O agravamento do assédio contra jornalistas, possíveis reformas legais para criminalizar o trabalho de informar e o aumento da autocensura estão entre as possíveis consequências da reeleição de Nayib Bukele nas eleições presidenciais de El Salvador , realizadas em 4 de fevereiro, dizem jornalistas e organizações internacionais de defesa da liberdade expressão.
Bukele foi reeleito com ampla vantagem para o seu segundo mandato consecutivo na presidência, apesar de vários analistas afirmarem que a reeleição foi inconstitucional.
“Nós jornalistas, não descartamos que este seja o início da ditadura, o fim de uma democracia fraca, de um governante que foi eleito em 2019 por meios democráticos, mas que instalou um processo autocrático”, disse Angélica Cárcamo, presidente da Associação de Jornalistas de El Salvador (APES) à LatAm Journalism Review (LJR).
Reeleição de Bukele x liberdade de expressão
O processo eleitoral evidenciou a deterioração das condições para o exercício do jornalismo e das garantias à liberdade de expressão, de acordo com algumas organizações.
As organizações Artigo 19 México e América Central, Protection International Mesoamérica, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Fundação para a Liberdade de Imprensa da Colômbia (FLIP), Free Press Unlimited, Fundamedios, Vozes do Sul e o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), publicaram uma declaração conjunta após o anúncio dos resultados preliminares das eleições, no dia 6 de fevereiro.
“Diante do novo período de governo que se inicia em El Salvador, as organizações e redes que assinam esta declaração fazem um chamado para o estabelecimento das condições e garantias necessárias para que os jornalistas possam realizar o seu trabalho, os cidadãos sejam informados e o papel da mídia no fortalecimento da democracia seja reconhecido”.
No entanto, jornalistas salvadorenhos temem que o segundo mandato de Bukele produza exatamente o oposto.
“É muito provável que Bukele, se sentir que está perdendo popularidade, invista contra os meios de comunicação independentes que continuam a resistir, que haja medidas ou reformas legais que possam criminalizar o trabalho jornalístico com maior peso”, disse Cárcamo.
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Ataques contra jornalistas em El Salvador
Durante o dia das eleições, a APES registrou pelo menos 173 ataques contra profissionais da imprensa, incluindo restrição do acesso de jornalistas aos locais de votação, intimidação, assédio e declarações negativas por parte de autoridades públicas.
Segundo um relatório da associação, os principais responsáveis pelos ataques foram agentes de segurança, membros de juntas eleitorais, seguidores de partidos políticos, entre outros responsáveis.
Dos 173 ataques, 65 foram contra jornalistas do sexo masculino, 39 contra jornalistas do sexo feminino, 36 contra veículos da imprensa, seis contra membros da APES e 27 contra outros membros e grupos de imprensa não identificados. Os locais com mais incidentes foram San Salvador, Usulután, Morazán e San Miguel.
Além disso, o escritor Carlos Bucio Borja foi preso após ler em voz alta em um local de votação os artigos da Constituição de El Salvador que proíbem a reeleição de presidentes.
Várias organizações consideraram a prisão como uma violação da sua liberdade de expressão. Borja, acusado de desordem pública, foi solto em 7 de fevereiro depois de 72 horas no centro de detenção de San Salvador conhecido como “El Penalito”.
“O escritor Carlos Bucio foi preso em um centro de votação por ler a Constituição que Bukele violou ao se reeleger presidente. As autoridades não forneceram informações sobre sua captura. Exigimos sua libertação imediata”, escreveu na rede social X, a diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch, Juanita Goebertus.
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Na noite do dia das eleições, Bukele aproveitou o seu discurso perante milhares de apoiadores reunidos em frente ao Palácio Nacional para atacar a imprensa e quem o critica.
Ele também criticou correspondentes e enviados internacionais e organizações como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e as Nações Unidas.
“Ficou claro para mim depois de seu discurso: o próximo inimigo prioritário a ser destruído por Bukele será a imprensa independente”, escreveu o jornalista Óscar Martínez, editor-chefe do El Faro, meio de investigação jornalística digital independente que em 2023 foi forçado a mudar sua sede para a Costa Rica após assédio contínuo e vários casos relatados de espionagem contra ele.
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Bukele declara regime de exceção em 2022
O regime de emergência declarado por Bukele em 27 de março de 2022 como parte de uma série de medidas de combate às gangues, e que foi prorrogado indefinidamente, levou a violações sistemáticas dos direitos humanos, acusaram organizações como a Anistia Internacional.
Segundo Cárcamo, para a APES, o regime de exceção tem representado abusos de poder e maiores restrições à prática jornalística, especialmente por parte de militares e agentes da Polícia Nacional Civil, cuja presença nas ruas tem aumentado em decorrência do dispositivo legal.
“Estes soldados têm cada vez mais poder e autoridade para tomar decisões que não lhes dizem respeito. A associação tem relatado casos de restrições à prática jornalística por parte destas pessoas que ameaçam jornalistas se fizerem coberturas do lado de fora das prisões ou mesmo por coisas tão risíveis como tirar fotografias da construção de um hospital”, disse Cárcamo.
“Eles ameaçam apagar as imagens e vídeos, fazem buscas nos celulares pessoais. O abuso de poder é algo que estas forças estão tornando mais constante e natural, e ninguém, pelo menos no Estado, está tentando impedir isso”.
Em 2022, o jornalista de uma rádio comunitária digital Víctor Barahona foi preso acusado de “colaborar com gangues” e permaneceu por mais de 11 meses em uma prisão, onde diz ter sofrido torturas.
A APES então informou que a prisão de Barahona ocorreu em condições irregulares e ele foi libertado sem qualquer documento de liberação.
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Regime de emergência em El Salvador
Um mês após a decretação do regime de emergência, em abril de 2022, a Assembleia Legislativa salvadorenha aprovou reformas na Lei de Proibição de Gangues, que puniu quem espalhasse mensagens relacionadas a gangues com penas de 10 a 15 anos de prisão.
Estas alterações, que foram parcialmente revogadas em novembro de 2023, foram descritas pela APES como “reformas da mordaça”.
“Durante todo o tempo em que essa reforma esteve em vigor, ela teve um efeito de medo contra a imprensa. É por isso que para muitos a opção é ‘é melhor eu me censurar para não ter problemas’, e obviamente o que predomina é a narrativa única da versão oficial”.
Também como consequência deste efeito de medo, a APES teve que retirar 17 jornalistas do país entre 2022 e 2023 que eles estavam publicando artigos relacionados a gangues.
Três desses 17, disse Cárcamo, permanecem fora de El Salvador porque não consideram viável continuar a exercer a profissão em seu país, entre eles duas mulheres jornalistas.
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Direito à informação pública é suspenso
Desde a entrada em vigor do regime de exceção, o acesso à informação pública é outro direito suspenso de fato, já que oficialmente a Lei de Acesso à Informação Pública, decretada em 2011, ainda está em vigor, segundo o jornalista Ricardo Avelar em coluna do El Diario de Hoy.
Isso bloqueou quase completamente o acesso de jornalistas a dados públicos, espaços governamentais e autoridades, de acordo com a declaração conjunta que as organizações de liberdade de imprensa publicaram após as eleições.
No dia 8 de maio de 2011, durante o governo de Mauricio Funes – o primeiro mandatário de esquerda do país centro-americano –, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação Pública de El Salvador, que incluiu a criação do Instituto de Acesso à Informação Pública.
O regime de exceção enfraqueceu a democracia ao classificar a informação pública como “confidencial” ou “reservada” por questões de segurança nacional, de acordo com uma declaração do Escritório de Washington para Assuntos Latino-Americanos (WOLA, sua sigla em inglês).
“Quando o presidente Bukele chega ao governo, ele percebe que esta lei deve ser destruída. Então começa, de forma sutil, a bloquear o acesso à informação”, disse à LJR Luis Canizalez, jornalista e editor da revista especializada em jornalismo de profundidade Elementos.
“Desde que ele chegou ao governo, nós, os meios de comunicação, os jornalistas, fizemos centenas de pedidos de informação.
A resposta inicial foi que se tratava de informação confidencial. Já nos últimos dois anos, eles nem te respondem. A lei não foi revogada, mas na prática não funciona”.
Reeleição de Bukele pode dificultar trabalho da imprensa
A APES também teme a possibilidade da criação de novas leis ou de reformas das já existentes para vigiar ou dificultar o trabalho da imprensa ou das organizações da sociedade civil. Tal é o caso da lei sobre agentes estrangeiros que Bukele propôs em 2021.
O projeto de lei pretendia exigir que as organizações que recebem fundos do estrangeiro pagassem um imposto de 40% sobre cada transação, incluindo os meios de comunicação independentes que são financiados com fundos de organizações estrangeiras.
Ao apresentar o projeto de lei, o Ministro do Interior Juan Carlos Bidegain disse que a lei “permitiria garantir a segurança, a soberania nacional e a estabilidade social e política do país”.
A discussão da lei dos agentes estrangeiros foi suspensa em 2022 após pressão internacional.
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O que os jornalistas de El Salvador podem fazer?
Ante a esperada continuação do ambiente hostil ao jornalismo que representa a reeleição de Bukele, Cárcamo disse que há medidas que os profissionais da imprensa poderiam tomar para se protegerem e enfrentarem os ataques.
Algumas destas medidas são se reorganizarem, trabalharem de modo colaborativo e se filiarem ao sindicato.
“A experiência nos mostrou nos últimos meses que os exercícios de jornalismo colaborativo têm um impacto muito maior, e isso é algo que quem está no poder não gosta devido ao número de pessoas que atinge”.
Canizalez concordou que aderir a sindicatos de jornalistas é uma boa medida de proteção para os pequenos meios de comunicação independentes. Acrescentou ainda que manter registros de todos os casos de ataques, ameaças e assédio também é uma boa prática de proteção.
“Tem que haver uma série de documentação de fatos concretos que mostrem o que realmente está acontecendo. Temos feito isso na Revista Elementos”, disse ele.
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Continuar a contar com organizações internacionais para proteger os jornalistas e tornar as violações dos direitos humanos visíveis para a comunidade internacional são outras medidas recomendadas pela APES.
“Nos últimos meses, quem mais esteve na vanguarda da visibilidade da violação dos direitos humanos e do questionamento através do trabalho jornalístico foi a imprensa”, disse Cárcamo.
“É como uma guerra e estamos na linha de frente. Não temos mais aliados para isso.
Uma imprensa independente que, diante do aparato de propaganda, está fazendo coisas interessantes, que obviamente não são confortáveis para este tipo de figuras antidemocráticas”.
Sobre o autor
César López Linares tem mestrado em jornalismo pela University of Texas em Austin e é bacharel em comunicação pela Universidad Nacional Autonoma de México. Escreve atualmente sobre inovação em jornalismo para a Fundação Gabo na Colômbia e para o blog LatAm Journalism Review do Centro Knight.
Este artigo foi originalmente publicado na LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.
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