Londres – Cenas preocupantes como incêndios, enchentes, escassez de água e geleiras derretendo e também a esperança de vida alimentada por animais que aprenderam a sobreviver ao avanço das cidades sobre seus habitats estão entre as imagens finalistas do concurso de fotografia profissional Sony World Photography Awards 2023, que acaba de divulgar a seleção das melhores do ano.
Realizado em conjunto com a Organização Mundial de Fotografia, a competição recebeu mais de 415 mil imagens de 200 países e territórios – o maior número de inscrições já registrado na história do prêmio.
Fotos classificadas para concorrer ao prêmio principal e destacadas pelos jurados nas categorias Meio Ambiente, Paisagem e Vida Selvagem x Vida Urbana retratam ameaças ao planeta, soluções para reverter a crise da mudança climática e a animais que resistem às transformações do planeta.
Cidades se tornaram selvagens, por Corey Arnold, USA
O fotógrafo Corey Arnold é um dos finalistas no concurso, com uma série registrando ursos negros, coiotes e guaxinins resistindo ao crescimento das cidades, enquanto outros animais estão desaparecendo.
O fotógrafo acompanhou esses animais em cidades dos EUA e retratou uma visão mais íntima de como a vida selvagem está se adaptando à urbanização.
O coiote da foto encontrou um espaço para uivar como se estivesse em plena floresta, sem se importar com os prédios e luzes da cidade ao fundo.
Os temidos ursos se aproximam cada vez mais das pessoas, e são bem-vindos. Arnold capturou o momento em que dois deles visitam o quintal de uma residência e interagem com a moradora – que por via das dúvidas preferiu ficar protegida pela porta de vidro.
Na categoria Meio Ambiente do concurso de fotografia, retratos das mudanças climáticas
O rio moribundo, por Jonas Kakó, Alemanha
O rio Colorado já se estendeu por mais de 2 mil quilômetros, das Montanhas Rochosas ao Golfo da Califórnia, cortando o oeste dos Estados Unidos. Mas foi secando e não chega mais ao delta.
A agricultura extensiva e o desvio de água para as áreas metropolitanas provocaram essas mudanças, além de represas, enormes sistemas de canais e cidades em crescimento no deserto.
A imagem feita no Arizona em novembro de 2021 mostra que o nível da água do Lago Mead diminuiu drasticamente nos últimos anos.
Hoje, mais de 44 milhões de pessoas dependem da água do rio Colorado, mas menos neve nas montanhas intensifica a luta por ela. Agricultores têm que declarar falência e investidores compram fazendas para obter direitos sobre a água.
Antonia Torres Gonzáles aparece nas margens do Colorado perto de El Mayor, México. Ela teme que, com desaparecimento do rio e de seus peixes, as tradições do povo Cucapá (povo da água) também se percam.
Os jovens da tribo se mudam em busca de emprego, mas ela tenta preservar sua cultura ensinando o trabalho com contas e rituais para as novas gerações.
Miruku, por Marisol Mendez (Bolívia) e Federico Kaplan (Argentina)
A série Miruku retrata os Wayuus, uma população indígena de La Guajira, deserto costeiro da Colômbia.
O projeto da dupla de fotógrafos examina como uma combinação de mudança climática e negligência humana levou a comunidade a experimentar escassez de água.A imagem mostra um grupo de crianças Wayuu em Polumacho com Emilio, o líder da aldeia, em novembro de 2021.
“No momento não temos água suficiente. A água que temos não podemos usar para beber. Os tempos de seca sempre foram difíceis. Isso acontece nos meses de janeiro, fevereiro, daí por mais uns três ou quatro meses. Se durante o ano não chover, é muito difícil”, conta Emílio.
O aquecimento global agrava o problema, causando secas e fome, e estragando as instalações que ajudam a obter água potável, salientam os autores da série.
Na foto Nina, de 7 anos, uma menina de Polumacho, exibe os adesivos que ganhou por completar suas atividades. No lado direito um pássaro morto na porta de uma casa em Pesuapa.
Para as comunidades Wayuu, as mulheres são autoridades, artesãs, cuidadoras, provedoras – e, em última instância – defensoras da água. Muitas mulheres Wayuu viajam por horas para buscar água em poços ou aquíferos naturais chamados ‘jagüeyes’.
Distopia verde por Axel Javier Sulzbacher, Alemanha
O fotógrafo alemão Axel retratou em seu projeto o impacto ambiental da popularidade do abacate, que explodiu nas últimas décadas, com o ônus da crescente demanda recaindo principalmente sobre o estado mexicano de Michoacán.
A alta demanda internacional levou a plantações mais extensas e numerosas, com florestas derrubadas ilegalmente para plantar mais abacates.
Isso aconteceu porque mais de 300 mil empregos dependem direta ou indiretamente da produção e comercialização dessa fruta na região, que gera uma receita anual de US$ 2,5 bilhões.
Nas fábricas que embalam abacates, como esta da foto em Aztecavo, o trabalho é feito em turnos, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Michoacan é a única região do mundo onde os abacates podem ser colhidos o ano todo.
Em 2021, Michoacán produziu cerca de 1,8 milhão de toneladas da fruta e os cartéis de drogas agora são atraídos pelo potencial de receita do comércio de abacate.
Com o aumento da violência, o governo teve que enviar militares para manter a ordem. Em meados de 2022, as exportações para os Estados Unidos – o maior consumidor da fruta – tiveram que ser interrompidas temporariamente.
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Poluição, escassez de água e neutralidade climática
Além das quatro séries finalistas, o júri do prêmio de fotografia selecionou outras imagens que representam efeitos da ação do homem e das mudanças climáticas sobre o planeta.
Antártica da Índia por Haider Khan, Índia
A imagem foi feita em Kishangarh, no estado de Rajasthan, a 90 quilômetros da cidade de Jaipur.
Diante do desafio de descartar os resíduos de mármore, a Corporação de Investimento e Desenvolvimento Industrial do Estado de Rajasthan e a Kishangarh Marble Association (associação dos produtores) decidiram armazená-los em uma área específica. A pilha acabou tomando a forma de uma colina nevada e uma planície branca.
A economia de Kishagarh depende do mármore, mas a pasta que sobra no processamento é um perigo ambiental, principalmente depois da seca. A poeira enfraquece o sistema imunológico e causa doenças respiratórias.
Enquanto em outros lugares minas foram fechadas, neste local os operadores criaram uma atração que virou ponto turístico e cenário de filmes.
O fino pó de mármore causa doenças respiratórias em áreas residenciais próximas, além de afetar a flora e a fauna. A poeira também se tornou um risco à segurança nas rodovias onde é despejada, pois cria problemas de visibilidade quando está seca e no ar, e torna as estradas escorregadias quando está molhada.
Željezara, por Lasse Branding, Alemanha
Mostrar os efeitos da poluição na cidade de Zenica, na Iugoslávia, foi o objetivo de um dos projetos destacados pelo júri do concurso de fotografia profissional Sony Photography Awards.
A cidade desenvolveu-se como um centro de aço e carvão, tornando-se um dos pólos exportadores mais importantes do país e uma das maiores fabricantes da Europa.
Mas após a privatização e o declínio econômico da Bósnia depois da guerra da Iugoslávia, o número de funcionários diminuiu e a produção nunca voltou ao nível anterior da guerra.
Ainda assim, o país tem a quinta maior incidência de mortes por poluição do ar no mundo, enquanto as taxas de doenças pulmonares também estão entre as mais altas.
Em Zenica, muitas pessoas sofram de problemas respiratórios e câncer. Os moradores da cidade se opõem à manutenção rudimentar da fábrica e exigem uma melhoria na proteção ambiental.
No entanto a fábrica continua sendo o maior empregador da cidade e um importante pilar do sistema econômico da Bósnia. “O destino de ambos estão ligados: a decadência de uma significa a decadência da outra”, diz Branding.
Estima-se que 90% da população de Zenica seja muçulmana. Durante o mês de jejum do Ramadã, muitos dos residentes da cidade caminham juntos pelas montanhas ao redor da cidade e quebram o jejum após o pôr do sol. O iniciador das caminhadas, Afan Abazovic, chama isso de ‘Iftar Hiking’.
Pastos de areia, por Bruno Zanzottera, Itália
A série de Zanzottera destacada pelo júri do prêmio de fotografia mostra como a seca tornou mais difícil para os pastores nômades Kuchi do Afeganistão usarem as pastagens disponíveis nos últimos anos.
Isso gerou tensões com outro grupo nômade, os Hazara. Em algumas áreas os Kuchi agora só podem trazer seus rebanhos, mas não suas tendas.
A imagem mostra um pastor Kuchi-Baranghi conduzindo seu rebanho das pastagens Shiwa no norte de Badakhshan, em direção às planícies da província de Kunduz.
As famílias costumavam passar o verão inteiro neste local, mas agora começam a sair entre o final de julho e início de agosto devido ao esgotamento dos pastos.
Shirin Aigha e Bismillah, dois meninos Kuchi-Farjayan, buscam água para os rebanhos de sua família na província de Kunduz, no norte. Devido à seca, eles tiveram que comprar água de caminhões-tanque e armazená-la neste pequeno lago caseiro que construíram.
Novos caminhos para o futuro, por Simone Tramonte, Itália
“A mudança climática é a maior ameaça que o mundo enfrenta atualmente. O desafio exige que mudemos nossa perspectiva e redesenhemos a humanidade, para que ela não esteja mais separada de seu ecossistema, mas unida ao planeta que habita”, disse a fotógrafa.
Localizada na periferia industrial de Copenhague, na Dinamarca, a Amager Bakke é uma usina combinada de geração de resíduos de calor e energia.
A usina não é apenas a instalação de conversão de resíduos em energia mais limpa do mundo, mas também abriga uma área recreativa com pista de esqui, a parede de escalada mais alta do mundo e trilhas para caminhadas. A usina atende 680 mil pessoas e recebe resíduos de até 300 caminhões todos os dias.
O parque eólico offshore Middelgrunden de Amager Strand é uma praia muito popular em Copenhague.
Ele está produzindo eletricidade para mais de 40 mil residências em Copenhaguen. Os cidadãos dinamarqueses desempenharam um papel importante em transformar o país em uma forte nação movida a energia eólica. Hoje, 14,4% do consumo de eletricidade da Dinamarca é fornecido pelo vento.
O lago perdido, por Fatma Fahmy, Egito
Este projeto selecionado pelo jurados do concurso de fotografia aborda a vida dos pescadores que residem na aldeia de Ezbat Soliman, perto do Lago Qarun, e como a poluição do lago os afeta.
O Lago Qarun, localizado em Fayoum, no sudoeste do Egito, é um dos mais antigos do mundo, contendo fósseis com milhões de anos. Durante a era dos faraós, as inundações o abasteciam com água doce do rio Nilo, mas desde o início do século 20 ele se tornou cada vez mais salino.
Darabala Abdel Hadi, 61 anos, posa para um retrato na margem do lago Qarun. Eletrabalhou com o pai por 20 anos como pescador, mas quando os estoques de peixes diminuíram drasticamente devido à poluição severa, ele foi forçado a abandonar Ezbat Soliman e se mudar para a vila de Abu Simbel, no sul do Egito.
Duas crianças posam para uma fotografia no Lago Qarun. No verão, muitas pessoas vêm de Fayoum, Beni Suef e Gizé para se banhar no local, mas a maioria desconhece os perigos causados por esgoto não tratado, águas residuais agrícolas e resíduos industriais.
Para piorar, uma infecção parasitária se espalhou por todo o lago, o que afetou negativamente a produção e a qualidade do pescado, prejudicando a comunidade pesqueira de Fayoum. O número de barcos de pesca que operam no local diminuiu de 605 para apenas 10.
Guardiões das geleiras, por Angela Ponce, Peru
O gelo constitui a segunda maior fonte de água doce do planeta, e 70% das geleiras tropicais do mundo encontram-se no Peru.
Localizada em Cusco, a calota de gelo Quelccaya é a maior geleira tropical do planeta, cobrindo uma área equivalente a mais de 9 mil campos de futebol.
No entanto, devido ao derretimento acelerado, ele está recuando 60 metros por ano e alguns estudos determinaram que ele desaparecerá nos próximos 30 anos se as emissões globais de gases de efeito estufa não forem reduzidas.
“As ondas de frio são muito mais difíceis de suportar agora, com as temperaturas caindo por causa das mudanças climáticas. Quase não chove, não tem água, os animais morrem, é preocupante nas alturas dos Andes”, diz um dos anciãos da comunidade, posando para um retrato em sua cabana em Cusco, no Peru.
Teresa observa a calota de gelo nevada, enquanto se lembra de seu pai. “Meu pai sempre fez oferendas para a montanha nevada. Ele me disse que seria o fim do mundo quando a neve derretesse”. Para muitos habitantes locais, as montanhas são sagradas e consideradas deusas.
O degelo não só ameaça a continuidade da vida nas comunidades andinas, mas também coloca certas espécies em risco de extinção, já que essas áreas são habitadas por uma variedade de animais aquáticos e terrestres.
Paisagens mostram inundações, desertificação e incêndios
Em tempos de mudança climática, nem todas as fotos de paisagem são bucólicas.
O júri da categoria Paisagens do concurso de fotografia selecionou imagens para concorrerem ao prêmio principal e destaques entre os trabalhos inscritos que mostram inundações no Sudão do Sul, as tentativas de salvar a geleira Presena, na Itália, desertificação do Saara, erupção vulcânica e incêndios florestais.
Perdas e danos, por Fabio Bucciarelli, Itália
A série produzida pelo fotógrafo italiano retrata as inundações no Sudão do Sul. O país tem sido atormentado pela violência política e pela instabilidade desde sua independência do Sudão, em 2011. E agora está passando por grandes inundações pelo quarto ano consecutivo.
Nas aldeias, a maioria das casas é construída com palha de madeira e lona plástica, o que agravou ainda mais as consequências das enchentes.
A foto mostra um tukul, casa típica no Sudão do Sul, perto de Mayendit, estado de Unity. Inundações sem precedentes submergiram grandes áreas do país e deslocaram centenas de milhares de pessoas.
Desde 2019, a crise climática aumentado a intensidade das chuvas, provocando destruição de casas, propriedades, plantações, gado, escolas e centros de saúde, além de danos a estradas e pontes.
A imagem mostra um carro submerso pelas águas da enchente em Mayendit, uma das muitas aldeias que desaparecem debaixo d’água. Em 2020, mais de 12 mil pessoas viviam lá, mas nos últimos dois anos cerca de dois terços delas partiram, tornando-se deslocados internos.
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Pano, por Francesco Merlini, Itália
Em 2021, algo inusitado aconteceu nas montanhas próximas ao desfiladeiro de Tonale, na Itália: elas foram cobertas por centenas de metros de lençóis brancos, que brilhavam sob os raios do sol e tremulavam como velas a cada rajada de vento.
O motivo foi uma tentativa de salvar a geleira Presena, que fica na fronteira entre a Lombardia e o Trentino-Alto Adige.
Este tipo de cobertura é utilizado em estações de esqui na Itália, França, Áustria e Alemanha. Nesta geleira, a superfície dos lençóis aumentou de 20 mil m² para 100 mil m² em pouco mais de uma década.
Mesmo com essa proteção, o derretimento não dá sinais de diminuir e segue em ritmo cada vez mais acelerado.
Desertificação: Fantasmas de um Saara Verde, por Nicholas Holt, Reino Unido
Oito mil anos atrás, uma mudança na inclinação do eixo da Terra transformou um local verde e fértil em uma paisagem mineral de poeira, rocha e areia.
A série ‘Fantasmas de um Saara Verde’ examina os vestígios desta terra outrora verde através dos fenômenos geológicos, geográficos e históricos que permanecem no Deserto do Saara hoje.
A imagem mostra uma nuvem de poeira no Saara argelino.
E a lava levou, por Cesar Dezfuli, Espanha
O trabalho do fotógrafo espanhol Dezfuli documenta a erupção vulcânica na Ilha de La Palma, nas Ilhas Canárias, que começou em setembro de 2021 e durou 85 dias.
O fenômeno destruiu milhares de casas, desalojando mais de 10 mil pessoas. Cobriu grandes áreas com cinzas, sendo a cidade de Las Manchas uma das mais afetadas, com muitas casas soterradas.
A foto retrata um um campo de futebol em Las Manchas parcialmente enterrado pelas cinzas em La Palma, em 21 de janeiro de 2022.
“Documentei a realidade da ilha e a transformação do local um mês após o fim da erupção do vulcão”, contou o fotógrafo.
Ele também registrou do alto a lava que fluiu do vulcão.
Paisagem queimada, por Brais Lorenzo Couto, Espanha
Os incêndios florestais na Espanha entre 2012 e 2022 foram o tema do ensaio fotográfico de Brais Couto, destacado entre os melhores do concurso de fotografia.
A foto dá a dimensão da área queimada no incêndio que devastou mais de 10,5 mil hectares na região de Valdeorras, na Galícia, noroeste da Espanha. Este incêndio é considerado o mais grave da história da província de Ourense e o segundo da Galiza.
Foram mais de 500 hectares queimados, um aumento de 10% em comparação com a década anterior. A comunidade científica relaciona os incêndios de grandes proporções com as mudanças climáticas e os qualifica como incêndios de sexta geração, contra os quais os bombeiros dificilmente podem fazer algo.
Couto registrou também um dos incêndios florestais mais devastadores da história da Espanha, que destruiu 28 mil hectares na Sierra de la Culebra. O cemitério imagem do cemitério na cidade de Otero de Bodas ficou isolado em meio à vegetação queimada.
As imagens foram divulgadas pela organização do concurso de fotografia Sony World Photography Awards e não podem ser reproduzidas.
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