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Comitê internacional liderado por jornalista Nobel da Paz vai criar regras para uso da IA no jornalismo 

Maria Ressa, jornalista detentora do Nobel da Paz

Maria Ressa, em conferencia virtual Skoll (reprodução)

Londres – Um comitê internacional formado por jornalistas, acadêmicos e representantes de organizações de imprensa vai desenvolver o primeiro código de princípios, direitos e obrigações para o uso da inteligência artificial (IA) no jornalismo.

A iniciativa, anunciada nesta sexta-feira (28), partiu da organização Repórteres Sem Fronteiras. O comitê será liderado pela filipina Maria Ressa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2021 junto com o jornalista russo Dmitry Muratov

O grupo é composto por 21 membros de 13 países, e deve finalizar a proposta de um código de conduta até o fim deste ano. 

Jornalismo já usava IA antes do ChatGPT

Embora recursos de inteligência artificial não sejam novos no jornalismo – há vários anos empresas jornalísticas já utilizam ferramentas baseadas em IA para resumir resultados de eleições, por exemplo – o lançamento do ChatGPT inaugurou uma nova era. 

Ferramentas de IA generativa estão agora ao alcance de redações de todos os tamanhos – e não apenas das maiores e mais capacitadas a fazer grandes investimentos em tecnologia. No entanto, experiências iniciais já levaram a resultados mostrando riscos de gerar conteúdo impreciso. 

O jornalismo é afetado ainda pela proliferação de fake news em forma escrita e visual, que pode acabar levando a imprensa a cometer erros ao basear suas reportagens em imagens ou conteúdo falsos gerados por IA. 

Na apresentação da iniciativa, a Repórteres Sem Fronteiras abordou os riscos: 

A IA transformará radicalmente o mundo do jornalismo. Como garantir o direito à informação confiável quando a maioria dos textos e imagens serão gerados por IA?

Como podemos garantir a independência editorial se modelos de linguagem proprietária forem adotados ​​pelas redações para sugerir, revisar ou mesmo escrever artigos?

Como podemos evitar a fragmentação do ecossistema de informações em uma infinidade de bolhas alimentadas por algoritmos de recomendação?

Comitê vai priorizar ética no uso da inteligência artificial 

A organização salientou que em todo o mundo, grupos de mídia estão publicando suas próprias diretrizes para orientar o uso da inteligência artificial. O britânico The Guardian anunciou o seu nesta semana. 

No entanto, dado o imenso incentivo econômico para explorar a IA para ganhos de produtividade e audiência, não há incentivo para adotar uma abordagem cautelosa e racional em relação à integridade da informação, aponta a RSF. 

“É por isso que o comitê desenvolverá os princípios fundamentais da ética compartilhada na mídia na era da IA”, diz a entidade. 

Christopher Deloire, secretário-geral da RSF, defendeu a ideia de um compromisso global coletivo ancorado em princípios sólidos, para defender a ética do jornalismo e aproveitar a IA para preservar o direito à informação: 

“Acreditamos que o código a ser elaborado sob a liderança de Maria Ressa e com a contribuição de um comitê composto por especialistas relevantes se tornará uma forte referência internacional.”

Maria Ressa alerta para riscos da IA sem controle 

Maria Ressa tem se manifestado contra o excesso de poder das mídias digitais e seus efeitos sobre a democracia. Recentemente, ela passou também a expressar preocupação com o impacto da inteligência artificial generativa. 

Em uma entrevista em junho para o jornal The Straits Times de Singapura, onde esteve para participar de uma conferência de mídia, Ressa disse acreditar que a IA ” está ampliando exponencialmente o medo, a raiva e o ódio que as mídias sociais promoveram”: 

“A nova geração de IA – chatbots como o ChatGPT, criado pela OpenAI, financiada pela Microsoft, e o Bard do Google – espalharão mentiras ainda mais rápido, de forma mais ampla e mais invasiva se forem “lançadas na natureza” sem grades de proteção.”

A jornalista lembrou que o próprio Sam Altman, CEO da OpenIA, empresa dona do ChatGPT, defendeu regulamentação para a tecnologia. 

Veja o grupo que vai criar o código para a IA no jornalismo 

O comitê reúne integrantes de várias áreas de atividade. Apenas um membro é da América Latina, a presidente do Fórum Mundial de Editores da Associação Mundial de Editores de Notícias, Martha Ramos, do México.

  • Maria Ressa (presidente), ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2021, jornalista e fundadora do site  Rappler, Filipinas
  • Charlie Beckett, Professor do Departamento de Mídia e Comunicações da London School of Economics, Reino Unido
  • Emily Bell, professora da Columbia School of Journalism e diretora do Tow Center for Digital Journalism, EUA 
  • Veysel Binbay, Diretor de Tecnologia da Asian Broadcasting Union (ABU), Malásia
  • Lisa Campbell, Diretora de Comunicações da Independent Television Network (ITN), Reino Unido 
  • Camille François, Professora, Columbia University School of International and Public Affairs, França
  • Jodie Ginsberg, Presidente do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), EUA 
  • Ruth Kronenburg, Diretora Executiva da Free Press Unlimited, Holanda
  • Gary Marcus, professor emérito de psicologia e neurociência na Universidade de Nova York, autor e empresário (EUA)
  • Frane Maroevic, Diretora Executiva do International Press Institute (IPI), Áustria
  • Mira Milosevic, Diretora Executiva do Global Forum for Media Development (GFMD), Sérvia 
  • Tabani Moyo, Convocadora do IFEX, Diretora Regional do Media Institute of Southern Africa (MISA). Zimbabwe
  • Bruno Patino, presidente do canal franco-alemão Arte, França
  • Paul Radu, co-fundador do Projeto de Reportagens sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), Romênia
  • Martha Ramos, Presidente do Fórum Mundial de Editores da Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA), México
  • Gerard Ryle, Diretor do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), Irlanda
  • Stuart Russell, professor de Ciência da Computação na Universidade da Califórnia, Berkeley e fundador do Center for Human-Compatible AI (CHAI), EUA
  • Eric Scherer, Presidente do Comitê de Notícias da European Broadcasting Union (EBU) e Diretor de Notícias MediaLab e Assuntos Internacionais da France Télévision, (França
  • Anya Schiffrin, Diretora da Especialização em Tecnologia, Mídia e Comunicações da Columbia University, EUA 
  • Wairagala Wakabi, Diretor Executivo da Colaboração em Política Internacional de TIC na África Oriental e Austral (CIPESA), Uganda
  • Aidan White, fundador da Ethical Journalism Network (EJN) e ex-secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), Reino Unido

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