Londres – Na última década, os culpados por cerca de oito a cada dez assassinatos de jornalistas no mundo não receberam qualquer punição, aponta o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) em levantamento divulgado para marcar o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade por Crimes contra Jornalistas, celebrado em dia 2 de novembro.
O Brasil é um dos integrantes do “clube” de 12 países em que agressões à imprensa sem que os autores sejam responsabilizados se repete com frequência.
Embora não esteja entre as nações com maior número de assassinatos, tem se destacado no noticiário internacional por ataques físicos e verbais contra profissionais de imprensa, como os que aconteceram durante a visita do Presidente Jair Bolsonaro à Itália, em que repórteres foram agredidos pro seguranças.
Mas o México é o local onde a situação é mais grave, com pelo menos nove mortes registradas apenas este ano, contra oito em 200. No fim da semana passada mais dois profissionais foram assassinados , colocando o país ao lado da Síria e do Afeganistão como os de maior risco.
O Sindicato Nacional de Redactores de la Prensa do país afirma que 95% dos assassinatos de jornalistas no país ficaram impunes.
Ameaças também na Europa
Além do CPJ, entidades de defesa da liberdade de imprensa e também o Parlamento Europeu se manifestaram contra a falta de responsabilização de autores de crimes. A União Europeia prepara uma lei para estabelecer a obrigatoriedade da proteção de profissionais de imprensa em seu território.
Em um esforço para obter justiça na morte de jornalistas, três importantes grupos de liberdade de imprensa lançaram um Tribunal do Povo para responsabilizar os governos. Lideram a iniciativa a Repórteres sem Fronteiras, o Comitê de Proteção de Jornalistas e a Free Press Unlimited.
O Tribunal, uma forma de justiça popular, conta com investigações e análises jurídicas de alta qualidade envolvendo casos específicos em três países, será lançado nesta terça-feira (2/11) em Haia.
Brasil é o oitavo país do mundo com mais casos de assassinatos sem resolução
No ranking dos 12 países do mundo onde há mais impunidade em crimes contra jornalistas, o Brasil ocupa a oitava posição, com 14 casos não resolvidos de assassinatos de profissionais da imprensa.
A situação no país é considerada pelo CPJ pior do que a de lugares como Rússia, Índia e Paquistão. A lista é encabeçada pela Somália, com 25 casos sem condenações nos últimos dez anos.
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Além da violência extrema, que causa a morte de jornalistas, a imprensa brasileira ainda se encontra na pior situação da América Latina no que diz respeito a ataques difamatórios, muitos deles partindo de autoridades.
O discurso estigmatizante é apontado como o problema mais incidente no Brasil em levantamento feito em conjunto entre a entre a Abraji (Associação Brasileiro de Jornalismo Investigativo) e o coletivo Voces del Sur, iniciativa composta por 13 organizações da sociedade civil ligadas ao jornalismo na América Latina.
Segundo a pesquisa, foram 159 ocorrências em 2020. Nesta categoria, entram episódios do presidente ofendendo jornalistas e os mandando calar a boca, entre outros “desabafos”, bravatas e piadas de Jair Bolsonaro sobre a mídia.
Em julho, o presidente Jair Bolsonaro entrou para a lista dos predadores da liberdade de imprensa, compilada pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que reúne 37 chefes de Estado ou governo que reprimem maciçamente a liberdade de imprensa.
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Patrícia Campos Mello, um caso raro
Um dos raros casos de condenação de autores de ataques ocorreu com a jornalista da Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello.
A jornalista tornou-se uma das principais referências globais em perseguição à imprensa devido ao assédio que passou a sofrer sobretudo a partir da publicação de reportagens mostrando como os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro haviam pago empresas para enviar automaticamente milhões de mensagens pelo WhatsApp durante a campanha presidencial de 2018.
Em maio de 2020, Patrícia processou um dos filhos de Bolsonaro por alegar falsamente que ela havia usado sexo para obter informações desfavoráveis sobre seu pai. Eduardo foi condenado a pagar indenização de R$ 30 mil. O resultado foi notícia em vários países.
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Comitê reúne uma década de dados sobre ataques a jornalistas
O levantamento do CPJ sobre a impunidade dos crimes contra jornalistas reuniu dados globais de mortes de profissionais da imprensa durante o período de 10 anos, de setembro de 2011 a agosto de 2021. Nesse período foram registrados 278 assassinatos de jornalistas.
“Uma época tumultuada que inclui a guerra civil na Síria, protestos generalizados contra governos árabes [a chamada Primavera Árabe] e ataques contra trabalhadores da mídia por grupos extremistas e sindicatos do crime organizado”, observa o levantamento.
Em 226 dos casos analisados pelo comitê (81%), o CPJ registrou “impunidade total”, o que significa que ninguém foi condenado pelo crime.
“É hora de acabar com a negligência judicial, a legislação abusiva e a cegueira dos governos. Uma sociedade que deixa os assassinos e assediadores de jornalistas soltos não é uma democracia”, afirmou o presidente da IFJ, Younes MJahed.
México: imprensa vítima do crime organizado
Os casos do México são emblemáticos, com assassinatos em série praticados por facções criminosas. O país foi o país mais mortal do mundo para a mídia em 2020, respondendo por quase um terço dos jornalistas mortos durante o ano de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
Desde 2000 foram mais de 120 casos, a maioria impunes, deixando livre o espaço para novos ataques.
Na última quinta-feira (28/10) um motociclista armado baleou e matou o veterano jornalista Fredy López Arévalo na frente de sua família, em San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, região violenta do país.
Já na sexta-feira (29/10), o fotojornalista Alfredo foi encontrado morto por ferimentos de bala em Acapulco, após ter sido retirado de casa à força, segundo o Sindicato Nacional de Redactores de la Prensa.
Assassinatos violentos acendem alerta na Europa
A União Europeia (UE) vem acompanhando com preocupação um aumento da violência, física e também judicial, contra jornalistas em seu território. Os assassinatos da maltesa Daphne Galizia e do holandês Peter de Vries são citados como episódios marcantes dessa realidade (veja mais a seguir).
O blogueiro Manuel Delia, ligado à investigação sobre a morte de Galizia, deixou Malta após ser alvo de uma campanha de fake news e ameaças.
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A Comissão Europeia, que gere o orçamento da UE e propõe legislações ao Parlamento Europeu, afirmou em setembro que prepara uma lei de liberdade de imprensa (Media Freedom Act) que a partir de 2022 deve determinar que os países-membros se empenhem em proteger profissionais de imprensa física e juridicamente.
“Há algumas semanas, Maria Ressa e Dimitri Mouratov receberam o Prêmio Nobel da Paz de 2021 como um reconhecimento por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão”, afirmou comunicado dos vice-presidentes da Comissão, Věra Jourová e Josep Borrell em referência ao dia 2 de novembro.
“Com suas denúncias, eles descobriram violações de direitos humanos, corrupção e abuso de poder, colocando assim suas vidas em risco. Infelizmente, as histórias e vozes de muitos jornalistas independentes continuam a ser silenciadas em todo o mundo, incluindo na UE.”
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Comissão Europeia coloca proteção a jornalistas no centro do debate na UE
Em seu discurso para o Estado da União, falando para o Parlamento Europeu, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen adiantou recomendações para os Estados-membros da UE quanto à obrigação de proteger os jornalistas e a liberdade de imprensa.
A Comissão recomenda a criação de serviços nacionais independentes de apoio, incluindo números telefônicos para jornalistas em dificuldades, aconselhamento jurídico, apoio psicológico e abrigos para profissionais dos meios de comunicação que enfrentam ameaças.
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Outros pontos destacados foram a necessidade de uma maior proteção a jornalistas durante manifestações, maior segurança online e apoio especial às jornalistas.
Em 2020, segundo a Comissão, 175 jornalistas e trabalhadores da mídia foram vítimas de ataques ou incidentes durante protestos na UE. Agressões no total foram praticadas contra 908 jornalistas e trabalhadores dos meios de comunicação em 23 Estados-membros do bloco.
“A segurança digital e online tornou-se uma grande preocupação para os jornalistas devido ao incitamento online ao ódio e ameaças de violência física. As jornalistas são particularmente vulneráveis a ameaças e ataques, com 73% declarando ter sofrido violência online durante seu trabalho”, afirma a Comissão.
O Parlamento Europeu disponibilizou um fundo de € 4 milhões (R$ 26,3 milhões) para financiar propostas para assegurar o jornalismo investigativo e a liberdade de imprensa na Europa.
Bomba instalada no carro em Malta e ataque a tiros no centro de Amsterdã
Os assassinatos de Daphne Galizia, vítima de uma bomba colocada em seu carro, na ilha mediterrânea de Malta, e de Peter de Vries, morto a tiros no centro de Amsterdã colocaram no coração da Europa a violência contra jornalistas e a liberdade de imprensa.
Suspeita-se que De Vries tenha sido alvo de um líder do crime organizado na Holanda, Ridouan Taghi, alvo de investigações feitas pelo jornalista.
Após a emissora RTL receber ameaças, o programa Boulevard, no qual De Vries era frequentador assíduo, chegou a mudar o local de gravações, fora das instalações na região de Leidseplein. O jornalista foi morto na rua, logo após deixar os estúdios da TV.
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Galizia investigava a corrupção na elite e alto escalão da política de Malta quando foi assassinada.
O empresário do setor de cassinos Yorgen Fenech, envolvido em denúncias de lavagem de dinheiro e corrupção, foi indiciado como mandante do crime, ocorrido em 2017. Ele, que nega as acusações, pode pegar prisão perpétua e uma sentença adicional de 20 a 30 anos por conspiração criminosa.
Recentemente, campanhas de difamação e desinformação, com emails e sites falsos, foi orquestrada em Maltas para atingir pessoas e publicações empenhadas em descobrir os fatos sobre a morte da repórter.