Londres – Depois de ter perdido a licença de funcionamento de seu jornal Novaya Gazeta, fundado há 30 anos, o jornalista Dmitry Muratov, detentor do Prêmio Nobel da Paz de 2021, foi listado pelo governo da Rússia como “agente estrangeiro”,

O Novaya Gazeta era um dos mais reconhecidos veículos independentes da Rússia, com uma história de críticas ao regime de Vladimir Putin que começou muito antes da invasão da Ucrânia. Depois da guerra, o jornal foi proibido de funcionar e acabou perdendo a licença, mas ex-funcionários passaram a comandar uma versão europeia, em russo e em inglês, baseada na Letônia. 

A justificativa para rotular Muratov como agente estrangeiro foi “o uso de plataformas estrangeiras para divulgar opiniões destinadas a formar uma atitude negativa em relação à política externa e interna da Federação Russa” e a “criação e distribuição de conteúdos de outros agentes estrangeiros”.

Lista de agentes estrangeiros da Rússia tem outros jornalistas 

A nova lista de agentes estrangeiros da Rússia, publicada nesta sexta-feira (1), tem outros sete integrantes, dos quais dois jornalistas: Oksana Barsheva, da Echo of Moscow e Denis Katev, da TV Rain. 

A lei russa aplicada a eles, de 2012, destinava-se originalmente a ONGs com financiamento externo. Em dezembro de 2019, Vladimir Putin sancionou uma lei ampliando seu alcance e passou a utilizá-la na repressão a jornalistas e ativistas. 

Desde então, qualquer pessoa ou empresa que receba algum tipo de recurso financeiro do exterior – proveniente de governos, organizações ou mesmo cidadãos de fora do país – e publique material impresso, em áudio, audiovisual, entre outros, está sujeita ao rótulo. 

Os “agentes estrangeiros” são obrigados sinalizar essa condição em qualquer conteúdo que publicarem, até mesmo postagens nas redes sociais. Eles também precisam apresentar ao governo declarações financeiras e relatórios sobre suas atividades a cada seis meses e passar por auditorias anuais.

Para muitos meios de imprensa independentes, o rótulo foi uma sentença de morte, pois doadores ou mesmo anunciantes e assinantes se afastaram para evitar associação com eles. 

‘Agente estrangeiro’ não saiu da Rússia 

Diferentemente de muitos outros profissionais de imprensa que se exilaram após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Dmitry Muratov continuou no país, apesar de sofrer intimidações e ataques.

Em abril de 2022, quando o jornal já tinha sido obrigado a paralisar até o noticiário na versão online, ele foi alvejado com tinta vermelha quando viajava em um trem.

A coragem de Dmitry Muratov de não se dobrar à censura, apesar de seis jornalistas do Novaya Gazeta terem sido assassinados desde 2000, valeu ao jornalista o prêmio Nobel da Paz em 2021, que dividiu com a filipina Maria Ressa.

Mas a visibilidade internacional do jornalista e da repressão à imprensa da Rússia não incomodaram o governo Vladimir Putin, que seguiu com atos de intimidação e censura contra profissionais de mídia locais e estrangeiros, situação que se agravou com a guerra até culminar com a perda da licença para funcionar, sob o argumento de uma falha burocrática que o Novaya Gazeta nega ter existido.

Mesmo fechado, o jornal  foi multado em agosto de 2022 por ‘abuso de liberdade de imprensa‘, em referência a reportagens publicadas antes de ser sido impedido de circular. 

Nobel da Paz na história do Novaya Gazeta 

O Nobel da Paz faz parte da história do Novaya Gazeta não apenas por ter sido concedido a Muratov, mas também por ter ajudado a fundar o Novaya Gazeta. Em 1993, o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachov usou parte do prêmio em dinheiro recebido da fundação Nobel em 1990 para comprar computadores e apoiar a iniciativa de jornalismo independente. 

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Prédio do Novaya Gazeta em Moscou, que suspendeu operações e voltou a funcionar a partir da Europa com jornalistas exilados (Foto: Google Street View)

O jornalista Dmitry Muratov também usou o prêmio para apoiar causas sociais. Ao receber a homenagem, ele anunciou que doaria o valor de US$ 500 mil em dinheiro a instituições de caridade que cuidam de crianças refugiadas. 

Em junho de 2022, a casa de leilões Heritage Auction leiloou sua medalha do Nobel da Paz por US$ 103,5 milhões. O valor foi destinado a ajudar crianças refugiadas por causa da invasão da Rússia.