Os Estados Unidos conseguiram hoje uma decisão favorável em sua batalha judicial para extraditar Julian Assange e julgá-lo em solo americano.  Uma audiência que terminou no início da tarde (hora local) em Londres ampliou o direito de apelação do país, que teve em janeiro o pedido de transferir Assange negado pela Suprema Corte. 

Após a sentença, o  Governo americano tentou apresentar cinco recursos, mas apenas três haviam sido admitidos pela Corte. Com a decisão de hoje, os cinco pontos do veredito questionados pelos Estados Unidos serão avaliados pelo tribunal. A próxima audiência está marcada para a última semana de outubro. 

A decisão é uma derrota para a defesa do homem que vazou segredos de guerra americanos pelo site Wikileaks. A companheira de Assange, Stella Moris, com quem ele tem dois filhos, deu um depoimento emocionado, dizendo que são suas vidas em jogo. 

Julian Assange deveria ter saído da prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, onde está desde que deixou o asilo na Embaixada do Equador, em 2019, para comparecer à audiência, mas acabou participando por videoconferência. A ausência foi questionada por entidades como a organização Repórteres sem Fronteiras. 

Ele enfrenta um total de 18 acusações — 17 sob a Lei de Espionagem e uma sob a Lei de Fraude e Abuso de Computador — podendo ser condenado a até 175 anos de prisão. 

Desde as primeiras horas da manhã, manifestantes e políticos como o ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, protestaram diante do tribunal, pedindo a libertação do ativista.

Jeremy Corbyn (ao centro) é um defensor da liberdade para Julian Assange (Foto: Comitee to Defend Julian Assange/Twitter)

Alguns manifestantes miram diretamente nos governos americano e britânico, e na Justiça do país. Assange ficou asilado por sete anos na Embaixada do Equador, até ser entregue à polícia do Reino Unido depois que o novo governo deixou de apoiá-lo, com a posse de Lenín Moreno.

No mês passado, a cidadania a ele concedida foi revogada. A intenção do então presidente Rafael Correa era conceder status diplomático ao ativista, permitindo que ele saísse do refúgio na embaixada sem riscos de ser preso. Mas o Reino Unido não aceitou na época as credenciais de Assange como diplomata. 

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Os principais alvos do protesto em Londres e nas mídias sociais são o governo americano e a justiça britânica, acusada por ativistas de estar ao lado do governo do país, que não fez qualquer movimento em favor do ativista. Uma das imagens circulando pelas redes é a da Estátua da Liberdade, em alusão à posição da administração de Joe Biden. 

 
Ativistas e jornalistas tiveram dificuldades em participar da audiência

Ativistas que clamam pela libertação imediata de Assange e pela retirada das acusações contra ele tentaram sem sucesso autorização para participar da audiência, assim como jornalistas. 

No dia 4 de agosto, a organização Repórteres Sem Fronteiras escreveu à Corte solicitando credenciamento e protestando contra as “extensas barreiras à justiça aberta enfrentadas no monitoramento de todo o processo de extradição no ano passado”.  Uma das poucas a receber autorização foi a Anistia Internacional.

A jornalista italiana Stefania Maurizi foi uma das que usou o Twitter para reclamar, sugerindo que o governo britânico estaria dificultando a cobertura do caso. 

Campanha nas ruas e nas redes sociais 

Os que defendem Assange pedem para que ele não seja extraditado e que o Governo americano retire as acusações contra ele e que sejam presos os “criminosos de guerra” denunciados por ele quando vazou os documentos confidenciais sobre atuação de forças americanas na Guerra do Iraque.  

Nas redes sociais, a campanha pela liberdade de Assange conta com grupos organizados em vários países.

Na Alemanha, um grupo de apoio criou uma videoclipe com uma música destacando o trabalho do ativista, que revelou segredos militares americanos.

A canção está disponível em alemão, inglês, francês e russo, e pede liberdade para o whisteblower (informante). 

O processo 

A decisão que manteve Assange em solo britânico  foi anunciada no dia 4 de janeiro pela juíza Vanessa Baraister,que entendeu haver risco de suicídio se ele fosse entregue aos americanos.  

Os EUA entraram com um pedido para apelar logo depois da posse de Joe Biden, que se tornou o terceiro presidente a manter a rivalidade com o homem que vazou segredos militares do país, uma saga que começou com Barack Obama em 2016.

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No dia 7 de julho, a juíza concedeu aos Estados Unidos o direito de apelação, mas só quanto a aspectos processuais e não quanto ao mérito, uma vitória apenas parcial para os americanos. 

A discussão sobre extraditar Assange para os EUA

O grupo de pressão Wise Up Action, criado em solidariedade a Julian Assange e Chelsea Manning (o especialista em segurança digital que obteve acesso aos arquivos vazados pelo site Wikileaks), explicou o estágio do processo contra Assange. 

Segundo a organização, os EUA apelaram de cinco aspectos da sentença de janeiro. Duas das apelações foram desconsideradas pela juíza: o diagnóstico feito pelo médico Michael Kopelman, psiquiatra que atestou o risco de suicídio em caso de extradição, e a conclusão da corte de que havia o risco.

A advogada Stella Moris, que representa Assange e revelou planos de se casar com o ativista. (Reprodução/Twitter DEA Camapaign)

As outras argumentações, acatadas pela Corte nesta quarta-feira, é a de a Justiça teria aplicado erroneamente a seção 91 da Lei de Extradição de 2003, que diz que alguém não pode ser extraditado se a “condição física ou mental for tal que seria injusto ou opressor extraditá-la”. 

Os Estados Unidos alegam também que a juíza deveria ter notificado a acusação de que ela considerava a extradição injusta ou opressiva, permitindo fornecer garantias ao Tribunal com antecedência. 

Proposta americana deixa brecha para colocar ativista sob custódia mais severa

O governo americano assegurou que se Assange for extraditado para os Estados Unidos, ele não será colocado na prisão de segurança máxima Supermax ADX, conhecida pelo rigor,  e não estará sujeito a Medidas Administrativas Especiais (SAMs) . 

Mas essas garantias incluem ressalvas. O país ainda pode usar essas medidas se o Departamento de Estado entender que Assange “fez algo subsequente à oferta dessas garantias que atenda aos requisitos para a imposição de SAMs ou designação para ADX.”

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A Anistia Internacional sustenta que a possibilidade de alterar os termos das garantias essenciais após a transferência de Assange para os EUA faz com que sejam irrelevantes, uma vez que “permaneceria em risco de sofrer maus tratos na detenção nos EUA no momento da transferência e posteriormente”.

Julia Hall, especialista da Anistia Internacional em Antiterrorismo, Justiça Criminal e Direitos Humanos, afirmou:

“Essas não são garantias de forma alguma. Não é tão difícil olhar para essas garantias e dizer: elas são inerentemente não confiáveis, pois prometem fazer algo mas ao mesmo tempo asseguram o direito de quebrar a promessa.”

A companheira de Assange concorda.

“O que os EUA estão propondo é uma fórmula para manter Julian efetivamente na prisão pelo resto de sua vida”.

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