Londres – O Clube dos Correspondentes Estrangeiros na China (FCCC, na sigla em inglês), acaba de publicar seu relatório anual documentando os instrumentos utilizados para restringir o trabalho da imprensa estrangeira, realizado a partir de uma pesquisa com os profissionais que atuam no país em que a censura é institucionalizada e o jornalismo é controlado pelo Estado. 

A limitação de vistos continua sendo a principal ferramenta das autoridades chinesas para impedir que jornalistas estrangeiros façam reportagens no país: mais da metade dos veículos de imprensa pesquisados (56%) recebeu resposta negativa a pedidos de vistos para correspondentes em 2022.

Embora a situação tenha melhorado em relação a 2021 devido  a medidas pontuais, como o acordo entre China e EUA que resultou na concessão de nove vistos a jornalistas americanos, o FCCC diz que os atrasos na liberação continuam a ser um grande gargalo.

“Sem vistos, as empresas jornalísticas não conseguem alocar pessoal, limitando o escopo da cobertura e reduzindo a quantidade de reportagens.”

A covid-19 virou justificativa para restringir viagens e acesso a locais onde a população realizava protestos depois do surto de 2022.

O relatório aponta que 46% dos jornalistas foram impedidos pelas autoridades de fazer reportagens em campo sob alegação de saúde e segurança, apesar de não apresentarem “nenhum risco à saúde pelos próprios padrões da China”. 

“O ano de 2022 foi de longe o mais difícil que tivemos em termos de reportagens na China. Só conseguimos fazer uma viagem para fora de Pequim, apesar de termos adicionado um novo correspondente à nossa equipe”, disse Jonathan Cheng, chefe da sucursal do Wall Street Journal no país. 

Katell Abiven, chefe da Agence France-Presse em Pequim, relatou as mesmas dificuldades: 

“As restrições da covid, sobretudo para viajar de uma província para outra, complicaram nossa cobertura, principalmente durante os protestos de novembro.

Não pudemos enviar nenhuma equipe para Wuhan por causa da quarentena imposta na chegada e o fato de muitos hotéis não aceitarem hóspedes de outras províncias”

Todos os 102 correspondentes que participaram da pesquisa do FCCC afirmaram que a China não atendeu aos padrões internacionais de liberdade de imprensa e reportagem no ano passado.

Censura indireta na China 

Embora não tenha meios para praticar censura direta ao conteúdo produzido pelos correspondentes estrangeiros, o país usa recursos para amedrontar e restringir o trabalho dos profissionais de outros países, incluindo contatos com as redações principais: 18% dos entrevistados disseram que os editores da sede foram contatados pelo governo sobre suas matérias a respeito da China.

Um editor de um jornal ocidental que preferiu não se identificar disse ao FCCC que as autoridades chinesas passaram por cima de seus chefes em seu país de origem para tentar impedir uma reportagem investigativa.

A vigilância física é uma prática comum, como relatado por 57% dos jornalistas estrangeiros, que disseram ter sido “visivelmente seguidos” enquanto faziam reportagens. 

Mais de 8 em cada 10 (85%) correspondentes estrangeiros temem que suas comunicações no WeChat, equivalente chinês ao WhatsApp, tenham sido monitoradas.

E 36% acham que suas contas de internet possam ter sido comprometidas (36%).

Apenas 8% dos entrevistados disseram que o medo da vigilância não afetou sua capacidade de conduzir matérias que denunciam questões sensíveis para a China, enquanto pouco mais da metade (51%) disse que esse medo afetou um pouco suas denúncias e 41% disseram que a prática atrapalhou significativamente sua capacidade de fazer reportagens de forma adequada. 

Fontes com medo de jornalistas

Acessar fontes chinesas também é cada vez mais difícil: no ano passado, mais de dois terços dos correspondentes (78%) foram informados por potenciais entrevistados que não tinham permissão para falar ou de que precisavam de autorização prévia.

E 38% disseram que pelo menos uma de suas fontes foi assediada pelo Estado. 

Para evitar reportagens independentes, as autoridades chinesas perseguem e intimidam os mais vulneráveis ​​à coerção política: as fontes chinesas.

Em casos extremos, fontes foram condenadas à prisão, policiais interceptaram entrevistados a caminho de se encontrar com jornalistas e ameaçaram fontes na frente de correspondentes.

Leen Vervaeke, correspondente na China para o holandês De Volkskrant desde 2019, disse que a “a lista de pessoas na China que disseram não ter permissão para falar com a mídia estrangeira é simplesmente muito longa para lembrar de todos os nomes”:

“Funcionários de empresas estatais e do governo, médicos e enfermeiros que atuam em centros de vacinação, acadêmicos, especialistas de think tanks, professores… todos me disseram que não podem falar, mesmo sobre tópicos mais triviais.”

O relatório da associação admite que no geral, a comunidade de correspondentes estrangeiros na China viu uma ligeira diminuição na incidência de assédio e restrições à reportagem, com exceção à cobertura de eventos politicamente sensíveis. Mas o motivo não é exatamente tolerância:

“Infelizmente, essa diminuição provavelmente pode ser atribuída inteiramente à pausa quase completa nas viagens e consequentemente nas matérias feitas durante viagens no ano passado devido às restrições da covid.

Enquanto o direcionamento e a intimidação de jornalistas estrangeiros permaneceram os mesmos ou até diminuíram, o assédio estatal a colegas chineses e fontes chinesas contatadas por veículos estrangeiros aumentou dramaticamente.

Isso é um mau presságio para a cobertura, onde mesmo os poucos jornalistas que recebem credenciais para viver e trabalhar na China não conseguem trabalhar com segurança e conversar com os cidadãos chineses.”

Censura afeta entendimento do mundo sobre a China 

“A presença de correspondentes estrangeiros é indispensável para que o mundo entenda a China, e a comunidade internacional não pode permitir que o governo seja a única fonte de informação no país”, disse Cédric Alviani, Chefe do Departamento do Leste Asiático da organização Repórteres Sem Fronteiras, cobrando envolvimento de outros países:

“As democracias devem continuar aumentando a pressão sobre o regime chinês para que eles acabem com o assédio implacável aos correspondentes estrangeiros e suas fontes.”

Na última década, Xi Jinping reforçou o controle do regime sobre a mídia estatal chinesa, iniciando uma repressão violenta a jornalistas independentes e aumentando a intimidação e a vigilância de correspondentes estrangeiros.

Em 2021, a RSF publicou o relatório  ‘ O Grande Salto para Trás do Jornalismo na China ‘, que revela a extensão de sua campanha contra o jornalismo e o direito à informação em todo o mundo.

A China ocupa o 175º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2022 da RSF e é o maior carcereiro de jornalistas do mundo , com pelo menos 114 detidos.

O relatório completo da Associação de Correspondentes Estrangeiros na China pode ser visto aqui.