Milão – Nos últimos dois anos, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia foi destaque na mídia da Itália, fazendo com que a instabilidade econômica e o martírio da população ucraniana deixassem em segundo plano outros temas, como a crise do clima.

Os preparativos para a COP28 seriam uma oportunidade para a cobertura ambiental ganhar mais espaço, até que em 7 de outubro houve o ataque do Hamas a Israel.

Mas a crise do clima é tão importante que até as guerras têm sido motivo para falar dela na Itália. 

Mídia da Itália e a informação sobre a crise do clima

“Perdemos visibilidade com as guerras, mas nem tanto”, ameniza Edoardo Vigna, editor do Planeta 2030, do Corriere della Sera.

“A guerra na Ucrânia influiu para que tratássemos a questão do ponto de vista energético, ainda que tenhamos sido levados a reduzir espaço para pesquisas, análises e soluções”, diz o editor do caderno, criado há quatro anos para acompanhar a crise das mudanças climáticas.

Capa de uma edição do Planeta 2030 do Corriere della Sera que pauta matéria sobre a crise climática

O Planeta 2030 é cuidadoso com o excesso de termos técnicos e usa recursos visuais para facilitar a compreensão, como explica Vigna.

“Nossos textos são diretos e fáceis de entender. Também exploramos histórias em quadrinhos, infográficos e fotos que ilustram a beleza da natureza e o descaso com o meio ambiente”.

Relatório Eco Media mostra quantidade de artigos sobre o clima

Blogs, contas no Instagram e no TikTok, programas de rádio, TV e canais na internet somam-se aos cadernos dos tradicionais jornais italianos.

Mas a realidade é que a informação ambiental ainda tende a ter um papel marginal na imprensa do país e é dependente de acontecimentos extremos.

É o que mostra o “Relatório Eco Media 2022″, produzido pelo Instituto italiano Pentápolis Ets, em colaboração com o Instituto de Formação em Jornalismo de Urbino.

O estudo apurou que no segundo quadrimestre de 2022 os principais jornais italianos publicaram em média três artigos por dia sobre o tema.

Houve um pico de visibilidade entre julho e setembro, quando ocorreram alguns desastres ambientais, como as enchentes na região de Marche e a avalanche da maior geleira dos Alpes Italianos, a Marmolada.

Completando a “tempestade perfeita”, aconteceram no período a grave crise hídrica e as fortes ondas de calor durante o verão. Esses picos confirmam que o interesse da mídia sobre as mudanças climáticas segue um ritmo instável na Itália.

A inconstância está relacionada às prioridades do governo vigente ou mesmo aos pactos entre os setores público e privado.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, tem dispensado mais atenção à crise migratória que afeta o país do que às prioridades do clima.

“A nossa sorte é que a União Europeia dita leis para proteção do meio ambiente que devem ser adotadas e respeitadas pelos países membros”, observa Laila Bonazzi, jornalista e estrategista de comunicação na área de sustentabilidade.

O efeito colateral de ataques a monumentos

Na Itália, o alarmismo ambiental nem sempre tem ajudado a conscientizar sobre os riscos ao futuro do planeta. Por vezes, o resultado é o oposto.

“Algumas iniciativas de grupos de jovens ativistas, como o Fridays for Future, são questionadas principalmente quando danificam monumentos e obras de arte”, comenta a jornalista Laila Bonazzi. 

Um exemplo foi o ato que tingiu a Fontana de Trevi, em Roma, de negro. 

Em maio, manifestantes do grupo Last Generation, tingiram de preto as águas da Fontana di Trevi, em Roma
Manifestantes tingiram as águas da Fontana di Trevi de preto (Foto: Instagram Last Generation)

“Minha sensação é que tais ações levam as pessoas a se desinteressarem pela causa”.

Os jornalistas se dividem na avaliação da eficácia das ações e defendem equilíbrio entre boas e más notícias.

“Entende-se que para aproximar o leitor menos interessado é necessário mostrar as possíveis consequências e as catástrofes, deixando claro que é urgente encontrar uma solução”, avalia a jornalista.

O chamamento do Papa à “conversão ecológica”

Qual o poder das celebridades globais na mobilização de pessoas comuns, líderes políticos e das empresas para o combate às mudanças climáticas e mitigação de seus efeitos?

O Papa Francisco acredita nesse poder, e se tornou o primeiro pontífice da história a confirmar que participaria de uma conferência do clima da ONU.

Infelizmente para a causa ambiental, sua saúde frágil o obrigou a cancelar a viagem, que certamente amplificaria o impacto de suas manifestações sobre a crise climática.

A mais recente foi um documento publicado em outubro, intitulado Laudete Deum, no qual ele pede a todas as pessoas de boa vontade uma “conversão ecológica”. O chamamento é para que reconheçam o planeta “como um dom recebido do Pai”.

No dia em que deveria falar em Dubai, o pontífice usou sua conta no Twitter/X para cobrar dos estrategistas o foco no bem comum e na juventude, e não nos interesses de “certos países e negócios”, mostrando “nobreza na política”.

A intenção do Papa de participar da COP28 foi bem recebida na Itália e vista como positiva pelos jornalistas que cobrem a Santa Sé, entre eles o vaticanista Iacopo Scaramuzzi, que trabalha no jornal La Repubblica e acompanha os acontecimentos no Vaticano há mais de 20 anos.

Iacopo Scaramuzzi, Vaticanista do La Repubblica fala sobre o Papa Francisco e sua visão sobre as mudanças climáticas
Iacopo Scaramuzzi, vaticanista do La Repubblica
Surpresa, mas nem tanto

“Desde o início do seu papado, Jorge Mario Bergoglio investiu muita energia em causas sociais. A mudança climática é uma delas. Ao contrário dos seus antecessores, ele usa sua influência para atrair a atenção não só dos fiéis, mas de toda a audiência global para as questões ambientais.”

O Papa e o clima

“O interessante é que o Papa Francisco foi estabelecendo um vínculo com as questões ambientais ao longo dos anos com muita sutileza.

Durante a COP21, realizada em Paris, em 2015, ele fez questão de marcar posição telefonando à então Ministra do Ambiente, Ségolène Royal, que presidia a conferência.

Em 2021, a Santa Sé organizou o encontro “Fé e Ciência: rumo à COP26″, marcada para Glasgow. Com a participação de cientistas e líderes religiosos, foram discutidas soluções para a redução das emissões de carbono e formas de ajudar os países pobres a alcançá-las.”

Autoridade moral

“Vale lembrar que nem o Papa e nem a Igreja Católica têm poder político como antigamente. São hoje em dia autoridades morais.

Mas o que importa é que suas palavras são ouvidas e recebidas com muita atenção. E não digo apenas pelos católicos. Quando ele aborda um assunto delicado, sabe que vai gerar um interesse global da mídia.

Não o vejo como um ecologista ou ativista, mas como uma autoridade que se preocupa com o nosso destino, com o da natureza e também com as consequências sociais que teremos de enfrentar. Com certeza, ele mobiliza e nos faz refletir.”


Edição especial MediaTalks COP28

Este artigo faz parte de um relatório especial analisando as repercussões da COP28, jornalismo ambiental, ativismo e percepções da sociedade sobre as mudanças climáticas.

Leia aqui a edição completa.