Enquanto o Reino Unido se move rapidamente na direção de regulamentar a atuação das Big Techs, o Facebook intensifica sua aproximação com a indústria de mídia do país. Na terça-feira (13/4), a empresa anunciou a criação de uma seção de notícias regionais para valorizar o jornalismo local em seu Facebook News, por meio do qual a empresa paga os editores pelo conteúdo mostrado em um feed especial na plataforma.
A partir de agora, notícias regionais passam a aparecer lado a lado com as nacionais. Os valores do acordo com os editores participantes não foram relevados.
A novidade confirma que a relutância histórica das plataformas digitais em pagar por conteúdo jornalístico está virando cada vez mais coisa do passado. E sugere ser uma questão de tempo (e do tamanho das pressões exercidas pelo governo ou pela sociedade, como tem acontecido no Reino Unido) a expansão para outros países.
O Brasil chegou a ser mencionado pela empresa em agosto de 2020 como um dos mercados que receberia o Facebook News, depois do lançamento piloto nos Estados Unidos em 2019. Mas até agora ele só avançou na Austrália, onde entrou em vigor em fevereiro a primeira regulamentação nacional de pagamento por conteúdo jornalístico adotada em todo o mundo.
No mesmo dia em que o acordo do Facebook com mídias regionais foi anunciado, dois diretores da poderosa CMA (Consumers Market Authority), agência reguladora de concorrência britânica, deram um depoimento para o Comitê Digital e de Comunicações da Câmara dos Lordes, voltando a defender um código de conduta no estilo da Austrália para garantir que haja “termos justos e razoáveis” entre plataformas e provedores de conteúdo.
O depoimento foi parte do processo de aprovação do projeto de lei apresentado pelo governo em novembro de 2020. O secretário nacional de mídia e assuntos digitais, Oliver Dowden, tem se manifestado regularmente sobre a nova lei. E exercido pressões sobre o Facebook, cujo chefe global de comunicação, Nick Clegg, é um ex-parlamentar britânico.
Como vai funcionar o Facebook news Local
A nova seção do Facebook News agrupará o conteúdo da mídia regional por geografia, permitindo que os usuários no Reino Unido vejam rapidamente o que está acontecendo em sua cidade ou simplesmente adicionando esse local ao feed. Os usuários também receberão uma amostra diária de conteúdo relacionado às configurações de localização no perfil do Facebook.
Com a inclusão das notícias locais no Facebook News, os usuários não precisam mais se conectar manualmente a sites das localidades onde vivem ou de cidades que tenham interesse em acompanhar, facilitando o acesso às notícias.
No comunicado oficial, a diretora de parcerias de notícias do Facebook para a Europa ocidental, Sarah Brown, disse que o lançamento é “parte do compromisso contínuo de ajudar as empresas de notícias a construir modelos de negócios sustentáveis”.
“Hoje estamos fazendo mais um investimento no ecossistema de notícias no Reino Unido com a adição de uma nova seção de notícias locais no Facebook News para ajudar centenas de editores a direcionar públicos adicionais para seus sites e conectar as pessoas às notícias que mais importam para elas.
Esse novo recurso, lançado nos Estados Unidos no ano passado, também tornará mais fácil para as pessoas encontrarem uma combinação maior de reportagens locais e nacionais nas quais estão interessadas.”
Brown fez um afago ao jornalismo regional, tão combalido pela combinação do poder das plataformas sobre a propaganda com os efeitos da pandemia:
“Conectar as pessoas às notícias locais nunca foi tão importante e muitas pessoas passaram a confiar nos meios de comunicação locais para obter as informações mais recentes sobre a pandemia.
Com esse novo recurso no Facebook News, queremos direcionar o tráfego para sites locais, ajudando os editores a alcançar novos públicos. Os usuários do Facebook agora podem ver as notícias locais ao lado das matérias mais importantes do dia.”
A empresa também anunciou a extensão do projeto Notícias da Comunidade por mais um ano. Trata-se de um fundo de treinamento anual de £ 2,25 milhões, em parceria com o Conselho Nacional para o Treinamento de Jornalistas (NCTJ). O objetivo é capacitar repórteres em 80 redações locais em todo o Reino Unido. Os salários dos profissionais e seu treinamento são pagos pelo Facebook, o que acaba reforçando a equipe das redações, geralmente enxutas e sem muitos recursos.
Facebook News no Reino Unido
O Facebook News foi anunciado no Reino Unido em novembro de 2020 e lançado em janeiro. O país foi o primeiro a contar com o serviço depois dos Estados Unidos.
O acordo como os editores australianos foi firmado depois de uma negociação com o governo, interpretada por muitos como uma flexibilização da nova lei favorável às Big Techs. Na semana anterior, o Facebook havia suspendido os links de notícias em sua plataforma, causando revolta local e global.
No Reino Unido, o Facebook News contemplou inicialmente algumas das principais organizações jornalísticas como The Guardian, Reach (Daily Mirror), Daily Star, Archant (que publica jornais regionais importantes), The Economist, Conde Nast, ESI Media (Evening Standard), JPI Media (Scotsman), Illife (editora de jornais regionais) e Hearst (editora de revistas como Country Living e Women’s Health).
Entre os grandes editores, ficaram de fora o grupo News Corp, conglomerado do magnata da mídia Rupert Murdoch, que publica o The Times e o The Sun, e o DGMT, dono do Daily Mail. Murdoch chegou a fechar em março um acordo separado com o Facebook na Austrália, considerado “histórico“, mas os títulos em outros países não foram contemplados.
No anúncio de janeiro, o Facebook não comentou quanto iria investir no programa, mas o The Guardian disse na época que “alguns editores esperam ganhar milhões de libras por ano com os acordos de longo prazo assinados com a rede social“. O jornal afirmou que fontes da indústria estimam que a conta anual total do Facebook deve chegar a dezenas de milhões somente no Reino Unido.
Na época, o próprio The Guardian, um dos participantes, considerou que os acordos eram uma iniciativa estratégica da empresa com o objetivo de desencorajar uma regulamentação internacional mais ampla do mercado de mídia, mostrando que está preparada para apoiar as editoras locais sem intervenção do governo.
Segundo o Facebook, a inclusão na sessão de notícias gera mais de 95% de tráfego de novos leitores.
O Google também vem fechando acordos para pagamento por conteúdo em vários países, incluindo o Brasil, por meio de seu Google News Showcase. Na Austrália, a empresa foi a primeira a selar a paz com o governo e assinou contratos com organizações de mídia antes da aprovação da lei de pagamento por conteúdo. A Itália foi o nono país em que a plataforma fechou com editores locais, em março de 2020.
Leia também:
https://mediatalks.com.br/2021/04/08/greve-de-jornalistas/