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Liberdade de imprensa em 6 meses de invasão à Ucrânia: 46 ataques a jornalistas, 9 mortos e 6 crimes de guerra 

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Carro de jornalista ucraniano foi incendiado por soldados russos que o executaram, diz ONG (Foto: Patrick Chauvel/RSF)

Londres – O número de civis e soldados mortos na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que completa seis meses neste 24 de agosto, ainda não é totalmente conhecido, mas o de profissionais de imprensa já foi contabilizado: oito perderam a vida em serviço e pelo menos um morreu combatendo como integrante do  exército ucraniano. 

Pode parecer pouco, quando comparado à quantidade de jornalistas assassinados no México este ano: pelo menos 15.

Mas há um padrão diferente do de outras guerras: a maioria dos profissionais de imprensa morreu em ataques deliberados atribuídos ao exército russo, e não por estarem próximos a bombardeios ou documentando confrontos, o que levou a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) a apresentar seis queixas de crimes de guerra ao Tribunal Penal Internacional e à Procuradoria-Geral ucraniana.

Nos seis meses da guerra da Ucrânia, pelo menos 46 ataques 

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, jornalistas de todo o mundo foram para o país a fim de documentar uma guerra em plena Europa, com o potencial de virar um conflito nuclear e de mudar o mapa do mundo. 

Nada tão diferente do que ocorria em outros conflitos, até que no dia 4 de março o carro em que uma equipe de reportagem da Sky News britânica viajava foi alvo de uma emboscada e dois profissionais ficaram feridos, incluindo o correspondente Stuart Ramsay, um dos principais nomes do jornalismo da rede.

Mesmo atingido, o cinegrafista filmou todo o ataque, em um vídeo chocante mostrando o pânico sem cortes. Os gritos dos profissionais avisando que eram jornalistas foram ignorados pelos agressores.

Em 13 de março, o documentarista americano Brent Renaud não teve a mesma sorte. Ele morreu quando o carro em que viajava foi atacado – e ali se confirmou o padrão estabelecido nesta guerra: de nada adiantou o veículo estar identificado ou os profissionais portarem coletes de identificação de imprensa. 

A partir de então, as tragédias se sucederam, com jornalistas emboscados, feridos e mortos em atos atribuídos ao exército russo sem que a identificação profissional os protegesse, um princípio básico da liberdade de imprensa. 

A organização Repórteres Sem Fronteiras registrou 46 ataques a um total de mais de 100 jornalistas nesses seis meses de guerra na Ucrânia. 

Para a organização, os ataques deliberados se qualificam como crimes de guerra, o que levou a organização a formalizar as denúncias junto ao Tribunal Penal Internacional e à Procuradoria-Geral da Ucrânia.

Para marcar os seis meses da guerra, a  RSF fez um histórico de todos os casos, que vitimaram cinegrafistas, fotojornalistas, repórteres, produtores e cineastas de várias nacionalidades. 

Evgeni Sakun, Kyiv Live TV, 49 anos – morto em 1 de março

O cinegrafista ucraniano Evgeni Sakun trabalhava para o canal local Kyiv Live TV e foi morto quando mísseis russos foram disparados contra a torre de televisão de Kiev em 1º de março, uma semana após o início da guerra.

Ele foi identificado por seu cartão de imprensa quando seu corpo foi encontrado nos escombros.

Imagem: Repórteres Sem Fronteiras

Alguns dias depois, a RSF denunciou este e outros três ataques a torres de TV que não eram usadas para fins militares ao Tribunal Penal Internacional. Esses ataques forçaram 32 canais de TV e dezenas de estações de rádio a saírem do ar na Ucrânia.

Brent Renaud, documentarista, 50 anos – morto em 13 de março

Primeiro jornalista estrangeiro a perder a vida na guerra da Ucrânia, o premiado documentarista norte-americano Brent Renaud foi alvejado por tiros na nuca quando dirigia seu carro em Irpin, uma cidade a noroeste de Kiev, em 13 de março.

Juan Arredondo, um jornalista americano-colombiano que estava com ele, foi ferido e hospitalizado.

Renaud cobriu muitas guerras, como as do Afeganistão e do Iraque, e fez muitos documentários. Ele foi para a Ucrânia por iniciativa própria e, no momento de sua morte, estava fazendo uma reportagem sobre civis fugindo da ofensiva que o exército russo havia lançado para tomar a capital.

Maks Levin, repórter fotográfico, 41 anos – morto em 13 de março

Veterano repórter fotográfico, Maks Levin trabalhava como freelancer regularmente para o site de notícias ucraniano LB.ua, e para a agência de notícias Reuters. Ele estava cobrindo os soldados que lutavam na guerra, bem como suas vítimas civis.

Suas fotos foram capa da revista alemã Spiegel, além de serem publicadas pela Time Magazine e pelo Wall Street Journal nos Estados Unidos. Ele desapareceu em 13 de março enquanto cobria a atividade militar russa e os combates entre as forças russas e ucranianas na região ao norte de Kyiv.

Seu corpo e o de Oleksiy Chernyshov, soldado e amigo que estava com ele, só foram encontrados em 1º de abril, em uma floresta perto da vila de Huta-Mezhyhirska.

No curso de uma investigação exclusiva algumas semanas depois, a RSF localizou a cena do duplo assassinato e uma das balas que mataram Levin. As informações e evidências coletadas pela RSF comprovam que os soldados russos o executaram a sangue frio.

Pierre Zakrzewski, 55, e Oleksandra kuvshinova , 24, Fox News – mortos em 15 de março

Uma equipe da Fox News composta pelo experiente repórter de guerra britânico Benjamim Hall, pelo cinegrafista Pierre Zakrzewski e pela fixer ucraniana Oleksandra Kuvshinova, foi atingida em 14 de março por tropas russas. Zakrzewski e Kuvshinova morreram na hora, enquanto Hall foi internado em estado grave.

Pierre Zakrzewski, um ex-fotógrafo de guerra baseado em Londres,  estava acostumado a cobrir guerras e havia documentado conflitos no Iraque, Afeganistão e Síria ao longo de seus 30 anos de carreira. 

Kuvshinova era uma jovem jornalista que trabalhava como fixer (produtora local) para a Fox News havia quase um mês, ajudando suas equipes a percorrer a Ucrânia e a encontrar fontes para suas reportagens.

Apesar da violência sofrida pela equipe da Fox, um colega de emissora, o controvertido apresentador Tucker Carlson, provocou revolta ao criticar a credibilidade dos jornalistas que cobriam a guerra da Ucrânia. 

Na mesma semana, Benjamin Hall, hospitalizado, relatou pela primeira vez como tinha sido o ataque e com estava sendo difícil sua recuperação.

Oksana Baulina, The Insider, 43 anos – morta em 23 de março

Oksana Baulina era um caso raro de profissional de imprensa da Rússia já radicada na Ucrânia quando a guerra começou. No dia em que a invasão foi lançada, 24 de fevereiro, ela tuitou:

“Esta guerra é um erro, esta guerra é um crime”.

Ela já havia sido produtora da FBK, a fundação anticorrupção russa lançada por Alexei Navalny (o principal oponente político de Vladimir Putin), que Moscou classificou como uma organização extremista.

Nos últimos anos,  tinha trabalhado em Kiev como repórter do The Insider, um site de jornalismo investigativo com sede na Letônia. A empresa de mídia em que ela trabalhava disse que ela foi morta por um “drone kamikaze” em 23 de março, enquanto reportava os danos causados ​​por um ataque em um shopping center em Podil, um subúrbio de Kyiv.

Dois policiais que cuidavam de sua segurança ficaram gravemente feridos pela explosão do drone. Pouco antes de sua morte, a jornalista havia realizado entrevistas com soldados russos capturados pelo exército ucraniano – que ainda não haviam sido publicadas.

Mantas Kvedaravicius, documentarista, 44 anos – morto em 2 de abril

O documentarista lituano Mantas Kvedaravicius decidiu retornar a Mariupol assim que a Rússia lançou sua invasão. Tinham se passado seis anos desde o lançamento em 2016 de seu primeiro documentário, Mariupolis. Em 2 de abril, ele foi encontrado deitado de bruços em uma rua com um ferimento de bala na cabeça e outro no peito.

As circunstâncias de sua morte ainda não são claras, segundo apuração da Repórteres Sem Fronteiras, mas sabe-se que os russos o haviam feito prisioneiro alguns dias antes. Em uma mensagem postada no Twitter, a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa ucraniano informou que “os ocupantes russos mataram Mantas Kvedaravicius (…) enquanto ele tentava deixar Mariupol”. 

Frédéric Leclerc-Imhoff, BFMTV , 32 anos – morto em 30 de maio

Frédéric Leclerc-Imhoff, um cinegrafista francês que trabalhava para o canal BFMTV, estava em um caminhão usado numa operação humanitária em Lysychansk em 30 de maio, quando foi morto por estilhaços de um projétil que perfuraram a blindagem do veículo e o atingiram no pescoço.

Os dois jornalistas que estavam com ele, o repórter Maxime Brandstaetter e a fixer Oksana Leuta, sofreram ferimentos leves. Leclerc-Imhoff estava prestes a cobrir a evacuação de civis quando o comboio foi bombardeado.

O jornalista que morreu em combate  na Ucrânia 

Enquanto a Ucrânia era devastada ao longo desses seis meses de guerra, alguns jornalistas resolveram mudar de lado, alistando-se para combater, em vez de simplesmente documentar os acontecimentos. 

Não há estimativa oficial de quantos jornalistas ingressaram nas forças armadas desde fevereiro, quando começou a invasão.

No entanto, o Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia lista os trabalhadores da mídia mortos durante o conflito, identificando dez deles como tendo se alistado no exército e “morrendo com armas nas mãos”.

Um deles foi Oleksandr Makhov, que foi morto no dia 4 de maio durante um bombardeio na região de Kharkiv. Aos 36 anos, era um conhecido repórter de televisão e já tinha se alistado em outra guerra. 

Direitos humanos dos jornalistas na cobertura da guerra 

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado em 3 de maio, a organização internacional CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas) fez um apelo nas redes sociais pedindo o fim de ataques a jornalistas e profissionais da mídia na guerra na Ucrânia.

O vídeo da campanha exibe depoimentos comoventes de familiares e colegas de trabalho dos profissionais que perderam a vida na guerra.

“Todos os jornalistas e profissionais da mídia são civis sob o Direito Internacional Humanitário, e seus direitos devem ser respeitados e protegidos”, ressaltou o diretor-executivo do CPJ, Robert Mahoney.

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