Londres – Ignorando apelos de grupos de defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, o Irã deu início ao julgamento de duas jornalistas presas há oito meses por cobrirem as manifestações pela morte da jovem Mahsa Amini a portas fechadas.
Niloofar Hamedi e Elahe Mohammadi estão entre as primeiras a noticiar a morte e o velório de Amini, 22 anos, que morreu sob custódia policial após ser presa por uso incorreto do véu islâmico, e podem ser condenadas à morte.
O julgamento de Hamedi começou dia 29 e o de Mohammadi no dia 30 de maio, na 15ª Vara do Tribunal Revolucionário, segundo informe do Poder Judiciário iraniano, que se recusou a realizar uma sessão aberta.
Hamedi, repórter do Shargh Daily, com sede em Teerã, e Mohammadi, do jornal diário Hammihan, são acusadas de “propaganda contra o sistema” e “conspiração para agir contra a segurança nacional” em conluio com os EUA.
Hamedi tirou uma foto dos pais de Amini se abraçando em um hospital de Teerã, onde sua filha estava em coma.
Mohammadi cobriu o funeral de Amini em sua cidade natal curda, Saqez, onde os protestos começaram. O Irã acusou seus inimigos estrangeiros de iniciar os protestos para desestabilizar o país.
O ministério de inteligência do Irã divulgou uma declaração conjunta em outubro acusando Mohammadi e Hamedi de serem agentes estrangeiros da CIA, a agência de inteligência dos EUA.
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Julgamento fechados no Irã
A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) foi uma das organizações a pressionar o governo iraniano para que a sessão não fosse fechada.
A Associação de Jornalistas da Província de Teerã (TPJA), afiliada local da IFJ, protocolou um pedido oficial ao judiciário em 24 de maio, exigindo que o julgamento fosse acessível ao público e à mídia.
O sindicato também pediu às autoridades judiciais que permitissem a presença de um advogado escolhido pelas jornalistas acusadas de espionagem, em vez dos indicados pelo tribunal, para garantir o direito de Hamedi e Mohammadi a um julgamento justo.
De acordo com fontes próximas a elas ouvidas pelo portal de notícias IranWire, os advogados nomeados pelo tribunal não se encontraram com as duas até 28 de maio e não foram autorizados a estudar seus casos.
A TPJA salientou que o procedimento adotado pelo judiciário do Irã nos últimos anos impede que o público seja informado sobre os detalhes da audiência e saiba a verdade em torno dos casos.
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IFJ: Prisão de jornalistas no Irã é ‘alarmante’
A presidente da FIJ, Dominique Pradalié voltou a cobrar do Irã a libertação das duas jornalistas e dos outros profissionais de imprensa presos desde que os protestos pela morte de Mahsa Amini lançaram o país em uma onda de violência, censura e repressão.
Vários ativistas já foram condenados à morte.
No dia 10 de maio, três foram executados. Majid Kazemi, Saleh Mirhashemi e Saeed Yaghoubi haviam sido presos em novembro de 2022 após participação em protestos na cidade de Esfahan.
Segundo a Anistia Internacional, eles foram torturados e obrigados a fazer confissões que embasaram a sentença.
“A prisão de jornalistas no Irã é um sinal alarmante em nível internacional”, disse Dominique Pradalié em um comunicado da IFJ sobre o caso das duas jornalistas e dos demais profissionais presos.
“Mais uma vez, condenamos as acusações infundadas contra nossos colegas e pedimos às autoridades que retirem todas as acusações contra eles.
Jornalismo não é crime. A República Islâmica deve libertar todos os jornalistas e profissionais de imprensa presos no país”.
Antes do julgamento, jornalistas do Irã foram premiadas
Nilofar Hamedi e Elahe Mohammadi viraram símbolo da perseguição a jornalistas mulheres, por terem desafiado a censura e a repressão no Irã sob o risco de prisão e até pena de morte.
Em março, elas ganharam o Prêmio Louis M. Lyons de 2023 por Consciência e Integridade no Jornalismo por seu “compromisso inabalável em produzir jornalismo corajoso sobre questões no Irã que afetam as mulheres, incluindo a morte em setembro de 2022 de uma jovem de 22 anos. Mahsa Amini.
Os vencedores foram escolhidos pela turma de 2023 da Nieman Foundation for Journalism na Harvard University, Massachusetts.
A turma do Nieman Fellows selecionou Hamedi e Mohammadi porque acreditam que seu trabalho “honra o espírito” do Prêmio”.
Liberdade de imprensa caiu ainda mais no Irã
O Irã ocupa o 177º lugar entre 180 países no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que acompanha a situação da liberdade de imprensa no mundo.
Na análise sobre o país, a RSF aposta que embora a repressão já fosse muito forte, com jornalistas enfrentando detenções, interrogatórios, prisões, vigilância, assédio e ameaças, ela se agravou muito desde o início da onda de protestos desencadeada pela morte de Mahsa Amini.
“Mais de 70 jornalistas, muitos deles mulheres, foram presos porque as autoridades não pouparam esforços para impedir a cobertura dos protestos.
Até mesmo jornalistas iranianos baseados no exterior foram submetidos a pressões que variavam de assédio online a ameaças de morte.”
Em fevereiro, após ameaças a seus profissionais identificadas pela Scotland Yard, o canal independente Iran International fechou sua redação em Londres e passou a operar nos EUA.
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