Londres – Mais de 30 organizações internacionais de direitos humanos, liberdade de imprensa e de expressão entregaram nesta segunda-feira (29) uma carta conjunta ao governo da Arábia Saudita exigindo a libertação da acadêmica e ativista dos direitos das mulheres Salma al-Shehab,  condenada a 34 anos de prisão por seus tuítes publicados em defesa dos direitos das mulheres.

Coincidentemente, a pena equivale à idade da ativista, que tem apenas 34 anos. Entre os signatários estão a Anistia Internacional, a Artigo 19, o PEN International e a Access Now, esta última especializada em direitos humanos no ambiente digital.

A carta salienta que “trata-se da sentença de prisão mais longa conhecida contra um ativista pacífico por sua liberdade de expressão na Arábia Saudita, sinalizando uma deterioração alarmante da situação dos direitos humanos no país”. 

Saudita condenada à prisão não era proeminente 

A condenação despertou indignação e mais atenção para o reino governado com mão de ferro pelo príncipe Mohamed bin Salman. O governante saudita é acusado de ter ordenado o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi dentro da embaixada do país na Turquia. 

Mas diferentemente do jornalista, que escrevia para o Washington Post e era uma celebridade da mídia global, Al-Shehab é uma mãe de dois filhos, profissional de saúde dental e estudante de doutorado na Universidade de Leeds, no Reino Unido, onde residia antes de sua detenção.

Ela foi presa em 15 de janeiro de 2021 enquanto estava de férias na Arábia Saudita. Foi então submetida a confinamento solitário e a longas sessões de interrogatório durante nove meses e meio antes de ser levada ao Tribunal Penal Especializado (SCC). O órgão é usado como instrumento de repressão para silenciar a dissidência no reino, afirmam as entidades. 

Al-Shehab pertence à minoria muçulmana xiita do país, que há muito tempo sofre com a repressão do governo.

Em 9 de agosto de 2022, o Tribunal Penal Especializado condenou a ativista após um julgamento “grosseiramente injusto”, destaca a carta assinada pelas entidades. A condenação estabelece que a pena de prisão de 34 anos deverá ser seguida por uma proibição de viajar da mesma duração.

As acusações contra Al-Shehab incluíram “apoiar aqueles que buscam perturbar a ordem pública” e publicar tuítes “que perturbam a ordem pública”, em conexão com postagens em sua conta, onde ela expressou apoio a prisioneiros de consciência, como o ativista dos direitos das mulheres Loujain al-Hathloul.

Ela também teve a conta no Twitter encerrada e o número de celular desativado.  

A carta diz:

“Al-Shehab foi condenada sob as leis draconianas de combate ao terrorismo e combate ao crime cibernético do reino, que incluem disposições vagamente formuladas que criminalizam os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica na Arábia Saudita.”

Inicialmente, ela recebera uma sentença de seis anos em março de 2022, quatorze meses depois de ser detida. Mas a pena foi aumentada durante o processo de apelação, resultando na sentença de prisão mais longa conhecida contra um ativista pacífico no reino. A decisão está sujeita a recurso na Suprema Corte.

As entidades manifestaram a preocupação de a punição à saudita ser o início do agravamento de perseguições a vozes dissidentes. 

“Condenamos veementemente a prisão arbitrária e a condenação ilegal de Al-Shehab, que marca uma nova escalada na repressão à liberdade de expressão na Arábia Saudita.

Em contraste com a retórica das autoridades sobre direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres e as reformas legais, os verdadeiros impulsionadores da reforma – os ativistas que pedem direitos básicos – continuam a ser impiedosamente silenciados, com leis repressivas sendo usadas para criminalizar sua expressão pacífica e seu ativismo.”

Visita de Biden à Arábia Saudita semanas antes da sentença de prisão 

O manifesto observa que “a sentença injusta de Al-Shehab aconteceu logo após a recente visita do presidente dos EUA, Joe Biden, à Arábia Saudita, bem como ao encontro em Paris do presidente francês Emmanuel Macron com o príncipe herdeiro saudita e governante de fato Mohammed bin Salman”:

“Essas reuniões de alto nível, sem condições prévias, só encorajaram a liderança do reino a cometer mais abusos, como foi alertado antes da viagem de Biden.”

As organizações criticam a redução de apelos globais para responsabilizar os líderes da Arábia Saudita, principalmente pelo assassinato de Jamal Khashoggi patrocinado pelo estado em 2018. Elas alertam que essa postura estaria levando as autoridades sauditas “a voltaram ao seu padrão habitual de repressão, uma característica contínua do governo do príncipe herdeiro desde 2017”.

Segundo o manifesto, a Arábia Saudita prende e detém de forma arbitrária pessoas que exercem pacificamente seus direitos fundamentais e aplica longas sentenças de prisão para críticos pacíficos após julgamentos grosseiramente injustos. Além disso, impõe proibições de viagem contra ativistas uma vez libertados da prisão e nega assistência médica e administrativa aos presos, levando a “mortes deliberadas”.

O documento informa que as autoridades sauditas já realizaram 120 execuções este ano – mais do que o dobro do número de todo o ano de 2021 – incluindo a execução de 81 homens em 12 de março de 2022, a maior execução em massa ocorrida no país nas últimas décadas.

“Somente a pressão internacional sobre as autoridades sauditas levará a progressos significativos em direção ao pleno respeito pelos direitos humanos e liberdades no país.

Portanto, pedimos à comunidade internacional, especialmente aos estados com influência diplomática, como os Estados Unidos e o Reino Unido, que pressionem as autoridades sauditas a libertar imediata e incondicionalmente Salma Al-Shehab e anular sua convicção, bem como libertar todos os outros atualmente detidos no reino em consequência do exercício pacífico de seus direitos fundamentais.”

Quando a sentença foi anunciada, um porta-voz da Universidade de Leeds disse: “Estamos profundamente preocupados em saber desse recente desdobramento  no caso de Salma e estamos buscando conselhos sobre se há algo que possamos fazer para apoiá-la”.

Mas não houve manifestações por parte do governo do Reino Unido, embora a ativista fosse residente no país. 

As ações de censura na Arábia Saudita são também motivadas por questões morais. Este ano, o reino foi um dos que proibiu a exibição do filme de animação Buzz, da Pixair, por conter uma cena de beijo entre mulheres. 

E em julho, uma egípcia residente no país foi presa pela postagem de um vídeo no TikTok no qual supostamente haveria alusões LGBT.