Londres – Um novo relatĂłrio da Unesco (Organização das NaçÔes Unidas para a Educação, a CiĂȘncia e a Cultura), publicado nesta segunda-feira (17), alerta para o risco de a inteligĂȘncia artificial generativa distorcer o registro histĂłrico do Holocausto e alimentar o antissemitismo se nĂŁo forem adotadas “medidas efetivas” para integrar princĂ­pios Ă©ticos Ă s ferramentas de IA.

O relatĂłrio AI and the Holocaust: rewriting history? (IA e o Holocausto: rescrevendo a histĂłria?) adverte que a IA generativa nĂŁo sĂł pode permitir que agentes de mĂĄ fĂ© espalhem desinformação e narrativas alimentadas pelo Ăłdio, mas tambĂ©m tem a capacidade de inventar conteĂșdos falsos ou enganosos sobre o Holocausto, como demonstraram exemplos contidos no documento. 

“Se permitirmos que os fatos horrĂ­veis do Holocausto sejam diluĂ­dos, distorcidos ou falsificados atravĂ©s do uso irresponsĂĄvel da IA, pode acontecer a propagação explosiva do antisemitismo e a diminuição gradual da nossa compreensĂŁo sobre as causas e consequĂȘncias dessas atrocidades”, alertou Audrey Azoulay, Diretora-Geral da Unesco.

InteligĂȘncia artificial absorvendo preconceitos sobre Holocausto

As ferramentas de IA sĂŁo treinadas para gerar conteĂșdo usando grandes quantidades de dados extraĂ­dos da internet e podem incluir informaçÔes falsas ou prejudiciais que circulam livremente em sites e redes sociais. 

“Os sistemas de IA ‘herdam’ preconceitos humanos, com o potencial de deturpar informaçÔes sobre eventos especĂ­ficos e reforçar preconceitos”, aponta o relatĂłrio, publicado em parceria com o Congresso Judaico Mundial.

Segundo a Unesco, isso tem acontecido no contexto do Holocausto devido Ă  proliferação da desinformação sobre os acontecimentos. O relatĂłrio observa que, devido Ă  falta de supervisĂŁo, orientação e moderação por parte das empresas de IA, as ferramentas generativas tambĂ©m podem estar sendo treinadas com base em dados de websites que negam a existĂȘncia do Holocausto.

A entidade afirma que hĂĄ registros de distorção proposital de conteĂșdos relacionados com o Holocausto, como testemunhos fabricados e alteração de fatos histĂłricos.

“Imagens deepfake e conteĂșdo de ĂĄudio criados com IA generativa sĂŁo particularmente convincentes para os jovens, que podem encontrĂĄ-los em plataformas de mĂ­dia social.

O aplicativo Historical Figures permitiu que os usuĂĄrios conversassem com nazistas proeminentes, como Adolf Hitler e Joseph Goebbels, e alegaram falsamente que indivĂ­duos como Goebbels nĂŁo estavam intencionalmente envolvidos no Holocausto e que teriam tentado prevenir a violĂȘncia contra os judeus.”

História “alucinada” devido à falta de dados

Os modelos generativos de IA sĂŁo propensos a inventar ou “alucinar” ao relatar eventos, personalidades e atĂ© fatos histĂłricos quando nĂŁo tĂȘm acesso a dados suficientes.

O relatĂłrio sublinha que o ChatGPT e o Bard do Google produziram conteĂșdo detalhando eventos relacionados ao Holocausto que nunca aconteceram.

“O ChatGPT fabricou inteiramente o conceito de campanhas de “Holocausto por afogamento” de judeus em rios e lagos, e o Bard gerou citaçÔes falsas de testemunhas para apoiar narrativas distorcidas dos massacres.”

AlĂ©m de chamar a atenção para o risco de manipulaçÔes e “alucinaçÔes” desacreditarem os fatos reais e a confiança nos especialistas, o relatĂłrio tambĂ©m sublinha os perigos da tendĂȘncia da IA ​​de simplificar excessivamente uma histĂłria complexa, privilegiando uma gama estreita de fontes e uma pequena seleção de eventos.

Nos motores de busca, que sĂŁo alimentados por IA, de 60% a 80% dos principais resultados de imagens sĂŁo de um Ășnico local do Holocausto, Auschwitz-Birkenau.

PrincĂ­pios Ă©ticos da UNESCO para a inteligĂȘncia artificial

O relatĂłrio da Unesco salientou que Ă  medida que estudantes utilizam cada vez mais a IA generativa para fazer trabalhos escolares e encontrar informaçÔes online, os jovens correm o risco de serem expostos a informaçÔes distorcidas sobre o Holocausto, que encontraram novas formas de se espalhar atravĂ©s de conteĂșdos gerados pela IA.

“Com quatro em cada cinco (80%) jovens entre os 10 e os 24 anos utilizando a IA vĂĄrias vezes ao dia para educação, entretenimento e outros fins, Ă© necessĂĄrio tomar rapidamente medidas para orientar eticamente essas novas tecnologias”, diz a organização. 

Ao divulgar o relatĂłrio, a Unesco apelou aos governos para que acelerem a implementação da recomendação da organização sobre a Ética da IA, a primeira e Ășnica norma global nesta ĂĄrea, adotada por unanimidade pelos seus Estados-Membros em 2021, jĂĄ integrada a legislaçÔes de mais de 50 paĂ­ses.

A entidade instou tambĂ©m as empresas tecnolĂłgicas a “implementarem normas, assumirem suas responsabilidades e garantirem que princĂ­pios como a justiça, a transparĂȘncia, os direitos humanos e a devida diligĂȘncia sĂŁo incorporados nas aplicaçÔes”.

Em fevereiro de 2024, oito empresas tecnolĂłgicas assinaram um compromisso com a Unesco para aplicar uma abordagem Ă©tica ao desenvolvimento de novas ferramentas de IA.

“As empresas tecnolĂłgicas devem trabalhar em estreita colaboração com a comunidade judaica, os sobreviventes do Holocausto e os seus descendentes, educadores, especialistas em antissemitismo e historiadores ao desenvolverem novas ferramentas de IA”, pede a organização. 

O relatĂłrio completo pode ser visto aqui.