam a menos de 50 metros de distância”, relatou o fotógrafo à RSF. Ele foi ferido no rosto e no braço por estilhaços de vidro de seu para-brisa.
“Eles atiraram para matar. Se eu não tivesse me abaixado, teria sido atingido. Já fui alvejado em outras zonas de guerra, mas nunca vi isso. Jornalistas que viajam pelo país sem experiência de guerra estão em perigo mortal.”
Relato semelhante ao de Briquet foi compartilhado por equipe do canal de TV árabe Al-Araby com sede em Londres – o repórter Adnan Can e o cinegrafista Habip Demirci – que ficou sob fogo russo em Irpin, um subúrbio de Kiev, também em 6 de março.
Uma equipe do canal de TV Sky News do Reino Unido – composta por quatro britânicos e um jornalista ucraniano – foi atacada por uma unidade de reconhecimento russa enquanto se dirigia para Bucha, nos arredores de Kiev, no quarto dia da invasão, 28 de fevereiro.
O líder da equipe, o repórter Stuart Ramsay, sofreu um ferimento a bala na região lombar. O cinegrafista Richie Mockler também foi atingido com dois tiros em seu colete à prova de balas.
Depois de gritarem que eram jornalistas e verem que o tiroteio não cessou, a equipe teve que abandonar o veículo e correr para se proteger até ser resgatada pela polícia ucraniana.
Jornalistas tchecos e dinamarqueses também foram feridos por soldados russos de forma deliberada. Além dos ataques a profissionais de imprensa in loco, tropas da Rússia já bombardearam quatro torres de TV e rádio na Ucrânia.
Leia também
Direto do front: Seis livros de correspondentes de guerra que cobriram grandes conflitos
Haiti registra mortes de jornalistas violentas e por policiais
Até o momento, o Haiti é o terceiro país que mais registra jornalistas assassinados no mundo em 2022. Foram três mortes de profissionais de imprensa de janeiro até 15 de março.
As duas primeiras foram os brutais assassinatos dos jornalistas Wilguens Louis-Saint e John Wesley Amady, que foram baleados e teriam sido queimados vivos em 6 de janeiro enquanto cobriam confronto entre gangues na capital haitiana, Porto Príncipe.
Em fevereiro, o fotojornalista Maxihen Lazzare foi a terceira vítima no país. Ele foi baleado no peito enquanto cobria as manifestações organizadas por trabalhadores exigindo o aumento do salário mínimo, também na capital haitiana.
Segundo testemunhas, Lazzare e pelo menos outros dois jornalistas ficaram feridos quando policiais em veículos identificados abriram fogo contra eles e os manifestantes.
Os casos de jornalistas assassinados no Haiti evidenciam o trabalho precário para os profissionais do país, que ficou na 87ª posição do último Ranking de Liberdade de Imprensa.
Na avaliação da RSF, apesar de vários progressos recentes nas leis relativas à liberdade de imprensa, os jornalistas haitianos ainda enfrentam falta de recursos financeiros, ausência de apoio por parte das instituições e dificuldade de acesso à informação.
Nesse cenário, a ONG aponta que exercer a profissão no Haiti fica mais difícil diante das intimidações e ataques violentos cometidos pela polícia e por manifestantes contra jornalistas — ocorrências que têm aumentado nos últimos anos.
Leia também
Chris Cuomo pede US$ 125 milhões à CNN por ‘demissão injusta’ e ‘imagem manchada’