A insatisfação com a cobertura da mídia sobre a guerra com a Ucrânia levou a Rússia a mais uma medida destinada a enfraquecer o poder da imprensa: o governo mandou suspender as atividades do Sindicato dos Jornalistas e Trabalhadores da Mídia (JMWU, na sigla em inglês) acusando a organização de “desacreditar” as forças armadas do país.
Além disso, o Ministério Público russo entrou com pedido para a extinção do sindicato.
Entidades internacionais saíram em defesa da associação de jornalistas, considerando que a liberdade de imprensa está em rápido declínio no país desde o início do conflito armado.
Sindicato de jornalistas na Rússia pode ser multado
A perseguição do Kremlin a profissionais da mídia e opositores de Vladimir Putin foi intensificada com a aprovação da lei de “fake news”, a mesma usada para fechar o sindicato de jornalistas.
O deputado Alexei Gorinov foi o primeiro condenado sob a nova legislação na semana passada e deve ficar sete anos preso.
Em maio, o JMWU foi notificado pela procuradoria de Moscou sobre uma investigação judicial para averiguar as atividades da associação. No final daquele mês, a co-presidente do sindicato, Sofia Rusova, foi entrevistada por dois promotores, segundo informações da imprensa local.
Ela precisou responder sobre as ações da associação, a existência de filiais regionais e regularidade do pagamento das taxas de filiação.
O maior interesse das autoridades era sobre o site da JMWU, mas não houve perguntas específicas sobre publicações contrárias à guerra.
Em 5 de julho, o Tribunal da Cidade de Moscou enviou dois documentos ao sindicato: uma decisão de 16 de junho a favor do pedido do promotor para dissolver a associação e uma decisão de 4 de julho sobre a introdução de medidas preventivas contra o sindicato na forma de suspensão de suas atividades.
Os documentos do tribunal indicam ainda que foi aberto um procedimento administrativo contra o JMWU “em relação à publicação no site oficial da organização de informações falsas sobre o curso da operação militar especial para proteger as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk, destinadas a desacreditar o uso das forças armadas russas para proteger os interesses da Federação Russa e seus cidadãos e manter a paz e a segurança internacionais”.
Este artigo prevê uma multa de até 200.000 rublos (cerca de R$ 16 mil) para os líderes do sindicato e até meio milhão de rublos (R$ 41 mil) para a própria entidade.
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A sentença do tribunal concluiu que “as atividades do sindicato levam a uma violação dos direitos e liberdades humanos e civis e prejudicam a ordem pública, a segurança pública, a sociedade e o Estado”.
Audiência vai deliberar sobre sindicato de jornalistas
Os representantes do JMWU contestam que não tiveram autorização para acessar os arquivos do processo. Uma audiência preliminar para tratar sobre a extinção da associação está marcada para o dia 13 de julho, em Moscou.
O Sindicato dos Jornalistas e Trabalhadores da Mídia foi criado em março de 2016 e é registrado no Ministério da Justiça russo. São mais de 600 jornalistas de 40 regiões da Rússia membros da organização.
O JMWU integra as Federações de Jornalistas Internacional (IFJ) e Europeia (EFJ). Ambas se posicionaram contra as medidas adotadas pela autoridades russas contra o sindicato.
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A presidente da IFJ, Dominique Pradalié, chamou o processo de “farsa”. “É apenas mais um passo perigoso para silenciar quaisquer vozes que não se limitem a reproduzir as declarações do governo”, afirmou.
“Os procedimentos legais para liquidar o JMWU têm toda a aparência de um julgamento político com base totalmente arbitrária”, disse a presidente da EFJ, Maja Sever.
“Condenamos fortemente esta política de liquidação generalizada de todas as organizações da sociedade civil na Rússia e, em particular, daquelas que defendem o direito dos cidadãos russos à liberdade de expressão e seu direito de acesso a informações independentes.”
O fechamento de sindicatos e associações de jornalistas é um dos recursos mais extremos de censura usado por governos autoritários.
No ano passado, o Supremo Tribunal de Belarus decidiu dissolver as duas principais organizações de jornalistas no país, a Associação de Jornalistas de Belarus (BAJ) e a filial da EFJ.
Sob o governo de Aleksandr Lukashenko, Belarus, à semelhança da Rússia, vive grande repressão ao jornalismo independente.
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