Londres – A admiração da população britânica pela rainha Elizabeth II é apoiada em três elementos associados à sua imagem pública desde criança: a fé em Deus (o monarca é também o chefe da Igreja Anglicana) o chamado “sense of duty” (dever de servir à nação), e a vida em família, que agora é valorizada a cada momento das cerimônias de despedida. 

A única filha, Anne, acompanhou todo o cortejo na Escócia no domingo, quando o caixão saiu do castelo de Balmoral para Edimburgo, dando o tom do que viria a seguir. O rei Charles III refere-se à monarca em pronunciamentos como “minha querida mamãe”. 

Em várias ocasiões filhos e netos ficaram lado a lado nos cortejos fúnebres e comoveram o país nas vigílias em torno do caixão, como na noite deste sábado, em que os netos se uniram para velar a rainha durante quinze minutos em horário nobre na TV. 

Mensagens comoventes são distribuídas por membros da família pelas redes sociais.

A mais recente foi a das netas Eugenie e Beatrice, que certamente foi revisada por assessores para evitar qualquer deslize que pudesse ser mal-interpretado e termina com um monárquico God Save The King. Mas tem um tom pessoal capaz de criar empatia com qualquer avó ou neto. 

E foi postada nas redes sociais oficiais da família real ilustrada por uma foto que poderia ter saído do álbum de família de qualquer súdito, provavelmente feita em uma festa de Natal. 

Segundo os registros históricos, as irmãs Elizabeth e Margaret tiveram uma infância feliz com os pais, a rainha-mãe (que também se chamava Elizabeth), e o pai, que viria a se tornar o rei George VI quando o irmão, Edward abdicou em 1936 em para se casar com a americana divorciada Wallis Simpson – nada aceitável para a tradição familiar da época. 

Elizabeth II não pôde ser tão presente com os filhos, devido a viagens e compromissos que assumiu com apenas 25 anos.

E há maledicências sugerindo que em ocasiões que poderia estar com as crianças teria optado por outras atividades. Mas nem tudo o que se fala sobre a vida da realeza britânica é confiável.

Em entrevistas, a princesa Anne nega categoricamente que isso tenha ocorrido e garante que a mãe era presente e atenciosa. 

Verdade ou meia verdade, o fato é que publicamente, Elizabeth II cultivou de forma eficiente a reputação de esposa, mãe, avô e bisavô empenhada em manter sua família unida, apesar dos divórcios de três dos quatro filhos e da discórdia recente entre os netos William e Harry. 

E isso foi vital para construir e manter a admiração, mesmo quando ela foi criticada pelo aparente distanciamento das homenagens à princesa Diana. O motivo justificado foi o apoio aos netos. 

Assim, a rainha Elizabeth II se despediu fazendo parte da família britânica, uma família conservadora e tradicional. E este é um ativo de sua imagem que o sucessor, o rei Charles III terá mais dificuldades para  reproduzir, casado pela segunda vez e neste momento com dois filhos que mal se falam. 

Na semana de despedidas da rainha, o elemento “família” da reputação de Elizabeth II tem se revelado importante para a imagem pública da monarquia nessa etapa em que a comoção pela morte pode aumentar o apoio e neutralizar críticas.

No site oficial da família real, há um capítulo exclusivamente dedicado ao tema, com fotos e histórias mostrando a dedicação de Elizabeth II aos mais próximos, que “forneceram uma base da qual ela extraiu força e conforto ao longo de sua vida”

Veja imagens da vida em família da Rainha Elizabeth II

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A Rainha-mãe, o rei George e as filhas Elizabeth e Margaret fazem um passeio no campo (divulgação The Royal Family)

Em uma carta do rei (seu pai) após seu casamento com o príncipe Philip em 1947, a rainha Elizabeth falou de sua proximidade com a família:

“Eu vi você crescer todos esses anos com orgulho sob a direção habilidosa da mamãe […] que é a pessoa mais maravilhosa do mundo aos meus olhos. E eu posso, eu sei, sempre contar com você, e agora com Philip, para nos ajudar em nosso trabalho.”

Em uma homenagem à rainha Elizabeth, a rainha-mãe, após sua morte em 2002, o príncipe Philip  fez referência ao relacionamento próximo com a sogra:

“Um caráter imensamente forte, combinado com uma graça natural única e um otimismo contagiante sobre a própria vida. 

Também sei o que ela significou para toda a minha família, principalmente para a rainha Elizabeth II, para quem ela foi um apoio tão firme e sensível quando o rei George morreu.”

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Rainha Elizabeth II e Príncipe Philip (divulgação The Royal Family)

A princesa Elizabeth e o duque de Edimburgo se conheceram no casamento da prima do príncipe Philip, a princesa Marina da Grécia, com o duque de Kent, um tio da então princesa Elizabeth, em 1934.

O casal manteve contato durante a guerra, quando o príncipe Philip serviu na Marinha Real. O noivado foi anunciado em 9 de julho de 1947 e o casamento foi na Abadia de Westminster em 20 de novembro de 1947. 

Vídeos caseiros liberados pela rainha Elizabeth para um documentário em comemoração ao Jubileu de Platina no trono mostram imagens do encantamento da jovem admirando o anel de noivado.

Unidos na fase de austeridade do pós-guerra, o casal não teve uma lua-de-mel paradisíaca. Os dois passaram os dias na casa do tio do noivo em Broadlands, Hampshire, e em Balmoral, onde a rainha morreu no dia 8 de setembro. 

Vida de casada de uma jovem princesa Elizabeth  

Nos primeiros anos de casamento, a princesa Elizabeth e o príncipe Philip puderam viver de forma relativamente privada, com ele seguindo sua carreira naval enquanto a princesa cuidava de sua jovem família. 

O príncipe Charles – agora o rei – nasceu em 1948, e a princesa Anne dois anos depois.

De 1949 a 1951, o casal viveu na ilha de Malta, onde ele servia como oficial da marinha.

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Príncipe Philip e a rainha Elizabeth II em Malta (divulgação The Royal Family)

Elizabeth II vira rainha, e a vida em família muda 

A vida do casal mudou significativamente quando a saúde do rei George VI começou a piorar em 1951. Elizabeth II e Philip passaram a representar a monarquia em compromissos oficiais, que incluíam longas viagens a países da Commonwealth (Comunidade Britânica da Nações). 

Ela estava no Quênia quando o rei morreu, em 1952. Philip ganhou o título de Sua Alteza Real o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo.

Rainha Elizabeth II e Príncipe Philip (divulgação The Royal Family)

Biografias não-autorizadas, fofocas em jornais tabloides e seriados como The Crown sugerem que o casamento viveu turbulências. Mas o senso de dever e de família foi mais forte. 

E o entendimento de que a imagem de uma família normal era importante para criar empatia com o público também.

Um exemplo foi a ideia de abrir a intimidade para a produção de um vídeo, em 1969, mostrando cenas como um jantar informal em uma sala pequena, parecida com a casa de muitos britânicos, e um churrasco na beira do lago em que o príncipe Philip parece não ter muita intimidade com a grelha. 

Mas ele passou por tudo isso, mantendo a imagem de família unida. Em 2009, o príncipe Philip se tornou o consorte britânico mais antigo da história da realeza britânica superando a rainha Charlotte, consorte de George III.

Em 2002, no ano do Jubileu de Ouro, a rainha Elizabeth II  falou do apoio de sua família em um momento sensível, logo após as mortes de sua mãe, a rainha-mãe Elizabeth, e de sua irmã, a princesa Margaret:

“Aproveito esta oportunidade para mencionar a força que extraio de minha própria família. […] 

Quero expressar minha admiração pelo príncipe de Gales [o atual rei Charles III)  e por tudo que ele conquistou para este país.

Nossos filhos e toda a minha família me deram tanto amor e ajuda ao longo dos anos, e especialmente nos últimos meses.”

Durante um almoço para marcar suas Bodas de Ouro em 1997, a rainha fez um discurso repetido exaustivamente na época em que o príncipe Philip morreu, em 2021:

“Ele é alguém que não aceita elogios facilmente. 

Ele tem, simplesmente, sido minha força e permanência todos esses ano. E eu, e toda a família, e este e muitos outros países, temos com ele uma dívida maior do que ele jamais reivindicaria ou jamais saberemos.”

Em 2017, a rainha e o duque de Edimburgo se tornaram o primeiro casal da família real britânica a comemorar Bodas de Platina (70 anos).

Foto: divulgação The Royal Family

Filhos, netos e bisnetos

A rainha teve mais quatro filhos: Charles, Anne, o príncipe Andrew, nascido em 1960 e o príncipe Edward, em 1964. Eles foram os primeiros filhos de um monarca reinante desde a época da rainha Vitória. 

Família real monarquia Rainha Elizabeth II e príncipe Philip com filhos Anne, Charles, Edward e Andrew
Rainha Elizabeth II e príncipe Philip com os filhos Anne, Charles, Andrew e Edward, no carrinho de bebê (divulgação The Royal Family)

Com o avanço da idade, Elizabeth e Philip reduziram as viagens e em 2015 encerraram de vez as idas ao exterior, uma delas ao Brasil, na década de 60

Filhos e netos passaram a desempenhar o papel do casal na chamada “ofensiva de charme”, as visitas que encantam multidões. 

No início a tarefa era mais fácil, mas recentemente as viagens de representantes da monarquia se tornaram desafiadoras, em um ambiente de questionamento da herança colonialista e de movimentos republicanos. 

Nem os populares príncipe William e sua mulher Kate, agora príncipe e princesa de Gales, escaparam de críticas. 

Religiosa e criada em uma família unida, a rainha Elizabeth parece ter tido sentimentos genuínos de carinho e preocupação com a família, e deu mostras disso em situações adversas. 

Uma delas foi quando o que muitos dizem ser seu filho preferido, Andrew, enfrentou uma tormenta por envolvimento em um escândalo de abuso sexual de uma jovem menor de idade, que o processou em Nova York.

O processo foi encerrado depois do pagamento de uma indenização milionária (que a rainha teria ajudado a custear), e ele perdeu os cargos e títulos militares. Ainda assim, a mãe encarou os riscos e o escolheu para entrar na igreja na missa de um ano do marido.

A rainha Elizabeth e o príncipe Philip tiveram quatro filhos (Charles, Anne, Andrew e Edward) e oito netos: Peter e Zara Phillips (nascidos em 1977 e 1981);  William e Henry de Gales (1982 e 1984); Beatrice e Eugenie (1988 e 1990) e Louise Windsor e Visconde Severn. 

Seus 12 bisnetos são George (2013), Charlotte e Louis (2018), filhos dos atuais príncipes de Gales, Wiliam e Kate,  Archie Mountbatten-Windsor (2019) e Lilibet Mountbatten-Windsor (2021), filhos de Harry e Meghan Markle;  Savannah Phillips (2010) e Isla Phillips (2012), filhos de Peter e Autumn Phillips; Mia Tindall (2014), Lena Tindall (2018) e Lucas Tindall (2021), filhos de Zara e Mike Tindall;  Sienna Mapelli Mozzi (2021), filha da princesa Beatrice de York e Edoardo Mapelli Mozzi e August Brooksbank (2021), filho da princesa Eugenie e Jack Brooksbank.