Apesar das evidências científicas sobre a necessidade de ações efetivas para conter a crise das mudanças climáticas, uma parte da mídia continua adotando uma retórica que ridiculariza, estigmatiza ou desacredita o ativismo, tratado como “histeria climática” ou “terrorismo climático”.
É o que mostra um levantamento feito pela organização não-governamental americana ISD (Institute for Strategic Dialogue), mostrando que meios de comunicação alternativos escolhem palavras enganosas e às vezes tóxicas para sua cobertura climática.
Termos como “terrorismo climático” estão em 35% das manchetes da mídia alternativa e em 8% das notícias em veículos de comunicação tradicionais, uma diferença que mostra o tratamento menos equilibrado e mais extremista.
A conclusão foi alcançada após análise de mais de 8 mil notícias relacionadas ao clima publicadas em meios de comunicação em inglês, alemão e francês.
O ISD coletou eletronicamente reportagens cujas manchetes continham palavras-chave relacionadas ao clima ou ao ativismo climático. Isso foi feito usando um recurso que busca URLs de notícias de feeds RSS associados a fontes de mídia.
Os pesquisadores desenvolveram então dicionários personalizados baseados em palavras-chave para classificar as matérias por narrativas de “ativismo anticlima”: histéricos climáticos, terroristas climáticos e elites climáticas.
‘Terrorismo climático’ aparece em 418 manchetes
O ISD descobriu que 1.027 manchetes traziam palavras-chave de pelo menos uma narrativa de ‘ativismo anticlima’.
Os meios alternativos foram os que mais usaram o recurso, com 35%. Mas o levantamento mostrou que 65% das reportagens restantes ainda desacreditavam amplamente a necessidade de ação climática, incluindo desinformação sobre supostas ‘reparações climáticas’ e ‘benefícios indevidos’, como ajuda para a China.
Foram encontrados ainda ataques específicos contra a congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez por seu documentário sobre mudanças climáticas.
Algumas manchetes que não foram capturadas por palavras-chave também apresentavam formas sutis de ridicularizar ou desacreditar ativistas, como os que recebem financiamento do Climate Emergency Fund, uma organização ambientalista de doações cofundada pela filantropa americana Aileen Getty, neta do magnata do petróleo J. Paul Getty.
O termo “histeria climática” foi o mais usado, aparecendo em 499 manchetes, seguido por “terrorismo climático”, em 418. “Elites climáticas” apareceu em 175 notícias entre as analisadas.
O estudo também mostra que termos pejorativos foram usados para descrever ativistas, por exemplo, em protestos em museus onde obras de arte foram desfiguradas.
As manchetes em inglês descreviam os ativistas como “idiotas”, “loucos” ou “malucos”, além de dizer que eles estavam exagerando sobre os impactos das mudanças climáticas.
Leia também | Mudança climática: jornalista americano reflete sobre como cobrir ‘um presente que em nada se parece com o passado’
Mídias de direita se destacam
Os veículos de direita e centro-direita tiveram a maior parcela de manchetes relacionadas a qualquer uma das narrativas de “ativismo anticlima”. Em muitos casos, as manchetes citavam políticos, promotores públicos, policiais ou serviços de inteligência.
Por exemplo, as manchetes em alemão citaram amplamente Friedrich Merz, líder do partido conservador CDU, que chamou os ativistas de “criminosos”, alimentando apelos para uma criminalização geral do ativismo climático.
Entre os exemplos citados pelo estudo, as mídias mais alinhadas à direita se destacaram entre as que tentam descredibilizar ativistas climáticos.
O canal alternativo InfoWars alegou que um “culto climático [está] nos levando à Terceira Guerra Mundial”, baseando-se em reivindicações mais amplas sobre a mudança climática como uma “religião politicamente correta”.
O InfoWars pertence ao conspiracionista Alex Jones, condenado em 2022 por ter acusado o massacre da escola Sandy Hook, que deixou 26vítimas, como farsa encenada.
Leia também | Conspiracionista Alex Jones é condenado a pagar R$ 5,1 bi por fake news sobre massacre em escola
O jornal The Washington Times intitulou um artigo de “Culto climático encontra loucura de reparações”, enquanto o tabloide The Sun chamou os manifestantes de “culto do juízo final”.
Ativistas climáticos voltando sua atenção para museus e galerias de arte no final de 2022 desempenharam um papel proeminente na evolução da narrativa da “histérica climática”.
Quando o grupo Última Geração jogou farinha no trabalho de Andy Warhol em Milão, as manchetes, por exemplo, enquadraram a façanha como “mais idiotas” sendo “permitidos danificar a arte inestimável”.
Na mídia alemã , o termo ‘Klima-Kleber’ (coladores climáticos) estava entre os mais usados, com mais de 200 menções em veículos alternativos e convencionais.
Embora a expressão descreva o fenômeno de ativistas se colarem a ruas ou objetos, ela vem com uma percepção jocosa.
Meios de comunicação alternativos promoveram tal retórica, referindo-se aos ativistas como “Klima-Kleber-Trottel” (tolos coladores do clima), “Klima-Kröten” (sapos do clima) ou “Klima-Sektierer” (cultistas do clima).
Na França, a BFMTV referiu-se aos protestos como “une blast de crétins” (explosão de idiotas), citando Andréa Kotarac, uma política do partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional.
Leia também | Análise | Ativismo ambiental ‘cortês’ pode não ser a solução para a crise das mudanças climáticas
O Le Figaro referiu-se a “marchands de peur” (fomentadores do medo) em uma reportagem sobre Steven Koonin, um cético do clima que afirma que o debate sobre a mudança climática foi desviado pelo “consenso científico” no campo acadêmico.
De um total de 418 manchetes de mídia relacionadas à narrativa dos “terroristas climáticos” em todos os idiomas, a maioria (cerca de 80%) foi publicada por veículos de língua alemã.
Por exemplo, o canal alternativo Compact sugeriu que um ex-terrorista “elogiou os extremistas climáticos”, citando um artigo de um ex-membro da RAF , grupo terrorista que atuou nos anos 70 e 80, publicado no canal de esquerda TAZ.
O artigo original, no entanto, argumentou que não há “RAF climático” e que a indignação pública não é justificada.
Leia também | Alemanha processa Telegram por avanço da extrema direita e de teorias conspiratórias no aplicativo
Acidente inflamou manchetes anti-ativismo
As manchetes da mídia alternativa e convencional também usaram amplamente a morte acidental de um ciclista em Berlim para enquadrar os manifestantes como extremistas implacáveis.
O caso aconteceu próximo a um bloqueio de estrada organizado pelo Última Geração, embora o protesto não tenha causado o acidente.
Essa versão alemã se infiltrou na mídia em francês e inglês. Uma manchete francesa perguntou se os ativistas climáticos tinham sangue nas mãos.
O canal alternativo Fdesouche.com (francês) comparou implicitamente ativistas climáticos com o movimento identitários.
O canal alternativo Breitbart, em inglês, também citou uma entrevista com o filho de uma vítima assassinada da RAF alertando sobre a radicalização de ativistas, originalmente publicada nos principais veículos alemães .
Enquanto isso, o jornal britânico Daily Mail chamou os ativistas de “seita criminosa ecoterrorista” que causaria “inúmeras mortes”.
Imprensa começou a pedir ‘penas duras’ para o que chamam de ‘terroristas climáticos’
Para reforçar a posição contra os ativistas, parte dos meios de comunicação avaliados pelo estudo começaram a falar em penas mais duras para os que chamam de “terroristas climáticos”.
As principais manchetes noticiaram amplamente pedidos de “detenção preventiva” e listando grupos climáticos como “organizações criminosas”.
Em operações policiais contra a Última Geração na Alemanha, veículos alternativos compararam ativistas a partidários do ‘Reichsbürger’ , um movimento extremista que planejou um golpe contra o governo alemão.
Um número considerável de manchetes (175 no total) em todos os idiomas relacionava o ativismo climático com a noção de “elites globais hipócritas”. O ISD descobriu que as “elites climáticas” foram principalmente citadas por meios alternativos de língua inglesa, com cerca de 70 por cento do total de histórias relatadas.
A mídia em língua alemã, tanto mainstream quanto alternativa, também reiterou afirmações sobre as “elites climáticas”.
Veículos alternativos alegaram ainda “censura climática”, incluindo reivindicações conspiratórias sobre um “plano mestre transumanista”.
Os veículos de língua francesa adotaram um enquadramento mais político, chamando os ativistas climáticos de “militantes écolo-pastèques” (ambientalistas de melancia, verde por fora, vermelho por dentro) ou “écolo-gauchistes” (eco-esquerdistas).
A retórica sugere que os ativistas climáticos se apropriaram de preocupações ambientais para promover ideias socialistas ou comunistas, que por sua vez reiteram conotações negativas.
Também apresenta a ação climática como uma preocupação ligada exclusivamente a uma ideologia política de extrema esquerda.
Leia também | Especial | Como a COP27 repercutiu no mundo e sua influência nos rumos da ação climática