Natalee Garret, historiadora, analisa as semelhanças e diferenças entre as coroações de dois monarcas do Reino Unido, Charles III e George IV, que usaram as cerimônias para sinalizar a inauguração de novas eras
Natalee Garret

Quando George III morreu, em 1820, ele era o monarca com mais tempo no trono da história do Reino Unido, com 60 anos de reinado. O luto público foi adotado em toda a Grã-Bretanha.

Em 2022 – pouco mais de 200 anos depois – a tataraneta de George III, Elizabeth II, bateu o recorde do antepassado e morreu após 70 anos no trono. O luto generalizado tomou o Reino Unido e a Commonwealth mais uma vez.

Em ambos os casos, períodos marcantes foram decisivamente concluídos na história da Grã-Bretanha para dar vez à inauguração de novas eras.

Enquanto o público lamentava o falecimento desses monarcas, a atenção voltava-se para seus sucessores, George IV e Charles III. Como seria o desempenho desses reis em relação ao antecessor?

Para George IV, seis décadas tinham se passado desde a coroação de seu pai em 1761. Naquela época, a Grã-Bretanha era um pequeno reino com colônias  florescentes nas Américas e a monarquia lutava para provar ser uma instituição britânica indispensável.

Na ocasião de sua coroação em 1821, o Reino Unido experimentava mudanças sociais, culturais e econômicas dramáticas. George IV deveria governar uma nação muito diferente da de seu pai.

Da mesma forma, o país ao qual Elizabeth II jurou servir em sua coroação de 1953 era dramaticamente diferente daquele herdado por seu filho, Charles III.

Demograficamente, politicamente e religiosamente, a Grã-Bretanha mudaria ao longo das décadas seguintes, exigindo que a monarquia se ajustasse e se adaptasse para acomodar tais mudanças.

As coroações desses reis simbolizam mais do que um mero espetáculo: são uma declaração da intenção dos novos monarcas do Reino Unido no momento em que se transformam de herdeiros em soberanos.

Para George IV, dinheiro não foi problema para a realização da cerimônia perfeita de coroação, a fim de estabelecer sua posição como um dos monarcas mais poderosos da Europa.

Para Charles III, a coroação virou uma oportunidade de mostrar como a monarquia pode manter a tradição e o esplendor, sem parecer ignorar as questões econômicas atuais no Reino Unido.

Monarcas do Reino Unido sob os olhos do público

Tanto George IV quanto Charles III passaram longas décadas de espera, com todos os seus movimentos examinados pela imprensa e pelo público britânico.

Enquanto era Príncipe de Gales, George IV protagonizou inúmeros episódios que foram discutidos nos tablóides.

Seu casamento em 1795 com a prima, Caroline Brunswick-Wolfenbüttel, foi entusiasticamente recebido pela imprensa e pelo público britânicos, ansioso por uma nova figura real e a promessa de futuros herdeiros.

No entanto, o casal se separou formalmente logo após o nascimento da única filho, a princesa Charlotte, em 1796.

Da mesma forma, o casamento do príncipe Charles com Lady Diana Spencer em 1981 foi comemorado não só no Reino Unido como em todo o mundo.

Mas quando o casal se divorciou 15 anos depois, detalhes privados do casamento e dos casos extraconjugais foram expostos pela imprensa global.

O infeliz casamento de George IV e da Princesa Caroline também foi um tema de discussão ávida nos jornais britânicos. Imediatamente após sua ascensão ao trono, Jorge IV buscou um divórcio legal , sob a alegação de adultério.

Caroline tinha deixado a Grã-Bretanha em 1814. O suposto relacionamento com seu secretário italiano fora amplamente discutido pelo público britânico, mas quando George IV tentou usar essas informações para garantir um divórcio, sua hipocrisia foi ridicularizada.

Casamentos conturbados não eram novidade para a monarquia britânica, mas a exposição pública das mazelas dos casamentos de George IV e Charles III geraram para cada um deles uma imagem pública bem diferente de seu antecessor.

Enquanto os casamentos de George IV e Charles III se romperam publicamente, os casamentos de seus antecessores foram celebrados como símbolos de estabilidade e moralidade, elementos-chave da monarquia britânica na era moderna.

O momento culminante

George IV não tinha a intenção de imitar a imagem de seu pai. A começar pelo evento extravagante de sua coroação, que custou 20 vezes mais do que a de George III.

Um diadema de diamante no valor de £ 8.216 (equivalente a cerca de 800 mil libras em 2023) foi especialmente encomendado para a ocasião. O manto de 7 metros de comprimento tinha o objetivo de ofuscar o usado pelo imperador Napoleão em 1804.

Talvez na opinião dele o melhor investimento tenha sido na segurança: a esposa distante (e não convidada), Caroline, foi barrada às portas da Abadia de Westminster.

A extravagância da coroação de George IV contrasta com o desejo relatado por Charles III por uma coroação menor e mais barata. Esse contraste nas abordagens reflete a perspectiva de cada rei e a relação de cada época entre a monarquia e o público britânico.

A coroação de George IV foi o anúncio de que a monarquia britânica seria novamente um centro de luxo e esplendor, ao contrário do reinado mais sóbrio de seu pai.

Charles III, em vez disso, planejou uma cerimônia de coroação menos elaborada do que a de sua mãe.

Essa decisão tem relação com as questões financeiras atuais no Reino Unido. Uma coroação mais sofisticada seria considerada fora de contexto e possivelmente provocaria críticas à monarquia como instituição.

Uma coroação exagerada ao estilo da de George IV não se encaixaria na imagem pública da monarquia que vem sendo construída desde a rainha Vitória, quando a Família Real passou a investir na associação com instituições de caridade para se aproximar dos súditos.

Os planos mais simples da coroação de Charles III apontam para um monarca que está interessado em mostrar que ele e a monarquia podem se adaptar ao clima econômico e social contemporâneo do Reino Unido.

Apesar das diferentes abordagens, tanto para George IV quanto para Charles III, a cerimônia de coroação representa um marco para sair da sombra de seu antecessor e fazer uma declaração clara sobre suas intenções pessoais para a monarquia.


por Natalee Garret, doutora em História Moderna pela Universidade de St Andrews e especializada em história europeia do século XVIII, com foco na cultura popular e questões de identidade. A autora desenvolve pesquisas sobre a monarquia britânica no século 18 e está escrevendo uma biografia da rainha Charlotte. 

Este artigo foi publicado originalmente no Portal The Conversation e republicado sob uma licença Creative Commons.