Londres – No ano em que as perdas de profissionais de imprensa relacionadas à profissão voltaram a aumentar, com uma morte a cada cinco dias segundo a Federação Internacional de Jornalistas, o número de jornalistas presos bateu recorde histórico.
Os dados são da própria Federação, que contabiliza 375 presos, e dos censos do Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) e da ONG Repórteres Sem Fronteiras, divulgados esta semana.
Os números variam conforme os critérios de cada organização, podendo incluir ou não prisões cuja relação com o trabalho foi confirmada e jornalistas cidadãos ou pessoal de apoio a atividades jornalísticas.
O CPJ lista 363 profissionais privados da liberdade até o dia 1ºde dezembro, número que não inclui os que foram libertados ao longo do ano ou detidos temporariamente, representando elevação de 20% em relação a 2022.
O número é considerado pela entidade “um marco sombrio em um cenário de deterioração da mídia”.
A conta da RSF é mais alta: ela lista 533 os detidos por motivos de trabalho, número 13,4% superior a 2021, com aumento das mulheres encarceradas: 79.
Mesmo tomando por base o número mais baixo, a situação é alarmante. China, Mianmar e Irã revezam-se entre os principais carcereiros.
O CPJ coloca o Irã em em primeiro lugar (49 presos), enquanto a RSF lista China (110), Mianmar (62) e Irã (47), seguidos por Bielorrúsia e Turquia.
O país governado por Alexsander Lukashenko, aliado de Vladimir Putin, tinha 26 jornalistas sob custódia quando o censo foi fechado – 19 a mais do que em 2021.
O número de jornalistas mantidos na cadeia na Turquia aumentou de 18 em 2021 para 40 em 2022 após as prisões de 25 jornalistas curdos no segundo semestre do ano.
Os advogados dos jornalistas disseram ao Comitê que todos foram presos por suspeita de terrorismo – um resultado dos esforços do país para silenciar aqueles que associa ao proibido Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).
A organização disse que a censura rigorosa da China à mídia e o medo de falar em um país que realiza uma vigilância tão extensa sobre seu povo tornam difícil pesquisar o número exato de jornalistas entre sua população prisional.
Nesse contexto, o CPJ reduziu a conta de profissionais de mídia presos no país, de 48 em 2021 para 43 este ano.
Mas ressalta que a redução “não deve ser interpretada como qualquer flexibilização da intolerância do país ao jornalismo independente”.
O Irã sempre esteve entre os países mais repressores para o jornalismo, e este ano disparou em violações da liberdade de imprensa depois dos protestos em massa pela morte da jovem curda Mahsa Amini, presa por não usar o véu islâmico da forma correta.
Vários profissionais enfrentam risco de pena de morte por terem noticiado os protestos.
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Jornalistas presos em países sem democracia
Embora um dos casos mais notórios de jornalista preso não envolva ditaduras – o de Julian Assange, que aguarda no Reino Unido a tramitação do pedido de extradição pelos EUA – a crise de liberdade de imprensa está diretamente relacionada à ausência de democracia nos países mais repressores.
É o que destaca Christophe Deloire, secretário-geral da Repórteres Sem Fronteiras.
“Regimes ditatoriais e autoritários estão enchendo suas prisões mais rápido do que nunca, prendendo jornalistas.
Este novo recorde no número de jornalistas detidos confirma a necessidade urgente de resistir a estes governos sem escrúpulos e de estender a nossa solidariedade ativa a todos aqueles que personificam o ideal de liberdade jornalística, independência e pluralismo.
O Comitê de Proteção a Jornalistas também salienta os esforços cada vez mais opressivos dos governos autoritários para sufocar a mídia, “tentando manter fechada a tampa do descontentamento em um mundo perturbado pela covid-19 e pelas consequências econômicas da guerra da Rússia contra a Ucrânia”.
Um exemplo recente é o da China, onde jornalistas foram detidos ao cobrir os protestos contra medidas restritivas impostas à luz da política de covid-zero.
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“A prisão de jornalistas é apenas das formas de líderes autoritários tentarem estrangular a liberdade de imprensa.
Em todo o mundo, os governos também estão aprimorando táticas como leis de “notícias falsas”, estão usando difamação criminal e legislação vagamente formulada para criminalizar o jornalismo, ignorando o estado de direito, abusando do sistema judicial e empregando a tecnologia para espionar repórteres e suas famílias.”
Rússia e Afeganistão são países onde os meios de comunicação independentes foram destruídos à medida que os repórteres fugiram para o exílio ou são intimidados pela autocensura.
“As novas leis restritivas da Rússia para controlar a narrativa sobre sua guerra contra a Ucrânia, incluindo a proibição de chamar o conflito de guerra, desmontaram a mídia independente restante do país.
Dezenas de jornalistas russos evitaram o encarceramento fugindo para o exílio. Dos 19 conhecidos por estar sob custódia russa, vários enfrentam sentenças de até 10 anos sob a acusação de espalhar “notícias falsas”.
E embora as estratégias de repressão variem entre os países, os casos documentados compartilham um “fio comum de crueldade oficial e vingança”, define o Comitê.
Algumas nações, como a China e a Arábia Saudita, têm um histórico de manter jornalistas detidos mesmo após o término de suas sentenças.
Outros praticam atos classificados como “insensíveis”.
No Vietnã, a jornalista Pham Doan Trang, cumprindo uma sentença de nove anos por “propaganda contra o estado”, foi transferida de Hanói para uma prisão remota a mais de 900 milhas de distância de sua família – uma tática comum para evitar visitas regulares à prisão, de acordo com o relatório do Comitê.
Além de presos, ONG contabiliza jornalistas mantidos reféns
O levantamento de 2022 da Repórteres Sem Fronteiras informa que pelo menos 65 jornalistas e profissionais de mídia estão sendo mantidos como reféns.
Um deles é Olivier Dubois, repórter francês que está detido há mais de 20 meses no Mali pelo Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (JNIM), afiliado à Al-Qaeda.
Outro é o americano Austin Tice , sequestrado há quase 10 anos na Síria.
Além disso, mais dois jornalistas foram dados como desaparecidos em 2022, elevando o número total de jornalistas sobre os quais não se têm notícias do paradeiro para 49.
Jornalistas presos na América Latina
A América Latina se destaca no número de jornalistas mortos, uma estatística puxada por México e Haiti, mas não figura entre as regiões com mais presos.
Segundo o CPJ, são dois na Nicarágua, um em Cuba e dois na Guatemala. Mas a entidade destaca que o número relativamente baixo não reflete o declínio contínuo da liberdade de imprensa em toda a região.
“O ano de 2022 foi especialmente mortal para jornalistas no México e no Haiti, e vários países aprovaram legislações que introduziu novas opções para criminalizar a livre expressão e o jornalismo”.
Na Guatemala, a prisão de José Rubén Zamora envia segundo o Comitê “uma mensagem arrepiante aos jornalistas, especialmente repórteres investigativos e independentes, antes das eleições do próximo ano e em meio a uma repressão contínua a promotores, juízes e jornalistas que anteriormente trouxeram à luz casos de corrupção”.
Zamora, fundador e presidente da elPeriódico, enfrenta acusações de lavagem de dinheiro, chantagem e tráfico de influência – vistas como retaliação pelas reportagens do jornal sobre suposta corrupção envolvendo o presidente Alejandro Giammattei e a procuradora-geral Consuelo Porras.
O veículo cessou sua edição impressa em dezembro, dizendo-se foçado a fazê-lo após “120 dias de pressão política e econômica”.
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Na Nicarágua, ataques, prisões e ameaças forçaram quase todos os jornalistas independentes do país ao exílio ou a sair de seus empregos.
O último a resistir ao assédio do governo de Daniel Ortega, o La Prensa, teve que transferir todos os seus profissionais para fora do país e viu sua sede ser confiscada.
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Prisão de jornalistas que representam minorias
O relatório anual do Comitê de Proteção a Jornalistas também destaca outro tema: a repressão a minorias.
No Irã, os curdos suportaram o peso da retaliação do governo iraniano contra os protestos, e pelo menos nove jornalistas curdos estão entre os presos.
Na Turquia, as autoridades prenderam 25 jornalistas curdos que trabalhavam para a Agência de Notícias Mezopotamya, para o meio de imprensa feminino JinNews e outros que produziam conteúdo para meios de comunicação curdos na Europa.
No Iraque, segundo o CPJ, os três jornalistas listados pelo censo deste ano estão presos no Curdistão iraquiano.
E na China, muitos jornalistas presos são uigures de Xinjiang, onde Pequim foi acusada de crimes contra a humanidade por suas detenções em massa e duras repressão aos grupos étnicos, em sua maioria muçulmanos da região, diz o Comitê.
China: repressão também ao jornalismo em Hong Kong
Os números de jornalistas presos em Hong Kong não são somados pelas entidades de liberdade de imprensa aos da China.
Mas foi depois da tomada de controle do território pelo governo chinês que a situação se deteriorou, agravada pela promulgação de uma nova lei de segurança nacional para conter os protestos pró-democracia que eclodiram em 2019.
A Repórteres Sem Fronteiras e o Centro de Proteção a Jornalistas chamam a atenção para o caso de Jimmy Lai, bilionário magnata da mídia preso em 2020 por apoiar as manifestações a favor da liberdade pessoalmente e por meio de seu jornal, o Apple Daily.
Em 2021, depois de batidas policiais, prisões de jornalistas e asfixia financeira por meio de ações fiscais, o grupo Next fechou as portas e o Apple Daily deixou de circular.
“O tratamento de Lai, encarcerado desde dezembro de 2020, é visto como emblemático do crescente desrespeito das autoridades pelo devido processo e do acordo de “um país, dois sistemas” que garante a independência judicial de Hong Kong da China.
Lai, que tem cidadania do Reino Unido, permanece em uma prisão de segurança máxima, mesmo depois de completar uma sentença de 20 meses por várias acusações.
Na primeira semana de dezembro, enquanto aguardava o início de outro julgamento que poderia levar a uma sentença de prisão perpétua sob uma lei de segurança nacional draconiana, ele foi condenado a cinco anos e nove meses por acusações de fraude.
O julgamento acabou adiado para setembro de 2023 porque o advogado britânico nomeado por Lai foi proibido de atuar no caso.
O relatório completo do Comitê de Proteção a Jornalistas pode ser visto aqui, e o da Repórteres Sem Fronteiras aqui.
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