Um grupo criado por políticos da Rússia alinhados a Vladimir Putin que monitora atos “antipatrióticos” dos segmentos culturais do país, incluindo a mídia, exigiu a demissão de dois importantes jornalistas do canal estatal Channel One.

A solicitação foi enviada ao diretor-geral da emissora — a mesma onde a editora Marina Ovsyannikova protestou ao vivo contra a guerra na Ucrânia — pelo Grupo de Investigação de Atividades Anti-Rússia na Esfera da Cultura (GRAD, na sigla em russo) no dia 4 de agosto.

No dia seguinte, o apresentador Ivan Urgant desdenhou do pedido nas redes sociais e fez sugestões irônicas sobre as ações que o grupo deveria apurar, desafiando a censura que o Kremlin impõe até mesmo aos canais de propriedade do governo.

Além de jornalistas, diretor de Bolshoi também é alvo na Rússia

A continuidade da invasão à Ucrânia deixa o cenário cada vez mais inóspito para os jornalistas da Rússia, mas o propósito do GRAD vai além de cercear a mídia.

Formado por artistas, deputados e senadores de diversas agremiações políticas, o grupo foi criado por iniciativa de Zakhar Prilepin, escritor e co-presidente do partido Rússia Justa.

O objetivo é garantir que os mais diversos setores culturais do país estejam alinhados com a narrativa pró-guerra do governo Vladimir Putin. 

O site do grupo do GRAD fala que o seu principal objetivo é “identificar os principais mecanismos de implementação da influência estrangeira e das atividades antiestatais no campo da cultura”.

Segundo o portal de notícias Meduza, a primeira reunião do grupo foi realizada no dia 3 de agosto.

Em 4 de agosto, o secretário do GRAD, deputado Dmitry Kuznetsov, comunicou a exigência para que o Channel One demitisse os apresentadores Ivan Urgant e Alexander Vasiliev, ambos considerados “agentes de influência estrangeira” pelos parlamentares.

O pedido foi enviado ao diretor-geral do Channel One, Konstantin Ernst, e exigiu o rompimento das relações trabalhistas com os apresentadores caso eles não apoiem publicamente a “operação especial” na Ucrânia.

Kuznetsov usou o mesmo argumento para pedir ao diretor do Teatro Bolshoi, Vladimir Urin, a demissão do diretor de palco Alexander Molochnikov. E, se isso não ocorrer, a saída de Urin também já foi solicitada ao Ministério da Cultura.

Exigências semelhantes foram enviadas ao Ministério do Desenvolvimento Digital e ao Ministério do Esporte, segundo o Meduza.

O site do GRAD diz que o grupo já começou a montar duas listas: uma para classificar figuras públicas do âmbito cultural como “agentes de influência estrangeira”, e outra para os “funcionários e diretores que apoiam os agentes”.

Nesses registros, o apresentador de TV Ivan Urgant, por exemplo, é listado como “agente”, enquanto o diretor-geral do Channel One aparece como seu “cúmplice”.

Segundo o grupo, os profissionais que quiserem deixar as listas podem fazê-lo “através do apoio público” às forças armadas russas e à guerra na Ucrânia. 

Os membros do GRAD ainda planejam propor emendas à legislação para acabar com a “covardia” do Estado na formação de diretrizes na área da cultura, de acordo com o portal Parliamentskaya Gazeta.

Jornalista propõe banir álbuns de Paul McCartney

Em resposta ousada à solicitação do GRAD, o apresentador Ivan Urgant usou a ironia para afirmar nas redes sociais que considerava a formação do grupo “necessária” e suas solicitações “precisas e oportunas”.

Ele também decidiu “contribuir para o trabalho frutífero do grupo” com uma série de propostas em tom jocoso.

Urgant sugeriu, por exemplo, que não apenas “agentes de influência estrangeira” sejam processados, mas também os parentes mais próximos deles.

E, para ajudar no “desenvolvimento e apoio à ideia de ‘Macarthismo russo'”, o jornalista propôs que se proíba a venda de álbuns de Paul McCartney, com exceção de “Back in USSR” (“De volta à União Soviética”, em português).

O jornalista ainda disse para os autores da iniciativa trocarem o nome dela para “Grupo para Detectar os Inimigos da Nossa Sociedade” — o, que na sigla em russo, ficaria SHIT. 

Urgant também postou uma selfie com um livro de Zakhar Prilepin, o fundador do GRAD, com uma dedicatória: “A Ivan Urgant com respeito. Tudo de bom, Zakhar Prilepin, 2012″.

Por fim, Urgant disse que o grupo deveria usar a música “Dreamer”, de Yaroslav Evdokimov, como hino.

O site Meduza destacou que, após o início da invasão russa à Ucrânia, Ivan Urgant se posicionou publicamente contra a ação militar ordenada por Vladimir Putin. 

Em retaliação, o jornalista teve o seu programa “Evening Urgant” retirado da grade do Channel One, mas ainda é contratado da emissora e aparece em outras atrações na TV.