Londres – Classificada em 153º no índice de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras devido a perseguições e censura, a Bielorrússia deu mais uma mostra da intolerância extrema com dissidentes e jornalistas, condenando a repórter Ksenia Lutskina a oito anos de prisão.
Ex-jornalista da TV estatal do país governado por Aleksander Lukashenko, aliado de Vladimir Putin, Lutskina está detida desde dezembro de 2020 e tem um tumor cerebral.
Um tribunal do país condenou-a na quarta-feira por “conspiração ou outras ações cometidas para tomar o poder do Estado (parte 1 do artigo 357 do Código Penal)”, segundo a organização de direitos humanos Vesna.
Bielorrússia em crise desde 2020
A Bielorrússia entrou em crise política e institucional em agosto de 2020, quando Lukashenko conseguiu se manter no poder depois de eleições consideradas fraudulentas.
Protestos eclodiram no país, com prisões de dissidentes e fuga de muitos deles para o exílio.
Uma das consequências da instabilidade foi uma severa repressão à imprensa, com prisões de jornalistas, fechamento de veículos e do sindicato de jornalistas local e até o cancelamento do sinal da Euronews no território.
No segundo aniversário da eleição presidencial, em 9 de agosto, a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) contabilizou 30 profissionais de mídia na prisão na Bielorrússia.
Ksenia Lutskina, 38 anos, trabalhou por 15 anos na rede pública Belteleradio (BT), onde fez Fez documentários e grandes reportagens sobre fatos históricos como a Segunda Guerra Mundial e o desastre de Chernobyl.
Em 2012, passou por uma complexa cirurgia no cérebro para remover um tumor, mas outro não teve como ser extraído e ela seguiu com acompanhamento médico para controlar a evolução da doença.
Após as eleições presidenciais, em 2020, ela aderiu à greve dos funcionários da holding, deixou o cargo de repórter do canal de televisão Bielorrússia 2 e se uniu a um grupo de jornalistas demitidos para criar um canal de TV no YouTube.
As primeiras transmissões foram gravadas, o lançamento deveria ocorrer em janeiro de 2021, mas entrou em cena a censura da Bielorrússia.
A jornalista foi detida junto outros profissionais em dezembro de 2020, em um caso que ficou conhecido como “Press Club”. A ONG de direitos humanos relatou que quatro horas a casa de Lutskina foi revistada e equipamentos como telefone, computador e pen drives foram confiscados.
Todos foram acusados de não pagar impostos, mas o caso foi encerrado e os demais libertados. Menos ela, que se recusou a assinar um pedido de clemência. Desde então a jornalista vem sendo mantida em uma penitenciária em Minsk.
Ela também foi acusada de ter “preparado, editado, corrigido várias declarações e apelos” em nome do Conselho de Coordenação, um órgão não governamental bielorrusso criado em 2020 pela líder da oposição Sviatlana Tsikhanouskaya, exilada na Lituânia.
Prisão por “conspiração” contra a Bielorrúsia
Ao enviar o processo de Ksenia Lutskina para o Supremo Tribunal Federal, em julho, o Gabinete do Procurador-Geral da Bielorrúsia disse em um comunicado que “no cumprimento de um plano criminoso, ela estava envolvida na criação de uma “televisão interativa bielorrussa pública”, cujo objetivo é ocultar e distorcer fatos reais, aumentar a atividade de protesto, estimular uma divisão na sociedade bielorrussa e formar uma opinião negativa entre as pessoas sobre as atividades dos órgãos estatais”.
Além disso, o procurador afirmou que a jornalista atuou para desestabilizar a situação política, social, econômica e informacional do país ao colaborar com as atividades do Conselho de Coordenação.
Ele argumentou que “o estudo dos materiais do processo criminal mostrou que a investigação preliminar foi realizada de forma abrangente, completa e objetiva”, pedindo a condenação confirmada pelo tribunal nesta quarta-feira.
Riscos para a saúde da jornalista na prisão da Bielorrússia
Em 2021, Aleg Lutskin, pai do jornalista denunciou que a Comissão de Investigação lhe negou três vezes ver sua filha, cuja saúde se deteriorou muito.
“Ela estava se sentindo bem, fazia check-up todo ano. Mas ao longo de vários meses na prisão, o tumor teve um crescimento significativo.
Ela fez uma ressonância magnética duas vezes, em maio e julho. Os resultados mostram que o tumor cresceu. Ela precisa de aconselhamento médico profissional, queremos que ela seja levada ao centro de neurologia e neurocirurgia para entender o que fazer a seguir.”
Ele revelou que ela tem fortes dores de cabeça e precisa tomar analgésicos, que ele leva todas as segundas-feiras.
Entre as personalidades que se manifestaram contra a condenação está Sviatlana Tsikhanouskaya.
Pelo Twitter, ela se disse triste, salientou a condição médica da “brava jornalista” e afirmou que assim como outros presos, Lutskina são queria dizer a verdade. “Mas para ditadores, a verdade é inimiga”, lamentou.
I am saddened by the news that brave journalist Ksenia Lutskina was sentenced to 8 years in prison. She has a brain tumor & her health is suffering in prison. Like other imprisoned journalists in Belarus, she only wanted to tell the truth. But for dictators, truth is the enemy. pic.twitter.com/8cZYbN27IM
— Sviatlana Tsikhanouskaya (@Tsihanouskaya) September 29, 2022
O Comitê para Proteção dos Jornalistas criticou a sentença de prisão para a jornalista da Bielorrússia.
“O veredicto severo contra a ex-jornalista da TV estatal Ksenia Lutskina mostra a crueldade das autoridades bielorrussas para com aqueles que relataram a repressão nacional após os protestos antigovernamentais de 2020”, disse Gulnoza Said, coordenador do programa Europa e Ásia Central do CPJ, em Nova York.
“As autoridades bielorrussas devem libertar Lutskina, juntamente com todos os outros membros da imprensa presos, e deixar a mídia trabalhar livremente.”
Em maio, um tribunal da Bielorrússia condenou a jornalista russa Sofia Sapega a seis anos de prisão.
Ela era namorada de Roman Protasevich, editor do canal de notícias Nexta, que se transformou no principal meio de comunicação para mobilizar os bielorrussos nos protestos de agosto de 2020 via Telegram.
Os dois foram presos dentro de um avião quando retornavam da Grécia para a Lituânia, em maio de 2021. Agentes bielorrusos obrigaram o piloto a pousar em Minsk.
Protasevich até hoje não foi julgado, e as últimas notícias são de que estaria em prisão domiciliar.
Em julho, Sapega escreveu uma carta a Aleksander Lukashenko pedindo perdão pelos atos, mas não há notícias de mudanças em sua situação jurídica.
Leia também | Dois anos após reeleição controvertida de Lukashenko, 30 jornalistas seguem presos na Bielorrússia