Em um período de cinco anos que coincide com a era de Donald Trump no poder e a tensa fase posterior à sua saída da presidência, um jornalista foi agredido ou impedido de fazer seu trabalho a cada 24 horas, em média, nos EUA, país reconhecido por ter uma das democracias mais consolidadas do mundo.
O dado foi divulgado pela U.S Press Freedon Tracker, organização que desde o início de 2017 compila casos de violações à liberdade de imprensa na nação americana, em um resumo das atividades em seus cinco anos de existência.
Parte dos ataques se deve a um sentimento de fúria contra a mídia que tomou conta do país, fomentado principalmente no governo de Trump – em média, o político criticou a imprensa uma vez por dia via Twitter ao longo de seu mandato.
Agressão a jornalistas somam quase 2 mil
Kirstin McCudden, vice-presidente de Editorial do US Press Freedom Tracker, relembra que o projeto começou a ser gestado antes de 2017, quando Barak Obama encerrava seus oito anos de mandato com processos abertos contra jornalistas acusados de vazamento, e Trump já despontava como candidato.
“Os principais defensores da liberdade de imprensa dos EUA e do Reino Unido acreditavam que um projeto apartidário para registrar incidentes de liberdade de imprensa não apenas serviria aos esforços de defesa de profissionais processados, mas também seria informativo”, diz.
Os números falam por si. Entre janeiro de 2017 e dezembro de 2021, o U.S Press Freedom Tracker registrou cerca de 1.900 incidentes. Nos primeiros seis meses deste ano, a entidade computou outros 70 casos.
De longe, agressão a jornalistas é o tipo de ataque mais comum. Em cinco anos e meio, segundo a organização, foram 930 registros.
Na sequência, o projeto compilou 274 prisões ou acusações criminais, 196 casos de equipamentos danificados e 142 intimações ou ordens legais.
Outros incidentes, como busca e apreensão de equipamentos, vazamentos e negações de acesos, completam o restante da lista de agressões contra jornalistas.
Os EUA figuram em 42º lugar no índice global de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras, que lista 180 nações. Mas a RSF alertou que o aumento das violações em um país que antes era considerado modelo em liberdade de imprensa é “preocupante”
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Ano da derrota eleitoral de Trump liderou em agressões a jornalistas
O período mais crítico para profissionais de imprensa foi 2020. Naquele ano, Donald Trump tentava se reeleger e a pandemia enfrentava o seu auge, com jornalistas cobrando medidas e condenando endosso de tratamentos não comprovados.
Incomodado com as críticas, o então presidente utilizava as redes sociais para instigar seus seguidores contra a imprensa. Mas houve também outro evento importante: a morte de George Floyd, que disparou manifestações em todo o país.
No total, quase 630 jornalistas foram alvo de ataques físicos, o dobro do registrado em todos os outros anos somados.
“Em seis anos, o maior número de violações à liberdade de imprensa foi registrado em 2020.
Mais jornalistas foram agredidos na semana imediatamente após a morte de George Floyd em Minneapolis do que em 2017-2019 combinados”, disse o U.S Press Freedon Tracker.
Floyd, um americano negro de 46 anos, foi assassinado em 25 de maio de 2020 pelo policial branco Derek Chauvin. No ano subsequente à morte dele, jornalistas foram agredidos mais de 600 vezes e presos 155 vezes enquanto cobriam os protestos do movimento Black Lives Matter.
O mês de maio foi o pior, com quase 300 incidentes reportados. Depois de ataques físicos, prisões e indiciamentos foram os principais tipos de assédio, vindo em seguida a quebra de equipamentos.
A invasão do Capitólio dos Estado Unidos, em 6 de janeiro do ano passado, também foi palco de agressão a jornalistas. Os profissionais que cobriram o ato foram perseguidos e tiveram seus equipamentos danificados. Pelo menos 3 jornalistas foram detidos pela polícia.
Donald Trump, inimigo dos jornalistas
A organização fez uma demonstração visual sobre como arte da fúria contra jornalistas no período analisado pelo US Press Freedom Tracker está associada ao período de governo ou os meses seguintes ao governo do ex-presidente Donald Trump.
A partir do segundo semestre de 2021 e em 2022 a situação sob Joe Biden parece menos tensa, com redução no número de ataques registrados a jornalistas.
Entre 15 de junho de 2015, quando declarou ser candidato à presidência, e 8 de janeiro de 2021, dia em que teve sua conta no Twitter suspensa permanentemente, o político publicou 2.520 tuítes contra a imprensa.
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Em 2020, ano com o maior número de agressões contra jornalistas, foi também o período que Trump mais mirou sua rede social na direção de profissionais da mídia.
Em um relatório divulgado em 2021, o US Press Freedom Tracker constatou que o político postou 633 tuítes anti-imprensa durante seu quarto e último ano no cargo.
Cale lembrar que mesmo antes de assumir o posto de presidente dos Estados Unidos, Trump ameaçava processar jornais e costumava insultar jornalistas.
Nos meses que antecederam a disputa presidencial de 2015, por exemplo, ele disse que a Primeira Emenda da Constituição americana dava proteção exagerada aos jornalistas.
Falou também que a “liberdade de imprensa” foi a responsável por um ataque terrorista em Nova York.
Agressões a jornalistas e Justiça
Parte das agressões a jornalistas norte-americanos partiu da própria polícia dos Estados Unidos. Muitos profissionais foram alvo de violência física ou prisões – alguns inclusive foram atingidos por tiros enquanto trabalhvam.
Em busca de justiça, quase 70 jornalistas moveram ações contra funcionários públicos ou policiais entre 2017 e 2021, segundo a U.S. Press Freedom Tracker. Cerca de 90% dos casos envolvem agressões ou detenções em protestos.
A National Press Photographers Association, associação profissional norte-americana, disse no ano passado que a maioria dos processos não vão a julgamento. Isso porque boa parte dos profissionais preferem formalizar acordos extrajudiciais, que são mais rápidos.
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