Londres – A frase “a verdade é a primeira vítima da guerra”, cuja autoria é motivo de controvérsia, está mais uma vez se demonstrando apropriada nos combates que completam uma semana em Gaza e em Israel, em um ambiente marcado pela desinformação.
Só que desta vez em um momento ainda mais favorável para a proliferação de fake news e desinformação do que no início da guerra da Ucrânia ou nos tempos ancestrais em que a frase teria sido cunhada.
Se ela realmente vem dos tempos de Ésquilo, não havia então a inteligência artificial generativa, instrumento para a criação de imagens falsas que incendeiam ainda mais os ânimos.
Twitter e a desinformação em Gaza
Nem o Twitter, plataforma importante para notícias e temas políticos, que pertence agora a uma influente figura com quase 160 milhões de seguidores.
Seu dono, Elon Musk, recomendou canais conhecidos pouco confiáveis como fontes sobre o que se passa no Oriente Médio.
No domingo, enquanto a mídia internacional despachava para a região experientes correspondentes e alocava seus melhores profissionais locais para informar o público, Musk desprezou o jornalismo confiável e recomendou duas contas, @WarMonitors e @sentdefender. “São boas”, disse.
Ele também sugeriu aos seguidores acompanharem fontes no campo, em linha com sua defesa do jornalismo-cidadão como “salvação do mundo”.
O jornalismo-cidadão tem seu valor, como demonstrado na crise da Covid-19 na China e em tantas comunidades pelo mundo.
Muito do que se soube da pandemia deve-se ao trabalho corajoso de profissionais como Zhang Zhan, condenada por ter transmitido notícias de Wuhan pelo YouTube.
Musk recomenda contas suspeitas no Twitter/X
Mas não é esse o espírito de Musk. Ele também poderia recomendar fontes no terreno entre as grandes redes internacionais, não apenas norte-americanas ou britânicas, que estão cobrindo os acontecimentos em Gaza.
Ou contas de ONGs de direitos humanos. Mas o que ele fez foi recomendar uma conta no Twitter que há um ano elogiou o antissemita Kanye West e afirmou que “a maioria das pessoas na mídia e nos bancos são sionistas”.
O outro canal sugerido pelo dono do X/Twitter foi tachado de “extremamente venenoso” por um pesquisador do Atlantic Digital Forensics Research Lab.
Essas duas contas são as mesmas que em maio compartilharam uma imagem gerada por IA mostrando uma falsa explosão perto do prédio do Pentágono, provocando queda nas bolsas de valores.
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Musk apagou o post com as dicas de onde se informar sobre o conflito em Gaza depois de criticado − coisa rara −, mas ainda assim elas foram vistas por milhões de pessoas, endossando gente conhecida por promover o discurso de ódio e desinformação em um momento crítico da história em que verdade e ponderação fazem parte da solução.
A escalada da violência em Gaza virou também laboratório para o lado sombrio da IA generativa.
Alex Mahadevan, diretor do MediaWise, projeto de alfabetização midiática do Poynter Institute, disse que a desinformação em torno dos conflitos em Gaza é “galopante”.
“Dilúvio” de desinformação na guerra
Shayan Sardazadeh, jornalista de verificação de fatos da BBC, fez uma thread no Twitter/X mostrando vários exemplos de vídeos e imagens falsas sobre a guerra na plataforma de Musk.
A maioria não tem nada a ver com o conflito. Há até fotos de videogames de guerra associadas aos combates reais. Sardarizadeh afirmou haver “um dilúvio” de desinformação sobre Gaza nas redes.
A enxurrada inclui a conta de “Verona Mark”, uma falsa repórter da BBC, na qual foram postados vídeos e fotos manipuladas ou de outras situações que nada têm a ver com o conflito atual.
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O especialista do Poynter Institute recomenda passos para conferir a veracidade de um post.
“Quem está por trás das informações? Qual a evidência? O que dizem outras fontes?”.
Ele sugere ainda fazer a pesquisa reversa das imagens e observar detalhes como marcas d’água e excesso de dedos.
Mas quantos têm tem tempo ou habilidade para tal?
Alex Mahadevan levanta a hipótese de evitar as redes sociais como forma de não se expor à desinformação − algo que para muitos nem é possível, por motivos profissionais.
A outra possibilidade é a responsabilização das plataformas, que sabem onde a desinformação está e talvez não estejam atentando para a extensão dos danos que ela causa, em guerras ou na paz.
É o que a União Europeia está tentando fazer, ao chamar as Big Techs à responsabilidade sob a nova lei de serviços digitais do bloco.
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