Londres – A publicação – obrigatória – do relatório anual de despesas da família real britânica custeadas com dinheiro dos contribuintes, divulgado nesta quinta-feira, virou mais um problema para a reputação da realeza e está sendo aproveitada pelo grupo Republic como argumento para defender o fim do regime.
Apesar de afirmar que cada contribuinte paga apenas £ 1,29 (R$ 7,7 reais) para manter palácios, viagens e a vida privilegiada dos chamados ‘membros sêniores’, o relatório revelou que as despesas do Palácio de Buckingham cresceram mais de 5 milhões de libras (R$ 30 milhões) em um ano, principalmente devido aos funerais da rainha Elizabeth II e preparativos para a coroação de Charles III, totalizando 105,5 milhões de libras (R$ 643 milhões) – e quebrando o teto de 100 milhões de libras pela primeira vez.
O chamado Sovereign Grant, percentual de 25% da renda gerada pelo patrimônio da Coroa ( o Crown Estate) destinado a custear as despesas, manteve-se nos mesmos 86,3 milhões de libras (R$ 527 milhões) do ano anterior. O rei Charles pagou do bolso a diferença entre os recursos do fundo e o que foi efetivamente gasto.
Como são bancadas as despesas da família real
O Crown Estate é avaliado em quase 8 bilhões (R$ 49 bilhões), com propriedades nos lugares mais valorizados de Londres e em outras partes do Reino Unido, que rendem receitas de aluguel e negócios como fazendas eólicas. Historicamente, o retorno para o fundo que financia as despesas da família real era de 15%, mas subiu para 25% em 2017, com aprovação do Parlamento.
Mesmo com a conta baixa para cada contribuinte individualmente, o grupo Republic e usuários das redes sociais ridicularizaram a informação destacada no relatório que o aquecimento foi reduzido nos cômodos nas ‘mais de duas dúzias’ de residências reais para diminuir os gastos – 19º se o ambiente estivesse ocupado por alguém e 16º se estivesse vazio.
O grupo criticou o aumento a conta paga pelos súditos em plena crise de custo de vida no país. No inverno, pessoas que não tinham dinheiro para pagar a conta do gás tinham que passar o dia em abrigos públicos, escolas e bibliotecas, enquanto até quartos vazios da realeza estavam habitáveis.
Graham Smith, presidente do Republic, acha que o custo para o contribuinte pode ser mais alto: 345 milhões de libras (R$ 2,1 bilhões), quantia suficiente para pagar 13 mil enfermeiros ou professores. Os valores do relatório não incluem, por exemplo, custos com segurança, que são astronômicos.
Eles incluem a segurança das residências reais e de cada deslocamento de seus membros, incluindo alguns que não têm atividades oficiais mas são vulneráveis a ataques.
Relatório expõe fraquezas da família real em diversidade e proteção ambiental
Além das despesas, o relatório do Sovereign Grant também expõe a distância entre o discurso e a prática da família real britânica em questões contemporâneas como diversidade e proteção do meio ambiente, bandeira histórica do rei Charles III, famoso por conversar com árvores.
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O documento admite que a meta de 10% de funcionários integrantes de minorias étnicas não foi atingida pelo terceiro ano consecutivo, permanecendo em 9,7%. O objetivo já era modesto considerando que boa parte da equipe de trabalho está em Londres, cidade em que os “brancos britânicos” representam apenas 36,8% da população, segundo o censo de 2021.
A porcentagem de funcionários de minorias étnicas nas famílias reais foi publicada pela primeira vez em 2021, após as acusações de racismo feitas pelo príncipe Harry e sua mulher, Meghan Markle, na lendária entrevista com a apresentadora americana Oprah Winfrey. Mas a julgar pelos resultado deste ano, não houve muito avanço.
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E melhorias vão devem ser esperadas para 2023 ou 2024. O relatório se compromete a atingir 14% de profissionais de minorias étnicas – percentual ainda abaixo do total do país, que é de 18% – apenas em 2025.
O registro das viagens é ainda pior para a imagem a monarquia, que tenta se posicionar como defensora do meio ambiente, causa a que o rei Charles sempre esteve associado.
O príncipe William seguiu os passos do pai e lidera a iniciativa Earthshot, que premia ações de defesa do planeta – desde que não afetem o conforto das viagens da família real.
É o que se depreende da quantidade de deslocamentos em poluentes jatinhos e helicópteros. Membros da realeza, incluindo William, fizeram 179 viagens de helicóptero e 65 voos fretados no ano passado, embora o rei Charles tenha se comprometido a reduzir as emissões de carbono.
Além de poluentes, elas custaram caro.
Antes de se tornar rei, uma viagem do então príncipe Charles a Ruanda, para onde o governo britânico quer enviar imigrantes ilegais que aguardam tramitação de pedidos de asilo, custou 187 mil de libras (R$ 1,1 milhão).
Depois de assumir o trono, o rei gastou 146 milhões de libras (R$ 895 mil) para visitar a Alemanha, seu primeiro compromisso diplomático como monarca.
Maior despesa é com folha de pagamento
Veja os principais pontos do relatório:
- O aumento de custos no ano fiscal (março de 2022 a março de 2023) foi atribuído principalmente a despesas relativas ao funeral da rainha Elizabeth, à transição para o novo rei (a coroação de Charles não está incluída na conta), ao aumento da inflação do país e às obras no Palácio de Buckingham.
- A despedida de Elizabeth II custou 3,2 milhões de libras (R$ 19,6 milhões)
- As obras no Palácio demandaram despesas de 34,5 milhões de libras (R$ 217 milhões) em 2022. O projeto, previsto para durar dez anos, custará ao todo 369 milhões de libras. O rei e a rainha Camilla não moram lá
- Visitas aos palácios reais renderam apenas 9,8 milhões de libras (R$ 60 milhões) em um ano
- Cerca de 500 funcionários foram pagos com o subsídio, justificando o apelido de “firma” da família real. A folha de pagamento totaliza 3,4 mlhões de libras (R$ 20,8 milhões).
- Mais de 95.000 convidados compareceram a 330 eventos nas residências reais
- A casa onde Harry e Meghan moravam, Frogmore, foi devolvida à Coroa. O relatório colocou fim a especulações sobre se eles devolveriam a residência
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Pagar a diferença entre o que foi gasto e o que a Coroa vai receber do Sovereign Fund não deve ser uma preocupação para o rei Charles II. Ele recebe recursos de um conjunto de propriedades do Ducado de Lancaster, avaliadas em mais de 650 milhões de libras e gerando 20 milhões por ano em lucros.
O príncipe William, por sua vez, é beneficiário do Ducado da Cornualha, que tem terras somando 1 bilhão de libras rendendo lucro de 24 milhões em um ano.
Os membros da realeza não podem vender as propriedades, mas acumulam a riqueza gerada por elas e podem gastar os rendimentos como quiserem, o que os torna vulneráveis a críticas sobre o custo-beneficio de manter a monarquia e sobre a transparência.
A mais recente pesquisa de opinião do Instituto YouGov, publicada na semana passada, constatou que o índice de aprovação da monarquia como instituição (diferença entre o número de pessoas que dizem ter visão positiva e negativa) é agora de 25 pontos.
Embora mais alto do que antes da coroação de Charles III, quando alcançou 19 pontos, ainda é bem mais baixo do que em setembro de 2022, sob Elizabeth II: 44 pontos.
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