bLondres – Em mais uma decisão surpreendente do imprevisível dono do Twitter, o bilionário Elon Musk, a plataforma removeu todas os rótulos aplicados para sinalizar mídias estatais ou financiadas por governos, que tinham virado alvo de protestos e boicotes nas últimas semanas.
Dessa forma, a rede social colocou em pé de igualdade veículos notórios pela difusão de propaganda política, como os da China e Rússia, e redes de serviço público sem ingerência editorial direta do Estado, como as premiadas BBC e DW, da Alemanha, reconhecidas por seu bom jornalismo.
Nenhuma das contas agora é sinalizada, deixando os usuários do Twitter que não tenham tanta familiaridade com o universo do jornalismo acreditarem que informações postadas em qualquer uma delas são igualmente confiáveis.
Twitter adotou sinalização para mídias estatais antes de Musk
A decisão veio ao mesmo tempo em que o selo azul de autenticidade de contas de personalidades como o Papa Francisco e o ex-presidente Donald Trump foi removido, passando a ser concedido apenas mediante pagamento.
A sinalização de “mídia afiliada ao Estado” era adotada para as redes de países com regimes autoritários antes de o bilionário Elon Musk comprar o Twitter por US$ 44 bilhões, em outubro de 2022, como forma de combater a propaganda e desinformação na plataforma.
Uma página do Twitter descrevendo o que a plataforma entende como “mídia estatal” diz:
A definição de mídia afiliada ao Estado é a seguinte: agências em que o Estado exerce controle sobre o conteúdo editorial por meio de recursos financeiros, pressões políticas diretas ou indiretas e/ou controle sobre produção e distribuição. Ao contrário da mídia independente, a mídia afiliada ao Estado usa com frequência a cobertura de imprensa como forma de promover uma pauta política.
Desde a aquisição, a rede social mais influente nos círculos políticos e jornalísticos mergulhou em uma espiral de crises que deteriorou sua saúde financeira e valor de mercado, o que foi admitido pelo próprio Elon Musk em conversas com funcionários.
E as decisões parecem ser tomadas unicamente por Musk, sem muito planejamento ou debate interno – algo que se tornou difícil depois que ele demitiu boa parte da força de trabalho e as principais lideranças.
Isso explica a aparente contradição entre o que diz a política e a decisão de tratar da mesma forma empresas tão diferentes.
Mas o “liberou geral” é coerente com o que ele disse quando comprou o Twitter, em 28 de outubro de 2022: “o pássaro está livre”.
O que disse Elon Musk
Nas últimas semanas, Elon Musk rompeu o isolamento e passou a dar entrevistas a veículos selecionados, começando pela BBC, um dos alvos do selo de mídia estatal.
Na conversa com James Clayton, repórter de tecnologia da rede britânica nos EUA, Musk disse que mudaria o rótulo da BBC de mídia “financiada pelo governo” para “financiada publicamente”.
A BBC tem suas receitas oriundas de seu braço de produção comercial (documentários, séries, reality shows vendidos para todo o mundo), e de uma taxa paga pelas residências britânicas para assistir aos canais.
A taxa é aprovada pelo governo, mas não sai diretamente dos cofres públicos.
E a emissora vive uma crise financeira justamente pelo fato de o Partido Conservador, que comanda o país, se sentir atacado pelo jornalismo da BBC, um sinal de que ela não está alinhada ao discurso do governo.
Isso contraria o entendimento de ‘promoção de pauta política”.
Em outros países da Europa, emissoras de TV e rádio classificadas como de serviço público são financiadas por fundos definidos por lei e aprovados pelos parlamentos dos países – e frequentemente criticam seus governos.
Já as redes de países como Rússia e China, as mais bem articuladas e disseminadas pelo mundo, endossam inteiramente atos do governo, como a invasão da Ucrânia e violações dos direitos humanos, limitando-se a reproduzir o discurso oficial.
Entre os que deixaram de ser rotulados estão a agência Xinhua da China, a CGTN, o Global Times e a RT da Rússia, banida em vários países.
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Revolta pelo rótulo de financiada pelo Estado
A decisão de rotular empresas de mídia não administradas por empresas privadas como estatais ou financiadas pelo Estado fez com que as americanas PBS e NPR anunciassem a decisão de suspender postagens no Twitter, em forma de protesto pelo que julgaram ato que colocava em questão sua independência editorial.
As duas fixaram postagens no alto de seus perfis indicando as outras redes sociais onde continuam atualizando notícias.
Posteriormente, Musk admitiu via Twitter que a decisão foi um erro, admitindo que “pode não ser preciso” descrever a NPR como mídia estatal.
Na segunda-feira, a emissora de rádio pública da Nova Zelândia também tinha ameaçado deixar o Twitter depois de afirmar que o rótulo “financiado pelo governo” sugeria erroneamente que o governo da Nova Zelândia exercia influência sobre seu conteúdo editorial.
Elon Musk não comentou a mudança de rumo em sua conta no Twitter, atualmente a única forma de obter informações sobre as decisões da plataforma.
Desde março, jornalistas que escrevem para a assessoria de imprensa da empresa passaram a receber uma resposta que não serve muito para esclarecer os fatos e informar ao público: um emoji de cocô.
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