Londres – Poucos países mudaram tanto desde a COP26 como o Reino Unido nesta COP27, em que ele não brilhou no palco das mudanças climáticas como em 2021.

O país perdeu sua rainha, tem o terceiro primeiro-ministro em menos de um ano e entrou em recessão. Como tudo por aqui, a COP27 também foi marcada por confusões, a começar pela representação do país.

Uma das excentricidades atribuídas ao rei Charles é a fama de conversar com árvores. O que era visto como esquisitice virou atestado de que o monarca era ambientalista antes de isso virar moda ou obrigação.

Em seu aniversário de 74 anos, que acontece eu no meio da conferência, o Palácio divulgou uma foto do monarca sob uma árvore, alimentando sua imagem de defensor do meio ambiente. 

O texto anuncia que o rei estava se tornando um guarda-parque do Windsor Great Park. 

Seria perfeito um rei ‘verde’ na cúpula para promover o país precisando de um reforço em sua imagem, certo? Errado. Pelo menos para a breve primeira-ministra Liz Truss.

Em seis semanas no cargo, ela cometeu erros econômicos, políticos e ambientais. Um deles foi o de vetar a ida do rei ao Egito, uma prerrogativa do chefe de governo.

O motivo pode ter sido uma de suas medidas polêmicas: a liberação do fracking, terror dos defensores do meio ambiente, que poderia provocar constrangimentos para o rei.

Quando ela caiu, o sucessor fez pior. Embora tenha voltado atrás e mantido o banimento do fracking, Rishi Sunak sustentou a ‘recomendação’ de Charles não ir a COP27 – e disse que ele próprio não iria.

Mas recuou e decidiu viajar depois que o esperto Boris Johnson aproveitou o vácuo e disse que estaria na COP27.

No entanto, a presença dos dois não ajudou a restaurar a desgastada imagem do governo em questões ambientais.

A mídia criticou o discurso oficial de quatro minutos de Sunak, pelo ‘nada’ que disse. Já Johnson preferiu o sincericídio: na COP27, chocou ao admitir que o país poluiu muito, mas que não tinha condições de ajudar as nações pobres afetadas pelas mudanças climáticas.

Parece insensível, mas a opinião dele está em linha com o que pensam muitos britânicos. Uma pesquisa do YouGov revelou que só um terço da população (34%) acha que as mudanças climáticas devem ser tratadas como prioridade para receber investimentos.

E sete em cada dez britânicos (70%) duvidavam de progresso significativo a partir da cúpula.

Nesse contexto, os protestos do grupo Just Stop Oil são vistos com reservas por eleitores que discordam de fechamento de ruas e ataques a obras de arte.

Mas é inegável que tais atos têm o seu valor, deixando o governo e os policiais imprensados entre a necessidade de conter os protestos e o risco de serem acusados de repressores e, pior, coniventes com os poluidores.

Mesmo com a crise econômica, a concorrência com outros eventos globais e as confusões das autoridades de plantão, a COP27 recebeu muita atenção da imprensa do Reino Unido, talvez pelo fato de o país ter sediado a cúpula em 2021.

Ou pela influência do The Guardian, fortemente engajado na questão das mudanças climáticas. Isso pode ter contribuído para que os concorrentes mantivessem o tema em pauta.

O Guardian é um dos fundadores da coalizão Covering Climate Now e liderou durante a COP27 a iniciativa de um editorial conjunto divulgado simultaneamente por publicações de mais de 20 países.

O texto cobrava um imposto sobre combustíveis fósseis e um fundo de ajuda financeira às nações mais pobres.

O Reino Unido assinou o acordo de perdas e danos causados pelas mudanças climáticas durante a COP27. 

Mas isso não servirá para afastar os fantasmas que rondam o governo de um país dependente de combustíveis fósseis. E que precisa equilibrar cobranças de ativistas e da imprensa com expectativas de seus eleitores.

O rei Charles deve estar rindo muito ao conversar com as árvores, pois acabou ficando longe da confusão.


Este artigo faz parte do MediaTalks Especial COP27.