Londres – De volta à Rússia depois de uma breve passagem pelo jornal alemão Die Welt, a jornalista Marina Ovsyannikova foi detida e interrogada neste domingo (17), dias após de fazer um novo protesto contra Vladmir Putin e de falar em um vídeo que desagradou o governo.
Ex-editora da rede estatal Channel One, Ovsyannikova ficou conhecida no mundo ao invadir o estúdio onde era transmitido um telejornal noturno com um cartaz condenando a guerra e denunciando a propaganda oficial pela TV.
O novo ato aconteceu no dia 15 de julho em Sofiyskaya, um calçadão às margem do rio em frente ao Kremlin, sede do governo. Mas a polícia não associou a detenção a ele, e sim a um vídeo defendendo o político dissidente Ilya Yashin, veiculado dois dias antes.
Putin alvo do protesto da jornalista
O texto do pôster exibido pela jornalista no protesto mirava diretamente no presidente Putin.
“Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas. 352 crianças morreram. Quantas crianças mais precisam que morrer para você parar?”
Um vídeo curto não mostra pessoas assistindo, mas foi compartilhado nas redes sociais da jornalista, aumentando o alcance do ato.
A notícia da detenção neste domingo, que aconteceu quando ela passeava com os cachorros, foi inicialmente dada por pessoas próximas e por seu advogado no Telegram dela, dizendo não saberem onde ela estava.
Em seguida, Ovsyannikova confirmou a história pelo Facebook:
“Saí para passear com meus cachorros, mas assim que cheguei ao portão, pessoas uniformizadas se aproximaram de mim.
“Agora estou sentada no Ministério de Assuntos Internos de Krasnoselsky, e os cachorros ficaram sem jantar e sem a caminhada noturna”.
Horas depois, Ovsyannikova anunciou que já estava em casa, e disse que a detenção foi “um primeiro aviso”.
A jornalista agradeceu ao vizinho que acionou o advogado. E ironizou a situação, dizendo que “a partir de agora é melhor sair de casa sempre com uma mala e o passaporte”.
Apesar de o episódio ter acontecido dois dias depois do ato diante do Kremlin, a justificativa para a detenção foi a entrevista, reproduzida no canal do blogueiro pró-Kremlin Ilias Mercury.
O vídeo foi gravado no dia 13 de julho perto do Tribunal Basmanny de Moscou, em apoio ao político da oposição Ilya Yashin, que está detido em prisão preventiva por supostamente espalhar informações falsas sobre os militares russos.
O advogado dela, Dmitry Zakhvatov, confirmou ao site russo Meduza que um processo foi aberto contra a jornalista sob o Artigo 20.3.3 do Código de Ofensas Administrativas (“desacreditar” as Forças Armadas da Federação Russa), que estabelece multa de 30 mil a 50 mil rublos (R$ 2,8 mil a R$ 4,7 mil).
O protesto de março
Apesar de ter se manifestado duas vezes dentro da Rússia contra Putin, Marina Ovsyannikova não é uma unanimidade na mídia como outros jornalistas dissidentes, a começar pelo detentor do Nobel da Paz, Dmitry Muratov.
Ela fez uma longa carreira na TV estatal e seu marido também. Vivia uma vida de privilégios, reservada aos que se alinham ao governo russo, até o dia 14 de março.
Nos primeiros dias da guerra da Rússia contra a Ucrânia, ela se aproveitou do acesso livre que tinha na emissora por seu cargo de editora para interromper o telejornal Vremya no Channel One com um cartaz que dizia:
“Não acredite na propaganda. Aqui você está sendo enganado.”
Depois disso, a direção do canal de TV a acusou de ser espiã britânica, mas alguns a criticaram por seu passado.
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Após sua demissão do Channel One, Ovsyannikova tornou-se correspondente do jornal alemão Die Welt e fez reportagens criticando seu país.
Em uma delas, escreveu: “os russos têm medo”.
Mas a carreira na Alemanha foi curta. Ela saiu no início de julho em meio a uma controvérsia.
Jornalistas ucranianos protestaram contra a sua contratação diante de outros colegas com dificuldades de obter trabalho e chegaram a fazer manifestações.
Marina Ovsyannikova anunciou a volta à Rússia em suas redes sociais sob o argumento de que precisava retornar para participar de uma audiência de custódia dos filhos.
E sugeriu que a contratação pelo jornal alemão era originalmente apenas por três meses, o que não foi informado à época.
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‘Fake news’ e discriminação contra a Rússia
A situação de liberdade de imprensa na Rússia, que já era crítica antes da guerra, tornou-se ainda pior após a invasão da Ucrânia.
As perseguições aumentaram, vários veículos independentes tiveram que fechar as portas e jornalistas fugiram do país.
As pressões contra o jornalismo independente são feitas por meio de duas leis. Uma, a do “agente estrangeiro”, já existia antes da guerra.
Pessoas ou organizações (incluindo jornalísticas) classificadas desta forma por receberem recursos do exterior, como doações, são obrigadas a seguir uma série de restrições que dificultam ou impedem sua atuação.
A outra lei, a das “fake news”, foi criada sob medida para a guerra.
Ela prevê penas de até 15 anos de prisão para quem produzir ou divulgar notícias que o governo considere falsas sobre a guerra, como chamar a guerra de guerra e não de “operação especial”.
Temendo por seus profissionais, várias organizações jornalísticas internacionais retiraram suas equipes de Moscou ou fecharam escritórios, mas algumas acabaram retomando os trabalhos.
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Na semana passada, no mesmo dia do protesto solitário da jornalista Marina Ovsyannikova e da entrevista sobre o político preso, o presidente Vladmir Putin assinou uma lei destinada a combater o que o governo classifica de “discriminação contra a Rússia” por parte da mídia internacional e de governos.
Veículos de comunicação estatais foram bloqueados ou banidos em vários países sob a acusação de disseminarem propaganda política estatal e fake news sobre a guerra.
Agora, o governo russo promete endurecer. A nova lei dispensa a necessidade de processo judicial para o governo adotar medidas contra redes de mídia ou jornalistas estrangeiros críticos.
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