Londres – A BBC, patrimônio nacional dos britânicos, está sob uma enxurrada de críticas pela sua conduta no escândalo envolvendo seu ex-âncora Huw Edwards, que nesta quarta-feira compareceu a um tribunal em Londres e admitiu ter recebido e compartilhado fotos indecentes de crianças pequenas.

Para qualquer empresa de mídia o escândalo já seria um baque na reputação, mas para a BBC a temperatura aumenta ainda mais por ser uma empresa pública, financiada pelo dinheiro do contribuinte, e pelas evidências de que a direção pode ter sido leniente, incluindo o pagamento integral ao âncora cinco meses após ele ter sido preso.

Os questionamentos vêm da própria casa: em reportagem sobre o caso, a editora de cultura e mídia, Katie Razzal, afirmou: “a BBC tema perguntas sérias a responder”.

Âncora alvo do escândalo das fotos era a face do jornalismo da BBC

Edwards, de 62 anos e trabalhando há 40 na emissora, era uma das figuras mais conhecidas da mídia britânica, ancorando grandes eventos nacionais e premiado pela sua transmissão sóbria dos funerais da rainha Elizabeth II.

O castelo começou a cair em julho de 2023, quando o tabloide The Sun revelou que um apresentador da rede – mais tarde identificado como Edwards – havia pago a uma pessoa menor de idade para obter fotos pornográficas.

Ele foi afastado em licença médica, a investigação policial não encontrou indícios de crime mas ele permaneceu fora do ar, tendo se desligado da rede em abril.

No entanto, na segunda-feira (29) a Polícia Metropolitana de Londres anunciou que ele compareceria ao Tribunal de Magistrados por conta de outro caso: três acusações relacionadas à fotos de crianças – incluindo uma de 7 e outra de 9 anos – compartilhadas pelo WhatsApp.

As críticas à BBC no escândalo envolvendo Edwards

Enquanto ele confessava o crime – e assim pode ter a pena reduzida – , os holofotes se voltaram para a BBC, com questionamentos pesados sobre um possível acobertamento e o pagamento do profissional mesmo sabendo que ele chegou a ser preso em novembro de 2023.

Esses questionamentos já haviam sido feitos em julho do ano passado, quando a denúncia de compra de fotos de uma pessoa jovem explodiu.

Os pais, que revelaram o caso ao The Sun, comprovaram que antes de tornar a história pública levaram a situação à direção da BBC e que a empresa nada fez.

Três dias após a reportagem ser publicada, How Edwards foi suspenso. Meses depois, em janeiro deste ano, o diretor-geral da rede, Tim Davie, pediu desculpas e admitiu que deveriam ter agido mais rápido.

Mas as desculpas não parecem ter mudado a conduta da BBC em relação a Huw Edwards, pois dois meses antes delas, em novembro, o apresentador havia sido preso e libertado sob fiança, em uma acusação não relacionada ao primeiro caso.

Edwards foi preso durante a investigação que encontrou conversas online com um homem pelo WhatsApp entre dezembro de 2020 e agosto de 2021.

Ele recebeu 377 imagens pornográficas, das quais 41 de crianças. Pela lei inglesa, ele pode pegar até 10 anos de cadeia.

A BBC alegou que tinha conhecimento da prisão, mas que não agiu na hora pois ele não tinha sido indiciado, o que só aconteceu depois que ele se desligou, em abril.

Por que o âncora da BBC continuou sendo pago?

Huw Edwards foi o âncora mais bem pago da rede no último exercício, com salário anual de 479 mil libras.

E entre novembro e abril, fora do ar e sob forte suspeita de crime sexual contra crianças, ele ganhou 200 mil libras, dinheiro público.

A secretária da Cultura, Lisa Nandy, convocou uma reunião urgente com o diretor-geral após a admissão de culpa de Edwards.

Especialistas observaram que uma demissão poderia acarretar problemas trabalhistas, já que o âncora alvo do escândalo estava sob licença médica, e que isso pode ter levado à decisão de manter o pagamento.

No comunicado sobre o desligamento de Huw Edwards, a BBC citou o pedido dele sob o argumento de recomendação médica.

Na outra ponta, críticos defendem que foi uma decisão errada, por haver indícios suficientes de uma conduta criminosa.

E sem transparência diante do público, que não foi informado sobre os desdobramentos do caso.

O diretor-geral, Tim Davie, defendeu-se das críticas dizendo que sempre tentou navegar na situação de forma proporcional e apropriada, e que “não teriam desperdiçado dinheiro se não estivessem fazendo a coisa certa”.

Imagens históricas: o que a BBC vai fazer depois do escândalo das imagens de crianças?

O escândalo do âncora deixa a BBC com outro problema: o que fazer com as imagens históricas em seu arquivo protagonizadas por Huw Edwards?

A mídia britânica citou fontes informando que as imagens não serão inteiramente apagadas pelo seu significado histórico. Elas incluem a transmissão da morte e dos funerais da rainha Elizabeth II, as Olimpíadas de Londres e diversas eleições gerais. 

No entanto, programas de entretenimento ou conteúdo não relacionado a grandes fatos jornalísticos poderá ser excluído do acesso público. 

O caso expõe também os limites entre vida privada e atividades profissionais de celebridades da mídia, já que deslizes ou crimes acabam afetando a confiança na instituição que eles representam.

Nesta semana – talvez tarde demais – a BBC atualizou sua política de relacionamentos no local de trabalho, determinando que usar o “status de celebridade” para influenciar pessoas a tomarem uma decisão configura abuso de poder.

E pede que funcionários alertem os chefes se perceberem condutas que possam ser classificadas como tal envolvendo colegas.

Julgamento do âncora em setembro

Huw Edwards será sentenciado no dia 16 de setembro, e pode se livrar da cadeia pelos atenuantes.

Mas sua carreira e vida pessoal – separou-se da mulher, com quem tem cinco filhos – estão destruídas, enquanto a empresa que ele representou por 40 anos tem que lidar com mais um escândalo sexual em sua história.

O caso de Jimmy Savile, apresentador da BBC que molestou crianças por vários anos e morreu antes de ser punido, é um trauma que voltou a ser lembrado. Manifestantes levaram cartazes em alusão à história diante do Tribunal onde Huw Edwards compareceu ontem. 

Embora sejam situações diferentes, a comparação tem sido com a conduta da BBC, que por não querer se envolver ou por tentar evitar danos à sua reputação acabou se vendo mais criticada ainda.