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Seis meses após morte de jovem curda no Irã, jornalistas relatam resistência a pressões para seguir informando

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Ruhollah Nakhaei foi condenado esta semana a dois anos e sete meses de prisão, segundo seu advogado (Foto: Saeed Khalili via Twitter)

Londres – A morte da estudante iraniana Masha Amini, que completa seis meses nesta quinta-feira (16), agravou ainda mais a crise de liberdade de imprensa e de expressão no Irã, 178º colocado entre 180 países no ranking anual da Repórteres Sem Fronteiras e reconhecido como um dos países com maior repressão no mundo. 

Segundo a organização, mais de 70 jornalistas foram presos no Irã desde o início dos protestos após a morte da jovem curda sob custódia policial em 16 de setembro, depois de ser presa por uso supostamente estar usando o véu islâmico de forma errada, e 16 deles ainda estão detidos. Ao todo há 27 profissionais de imprensa presos no país. 

A repressão foi generalizada. A ONG Human Rights Activists in Iran (HRAI, na sigla em inglês) contabiliza cerca de 19,6 mil pessoas presas nesses seis meses, incluindo jornalistas, artistas, advogados, professores, estudantes e ativistas dos direitos civis. 

Vários jornalistas já foram condenados, recebendo penas de prisão que organizações de direitos humanos apontam como sendo mais rigorosas do que a lei prevê, incluindo trabalhos forçados. 

A mais nova vítima da repressão do Irã a profissionais de imprensa é o jornalista especializado em relações exteriores Ruhollah Nakheei, que nesta segunda-feira recebeu uma pena de dois anos e sete meses de prisão, segundo a HRAI.  

O advogado Saeed Khalili informou que Nakhaei foi sentenciado por “reunião e colisões contra a segurança nacional” e “propaganda contra o regime”.

Nakhaei escreve para várias publicações, incluindo o jornal reformista Shargh, e tem um canal do Telegram sobre política interna e externa do Irã. Ele tinha sido preso em 23 de setembro, foi solto sob fiança e agora é condenado. 

Entre os presos por crimes relacionados aos protestos dos últimos seis meses estão Elahe Mohammadi, repórter do diário Ham Mihan , e Nilufar Hamedi , repórter do diário Shargh. Elas foram as duas primeiras mulheres jornalistas a cobrir a morte e o funeral de Mahsa Amini em setembro. 

Resistência à repressão no Irã 

Diante das ameaças, poucos jornalistas estão conseguindo resistir à repressão no Irã. A Repórteres Sem Fronteiras conversou com alguns deles, e relatou que a maioria está “aterrorizada, exausta e até desesperada”. Mas graças à resistência de alguns, notícias e informações ainda circulam no país e no exterior.

“Apesar do forte arsenal repressivo mobilizado pelas autoridades, apesar do encarceramento, da violência e da censura, os jornalistas do Irã continuam a cobrir a situação em seu país. Seis meses após a morte de Mahsa Amini, é hora de o governo iraniano entender que sua política de terror é vã”, disse Jonathan Dagher, chefe da RSF para o Oriente Médio. 

Sob condição de anonimato, vários jornalistas iranianos concordaram em conversar com a RSF sobre como é viver e trabalhar sob vigilância intensificada. Todos expressaram ansiedade e reconheceram que às vezes precisam praticar autocensura para evitar possíveis interrogatórios ou prisões.

“Qualquer tipo de comunicação com amigos no estrangeiro pode agravar o nosso caso”, disse à ONG um jornalista detido pelas forças de segurança no dia 18 de janeiro.

“É um pesadelo sem fim”, disse outro jornalista baseado em Teerã. “Tenho medo de escrever qualquer coisa, até no meu caderno. Sinto que estou sendo observado o tempo todo.”

Uma jornalista disse à RSF que tomou a decisão firme de renunciar depois de ser presa em outubro, mas mudou de ideia. “Não consigo encontrar um trabalho mais satisfatório do que este”, disse ela. “Se eu desistir do jornalismo, vou perder minha identidade.”

No entanto, ela e outros jornalistas que resistem têm que lutar com cada palavra que usam.

“Estamos constantemente pensando em como jogar com as palavras para transmitir o verdadeiro significado do que queremos dizer e, ao mesmo tempo, nos defendermos perante as autoridades”, disse outro jornalista à RSF.

“No Irã, hoje, a coragem começa no momento em que você decide escrever uma ideia para uma entrevista ou uma história em um caderno.”

A Repórteres Sem Fronteiras salientou que jornalistas iranianos se sentem ameaçados mesmo quando estão no exterior. Um repórter baseado na França soube recentemente que estava na mira da República Islâmica quando foi avisado pela agência de inteligência estrangeira francesa, a DGSE, disse a organização. 

“É cansativo ter que olhar para trás quando você anda na rua e observar todos os carros que passam para ter certeza de que não está sendo seguido”, disse ele à RSF. Este jornalista já havia recebido ameaças de morte online.

As autoridades francesas aconselharam que ele não viaje para países vizinhos ao Irã.

O canal de TV de língua persa Iran International foi forçado a fechar sua sede em Londres em 13 de fevereiro por causa de ameaças contra seus jornalistas.

A intolerância do governo do Irã com a imprensa não se restringe ao noticiário sobre os protestos pela morte de Mahsa Amini. A RSF constatou que as pressões se estendem a qualquer assunto que incomode as autoridades. 

Um exemplo citado é o do diário reformista Sazandegi, que em fevereiro publicou notícias sobre o aumento dos preços da carne e acabou suspenso temporariamente.

O jornalista Ali Pourtabatabei foi preso no dia 5 de março por postar informações sobre a onda de envenenamentos de estudantes iranianas em seu site Qom News.

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