Londres – Responsável pela série The Crown, a Netflix volta a apostar no fascínio pela família real britânica com seu novo filme, Scoop, contando os bastidores da entrevista dada em 2019 pelo príncipe Andrew ao programa Newsnight, da BBC, considerada um desastre histórico de relações públicas.
O filme “Scoop” (jargão para “furo” jornalístico), lançado nesta sexta-feira, concentra-se no relato da produtora Sam McAlister, que não apareceu na entrevista mas escreveu um livro contando como conseguiu convencer a assessora de Andrew a agendar a conversa com a apresentadora Emily Maitlis em pleno Palácio de Buckingham – e colocando-se como a grande responsável pelo programa de impacto.
O objetivo de Andrew era se defender das acusações feitas pela jovem Virginia Giuffre de que teria tido relações sexuais com ele quando era menor de idade, aliciada pelo pedófilo James Epstein e pela socialite Ghislaine Maxwell. Mas o efeito foi o oposto, expondo a milhões de pessoas as contradições da versão do que muitos apontavam como o filho preferido de Elizabeth II.
Depois da entrevista, nem a mãe conseguiu protegê-lo. O Palácio de Buckingham o removeu de atividades oficiais em promoção de negócios bilaterais para o Reino Unido, ele perdeu as comendas militares, deixou de usar o título “Sua Alteza Real” e ficou relegado ao ostracismo da família.
Ao assumir o trono, o rei Charles removeu o irmão do conselho familiar que pode tomar decisões caso ele se veja impedido.
O Palácio nunca se pronunciou oficialmente, mas os rumores são de que ele tomou a iniciativa sozinho, sem a participação da assessoria de comunicação oficial da realeza, tendo uma de suas filhas a seu lado.
Filme da Netflix sobre príncipe Andrew baseado em livro de produtora
A produtora Sam McAlister é interpretada no filme da Netflix pela ex-estrela pop e agora atriz Billie Piper, uma boa aposta para ganhar atenção do público jovem que não se interessa tanto pelos assuntos da realeza como seus pais e avós.
Maitlis é representada por Gillian Anderson, enquanto Andrew é vivido por Rufus Sewell.
Para quem assistiu à entrevista na vida real, a recriação do ambiente e a semelhança dos personagens impressionam. A tensão na expressão dos personagens principais é a mesma que se viu no programa. Apenas na noite em que foi exibida pela primeira vez a audiência foi de 1,9 milhão de pessoas.
Segundo a sinopse da Netflix, Scoop dá aos espectadores uma visão interna do furo da década – e dos muitos obstáculos que a equipe da BBC superou para garantir a entrevista, desde vetos palacianos até os ensaios e, finalmente, a entrevista em si.
Chamar de furo da década soa um pouco exagerado, pois não foi feita nenhuma revelação bombástica na entrevista. O mérito foi mais o de apresentar Andrew como um membro da realeza meio fora da realidade, ainda achando que apenas suas palavras poderiam convencer o público apesar de evidências.
As críticas ao filme da Netflix no Reino Unido não foram muito favoráveis. Um dos motivos que desagradou críticos é o excesso de tempo dedicado à produtora e ao seu desconforto com a forma como era tratada pelos colegas da BBC, retratados como esnobes.
Em um dos trechos, Sam McCalister pregunta à mãe “por que não é vista como um deles”. Conseguir a entrevista foi como uma revanche, sugere o roteiro, colocando-a como uma heroína que venceu a família real e a BBC.
Emily Maitlis, que deixou a BBC e agora é uma das apresentadoras do podcast de notícias The News Agents, relatou na época que até o último momento achava que a entrevista poderia ser cancelada.
Ela também está fazendo uma minissérie sobre o programa, para a Amazon, que provavelmente focará mais nela própria e no restante da equipe do que somente na produtora.
O diretor de Scoop, Philip Martin, disse:
“Quero colocar o público dentro da sequência de eventos de tirar o fôlego que levou à entrevista com o príncipe Andrew – para contar uma história sobre uma busca por respostas, em um mundo de especulação e lembranças variadas.
É um filme sobre poder, privilégio e diferentes perspectivas e como – seja em palácios reluzentes ou em redações de alta tecnologia – julgamos o que é verdade.”
Para quem viu a entrevista, a parte em que a cena é recriada não traz surpresas. É uma reprodução fiel. Mas aos que gostam de ver um pouco de drama sobre a família real, é um prato cheio.
Lembranças do príncipe sobre a noite com a jovem
A referência do diretor de Scoop a “lembranças variadas” remete às tentativas do príncipe Andrew de justificar sua versão de que nunca conheceu a jovem, apesar de aparecer em uma foto ao lado dela.
Ele virou meme nas redes sociais e assunto na mídia internacional por ter sugerido que a foto era manipulada, e que o relato de Giuffre de que dançaram até suar em uma boate era falso, já que devido a um acidente quando combateu na Ilha das Malvinas teria perdido temporariamente a capacidade de transpirar.
Não tardaram a aparecer fotos diversas de Andrew suado, geralmente em animadas pistas de dança.
Ele também afirmou que na noite em que o encontro com Giuffre teria acontecido, no apartamento de Ghislaine Maxwell, ele tinha ido levar a filha a uma festinha infantil na Pizza Express – algo difícil de acontecer sem registros oficiais devido à segurança em torno da família real e de depoimentos dos que certamente teriam notado a sua presença.
Os dois acabaram fazendo um acordo para colocar fim ao processo, que motivou críticas de antimonarquistas sobre quem estaria pagando para silenciar uma acusação de abuso sexual de uma menor de idade.
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Impacto da entrevista mostrada no filme da Netflix
Andrew, que muitos dizem ter sido o filho preferido da rainha Elizabeth II e protegido por ela durante o escândalo, já vinha desgastado antes, desde que sua amizade com Jeffrey Epstein se tornou pública na esteira das acusações que levaram o financista milionário a cometer suicídio na prisão, em Nova York.
Mas a entrevista foi definitiva para selar seu futuro, apesar de tentativas da mãe para preservá-lo, como a decisão de entrar com ele na igreja para a missa de um ano do príncipe Philip a despeito das acusações e processo judicial movido por Giuffre.
Depois de ameaças de despejo da casa onde vive, dentro da propriedade do Castelo de Windsor, ele resistiu e continua morando lá, mas raramente aparece em público.
No Natal ele apareceu com a família e com a ex-mulher, Sarah Ferguson, indo à missa na propriedade de Sandringham, uma tradição familiar. Mas não houve qualquer outro sinal de que sua reputação possa ser recuperada.
O lançamento do filme trouxe o tema de volta à mídia, colocando novamente Andrew sob os holofotes dos britânicos, tornando a possibilidade de sua volta à cena real cada vez mais remota.
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