Londres – Em outubro, um mรชs antes da conferรชncia do clima da ONU em Baku, o povo Wauja, do territรณrio indรญgena do Xingu, no Mato Grosso, fez um lindo ritual com cantos e danรงas tradicionais na aldeia Ulupuwene para receber a rรฉplica em tamanho real de seu patrimรดnio cultural mais sagrado – a gruta do Kamukuwakรก.

As gravuras talhadas nas paredes da caverna – o livro de conhecimento desses povos – foram vandalizadas em 2018. Uma tentativa criminosa de apagamento da memรณria que hรก sรฉculos guia a cosmologia, a cultura e o modo de vida desses povos ameaรงados pela expansรฃo das barreiras agrรญcolas e pelas mudanรงas climรกticas.

A cerimรดnia de inauguraรงรฃo da rรฉplica, um projeto de parceria internacional com o Peopleโ€™s Palace Projects, um centro de arte e pesquisa para mudanรงa social e climรกtica e a fundaรงรฃo espanhola Factum, aconteceu em meio ร  mais severa e prolongada seca na regiรฃo, sob a fumaรงa das queimadas na Amazรดnia.

Na cultura, respostas para a crise planetรกria do clima

Os indรญgenas fizeram da festa um ato de luta pela preservaรงรฃo de seus territรณrios e saberes. Afinal, รฉ na gruta do Kamukuwakรก, dentro de uma fazenda de soja, que estรฃo muitas respostas para o enfrentamento da crise planetรกria.

Yula Rocha e o educador e cineasta Piratรก Waurรก

Kamukuwakรก ensinou aos antepassados Wauja como se relacionarem com a natureza. Ele mostrou aos jovens como transformar inimigos em aliados. Na leitura de hoje, inspira o caminho para salvar o planeta e trazer para a luta atรฉ os que contribuem para sua destruiรงรฃo – ou que nรฃo acordaram para o problema.

Brasil no Grupo de Amigos da Aรงรฃo Climรกtica Baseada na Cultura 

A cultura รฉ a melhor plataforma de sensibilizaรงรฃo para promover uma mudanรงa profunda de paradigma. Arte e manifestaรงรตes culturais podem transformar hรกbitos e comportamentos para salvar o mundo do colapso.

Esse movimento da cultura em prol da aรงรฃo climรกtica ganhou forรงa nas รบltimas COPs. Em Dubai, onde um pavilhรฃo inteiro foi destacado para discutir cultura e clima, o Brasil assumiu protagonismo.

A Ministra Margareth Menezes entrou no Grupo de Amigos de Aรงรฃo Climรกtica Baseada na Cultura, com representantes de mais de 30 paรญses comprometidos a integrar a cultura na polรญtica climรกtica da UNFCCC.

No mรชs passado, em Salvador, o G20 da Cultura programou o seminรกrio internacional Cultura & Mudanรงa Climรกtica com participaรงรฃo das ministras dos Povos Indรญgenas, da Cultura e do Meio Ambiente, junto com ativistas, acadรชmicos e representantes da sociedade civil.

Em Baku, o movimento se articulou e ganhou forรงa para que a โ€œaรงรฃo climรกtica baseada na culturaโ€ seja incluรญda na decisรฃo final da COP30 em Belรฉm no ano que vem.

Seria uma bela vitรณria do Brasil e do mundo, quando o acordo de Paris completa 10 anos.

Para cumprir as metas desse acordo atรฉ 2030 e frear novas catรกstrofes climรกticas, precisamos de uma transformaรงรฃo profunda e sem precedentes na histรณria.

A cultura, em suas diversas dimensรตes โ€“ as artes, o patrimรดnio cultural, as indรบstrias criativas e o bem viver dos povos indรญgenas e comunidades tradicionaisโ€“, possui uma capacidade inigualรกvel de diversificar formas de conhecimento, educaรงรฃo e narraรงรฃo de histรณrias, comunicando a urgรชncia, mobilizando aรงรตes e influenciando modos de produzir, consumir e viver sustentรกveis e orientados pela justiรงa social.

De volta ร  aldeia Ulupuwene, pedi ao cineasta e educador Piratรก Waurรก para explicar porque a histรณria de uma gruta que pouca gente conhece, um patrimรดnio cultural sagrado e tombado pelo IPHAN, รฉ tรฃo relevante hoje para o planeta. A resposta foi um recado:

“Acreditamos que ao compartilhar a histรณria de Kamukuwakรก podemos ajudar a convencer o homem branco (nรฃo-indรญgena) a nรฃo se autodestruir.”


Este artigo faz parte da ediรงรฃo especial MediaTalks COP29. Leia aqui a revista completa.