Londres – Uma carta aberta enviada hoje (12/1) à CEO do YouTube, Susan Wojcicki por uma rede internacional de verificadores de fatos exige que a empresa enfrente a disseminação desenfreada de fake news em sua plataforma. O documento é assinado por mais de 80 organizações de verificação de fatos de 40 países. Os pedidos incluem a extensão de mecanismos de proteção para outros idiomas que não o inglês.

Um dos parágrafos ressalta o Brasil, afirmando que no país “a plataforma tem sido usada para amplificar o discurso de ódio contra grupos vulneráveis, atingindo dezenas de milhares de usuários. As eleições também não estão seguras.” Além do Brasil, os únicos países destacados foram os EUA, Taiwan e Filipinas. 

O grupo também quer ter uma reunião com Wojcicki para discutir as questões apontadas na carta. Assim, o YouTube inaugura o ano como bola da vez entre as plataformas digitais, substituindo o Facebook como alvo principal dos que criticam a atuação das plataformas digitais globais. 

Combate ineficiente às fake news no YouTube

Entre os signatários da carta estão as agências brasileiras Aos Fatos e Lupa.

Em entrevista ao MediaTalks, a CEO da Lupa disse que desinformação é um problema de desigualdade social.

Ela reconhece os esforços feitos recentemente para controlar as fake news, mas acha que as plataformas digitais não estão nem perto do que seria suficiente para tornar seus ambientes menos tóxicos e barrar a desinformação. 

Cobrar ação mais efetiva é o objetivo da carta assinada pelas organizações não-governamentais e agências de checagem de fatos de todo o mundo.

De acordo com o texto, o YouTube não consegue combater a desinformação de maneira adequada. 

As organizações  argumentam que as políticas da plataforma simplesmente “não estão funcionando”. Eles também enfatizaram que a situação em torno da desinformação é ainda pior em países que não falam inglês, onde as políticas são menos exercidas.

A empresa se defendeu em uma nota, em que diz que investe em produtos e serviços para controlar fake news em todos os países, com a remoção de vídeos que violem suas políticas. Afirma ainda que a desinformação responde por menos de 1% de todas as visualizações.

Em setembro de 2021, a plataforma anunciou uma política para retirar vídeos contendo desinformação ou fake news sobre vacinas, incluindo as da Covid.

A ação pode ter sido em resposta a críticas, principalmente na mídia americana, sobre sua suposta passividade em relação ao combate à desinformação, sempre se mantendo um passo atrás de Facebook e Twitter, o que seria uma estratégia para evitar desgaste de imagem.

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No Reino Unido estão vários exemplos das falhas na política. Um deles é que vem sendo considerado o inimigo público número um do controle da Covid-19 no país, o ativista Piers Corbyn.

Candidato a prefeito de Londres, ele tem comandado manifestações, desafiado regras de prevenção da Covid e até promovido violência contra parlamentares, chegando a ser detido pela polícia devido às ameaças. Seus vídeos continuam sendo exibidos no YouTube livremente. 

Outro é David Icke, um ex-comentarista de futebol que virou um dos maiores propagadores de teorias conspiratórias sobre a Covid e outros temas, sendo regularmente apontado em levantamentos feitos por ONGs como perigo para a sociedade. 

Embora Icke tenha perdido suas contas no YouTube e em outras mídias sociais, vídeos postados em outras plataformas seguem acessíveis. Um deles, um documentário de uma série chamada “Renegados”, mostra a vida de Icke e suas teses. Já teve mais de 280 mil visualizações. 

https://youtu.be/llYyGCiLDYU

O canal no YouTube do Projeto Veritas, uma organização de extrema direita nos EUA que há semanas conseguiu impedir que o New York Times publicasse matérias com evidências sobre seus métodos de ataque à imprensa e pessoas que identificam como esquerdistas, exibe vários vídeos com desinformação sobre vacinas e sobre o controle da Covid pelo governo.

Em um deles, uma profissional de saúde chora ao contar que uma colega teria morrido depois de ser obrigada a tomar a vacina para continuar trabalhando em um hospital, sugerindo que a morte teria sido causada pela imunização forçada.

Para completar, a profissional defende a prescrição da ivermeticina, medicamento que já foi oficialmente descartado como eficaz. Teve mais de 5 milhões de visualizações. 

O que as agências de fake news querem do YouTube

Na carta, os verificadores de fatos descreveram quatro iniciativas que a empresa pode tomar para impedir a disseminação de fake news. Eles também listaram vários exemplos de vídeos do YouTube de diferentes países que causaram danos reais na vida real.

  • Exercer transparência significativa sobre como a desinformação viaja na plataforma e divulgar publicamente suas políticas para abordá-la.
  • Concentrar-se em fornecer contexto em vez de excluir vídeos. Isso pode ser feito estabelecendo uma colaboração significativa e estruturada com organizações de verificação de fatos e investindo em seu trabalho.
  • Atuar contra reincidentes que produzem conteúdo constantemente sinalizado como desinformação e impedir que seus vídeos sejam recomendados ou promovidos pelos algoritmos da plataforma.
  • Estender esses esforços para idiomas diferentes do inglês e fornecer dados específicos do país e do idioma, bem como serviços de transcrição eficazes.

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O grupo também afirma que o YouTube muitas vezes tentou reduzir o debate às opções de excluir ou não um determinado vídeo, o que eles afirmam ser uma conduta ineficiente. 

Em vez disso, eles enfatizam que a apresentação de informações adicionais verificadas também pode ajudar a resolver o problema. 

Segundo os signatários, esta última solução “preserva a liberdade de expressão, ao mesmo tempo que mitiga os riscos de danos à vida, à saúde, à segurança e aos processos democráticos”.

Leia a íntegra da carta aberta ao YouTube 

“Senhora Susan Wojcicki,

Já se passaram quase dois anos desde o início da pandemia da COVID-19. O mundo tem visto repetidamente como as fake news e a desinformação podem ser destrutivas para a harmonia social, a democracia e a saúde pública. Muitas vidas e meios de subsistência foram arruinados, e muitas pessoas perderam entes queridos para a desinformação. 

Como uma rede internacional de organizações de verificação de fatos, monitoramos como as mentiras se espalham online – e todos os dias, vemos que o YouTube é um dos principais canais de fake news e desinformação online em todo o mundo. Essa é uma preocupação significativa entre nossa comunidade global de verificação de fatos.

O que não vemos é muito esforço do YouTube para implementar políticas para solucionar o problema. Pelo contrário, o YouTube está permitindo que sua plataforma seja usada por atores sem escrúpulos para manipular e explorar outros, e para se organizar e angariar fundos. As medidas atuais estão se mostrando insuficientes. 

É por isso que pedimos que sejam tomadas medidas efetivas contra as fake news e a desinformação e se elabore um roteiro de políticas e intervenções de produtos para melhorar o ecossistema de informações – e que isso seja feito com as organizações de verificação de fatos independentes do mundo.

No ano passado, vimos grupos de conspiração prosperando e colaborando além de suas fronteiras nacionais, incluindo um movimento internacional que começou na Alemanha, saltou para a Espanha e se espalhou pela América Latina, tudo no YouTube. 

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Enquanto isso, milhões de outros usuários assistiam a vídeos em grego e árabe que os encorajavam a boicotar vacinações ou tratar suas infecções pelo coronavírus com curas falsas. Além da COVID-19, os vídeos do YouTube promovem falsas curas para o câncer há anos.

No Brasil, a plataforma tem sido usada para amplificar o discurso de ódio contra grupos vulneráveis, atingindo dezenas de milhares de usuários. As eleições também não são seguras. 

Nas Filipinas, conteúdo falso com mais de 2 milhões de visualizações negando abusos de direitos humanos e corrupção durante os anos da lei marcial está sendo usado para polir a reputação do filho do falecido ditador, um dos candidatos nas eleições de 2022. Em Taiwan, a última eleição foi marcada por acusações infundadas de fraude. 

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O mundo inteiro testemunhou as consequências da desinformação quando uma multidão violenta atacou o Capitólio dos EUA no ano passado. Da véspera da eleição presidencial dos EUA até o dia seguinte, os vídeos do YouTube que apoiam a narrativa de “fraude” foram assistidos mais de 33 milhões de vezes.

Os exemplos são inúmeros para serem listados. Muitos desses vídeos e canais permanecem online hoje, e todos eles passaram despercebidos pelas políticas do YouTube, especialmente em países que não falam inglês e no Sul Global. 

Estamos felizes que a empresa tenha feito alguns movimentos para tentar resolver esse problema recentemente, mas com base no que vemos diariamente na plataforma, achamos que esses esforços não estão funcionando – e nem o YouTube produziu dados de qualidade para provar sua eficácia.

A plataforma da sua empresa até agora enquadrou as discussões sobre desinformação como uma falsa dicotomia de excluir ou não excluir conteúdo. 

Ao fazer isso, o YouTube está evitando a possibilidade de fazer o que já ficou provado funcionar: nossa experiência como verificadores de fatos, juntamente com evidências acadêmicas, nos diz que trazer à tona informações verificadas é mais eficaz do que excluir conteúdo.

 Também preserva a liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de informações adicionais para mitigar os riscos de danos à vida, à saúde, à segurança e aos processos democráticos. 

E como uma grande proporção de visualizações é causada por seu próprio algoritmo de recomendação, o YouTube também deve garantir que não promova ativamente a desinformação para seus usuários ou recomende conteúdo proveniente de canais não confiáveis.

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Com tudo isso em mente, propomos algumas soluções que fariam muita diferença na redução da disseminação de desinformação no YouTube: 

Um compromisso com a transparência significativa sobre a desinformação na plataforma: o YouTube deve apoiar pesquisas independentes sobre as origens das diferentes campanhas de desinformação, seu alcance e impacto e as formas mais eficazes de desmascarar informações falsas. 

Também deve publicar sua política de moderação completa em relação às fake news e à desinformação, incluindo o uso de inteligência artificial e quais dados a alimentam.

Além de remover conteúdo por conformidade legal, o foco do YouTube deve ser o de fornecer contexto e explicitar os desmascaramentos, de forma claramente sobreposta a vídeos ou como conteúdo de vídeo adicional. 

Isso só pode vir de uma colaboração significativa e estruturada, assumindo a responsabilidade e investindo sistematicamente nos esforços independentes de verificação de fatos em todo o mundo que buscam resolver esses problemas.

Atuar contra infratores reincidentes que produzem conteúdo constantemente sinalizado como fake news e desinformação, principalmente aqueles que monetizam esse conteúdo dentro e fora da plataforma, evitando que seus algoritmos de recomendação promovam conteúdo de tais fontes de desinformação.

Ampliar os esforços atuais e futuros contra a desinformação em idiomas diferentes do inglês e fornecer dados específicos do país e do idioma, bem como serviços de transcrição que funcionem em qualquer idioma.

Esperamos que você considere implementar essas ideias para o bem público e para tornar o YouTube uma plataforma que realmente faz o melhor para evitar que fake news e desinformação sejam usadas como arma contra seus usuários e a sociedade em geral. 

Estamos prontos e aptos a ajudar o YouTube. Desejamos nos encontrar com você para discutir esses assuntos e buscar formas de colaboração. Aguardamos sua resposta a esta oferta.”

A carta é assinada pelas seguintes organizações:

Africa Check (Senegal, Nigéria, Quênia, África do Sul) / Animal Político – El Sabueso (México) / Aos Fatos (Brasil) / Bolivia Verifica (Bolívia) / BOOM (Índia, Mianmar e Bangladesh) / Check Your Fact (EUA) / Code for Africa – PesaCheck (Burkina Faso, Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Costa do Marfim, Etiópia, Gana, Guiné, Quênia, Mali, Níger, Nigéria Senegal, África do Sul, Sudão, Tanzânia, Uganda e Zimbábue) / Colombiacheck (Colômbia) / CORRECTIV (Alemanha) / Cotejo.info (Venezuela) / Chequeado (Argentina) / Delfi Lituânia (Lituânia) / Associação Demagog (Polônia) / Doğruluk Payı (Turquia) / Dubawa (Nigéria, Gana, Serra Leoa, Libéria e Gâmbia) / Ecuador Chequea (Equador) / Ellinika Hoaxes (Grécia) / Fact Crescendo (Índia) / Fact-Check Gana / FactCheck.org (EUA) / FactSpace West Africa / Facta (Itália) / FactcheckNI (Reino Unido) / Factly (Índia) / Factual.ro (Romênia) /FactWatch (Bangladesh) / Fakenews.pl (Polônia) / Faktist.no (Noruega) / Faktograf.hr (Croácia) / Faktoje (Albânia) / Fast Check CL (Chile) / Fatabyyano (Oriente Médio e Norte da África) / Full Fact (Reino Unido) / GRASS – FactCheck Geórgia / India Today Group (Índia) / Istinomer (Sérvia) / Istinomjer (Bósnia e Herzegovina) / Hibrid.info (Kosovo) / Knack Magazine (Bélgica) / La Silla Vacía (Colômbia) / Lead Stories (EUA) / Les Surligneurs (França) / Logically (Reino Unido) / Lupa (Brasil) / Maldita.es (Espanha) / MediaWise (EUA) / Mongolian Fact-checking Center (Mongólia) / MyGoPen (Taiwan) / Myth Detector (Geórgia) / NewsMobile (Índia) / Newschecker (Índia e Sul da Ásia) / Newtral (Espanha) / Observador – Fact Check (Portugal) / Open Fact-checking (Itália) / OŠTRO (Eslovênia) / Pagella Politica (Itália) Poligrafo (Portugal) / PolitiFact (EUA) / Pravda (Polônia) / Rappler (Filipinas) / Raskrinkavanje (Bósnia e Herzegovina) / Re:Check/Re:Baltica (Letônia) / RMIT ABC Fact Check (Austrália) Rumor Scanner (Bangladesh) / Science Feedback (França) / StopFake (Ucrânia) / Stopfals.md (Moldávia) / Taiwan FactCheck Center (Taiwan) / Tempo (Indonésia) / Teyit (Turquia) / The Healthy Indian Project / THIP Media (Índia) / The Journal FactCheck (Irlanda) / The Logical Indian (Índia) / The Quint ( Índia) / The Washington Post Fact-checker (EUA) / The Whistle (Israel) / TjekDet (Dinamarca) / Univision – elDetector (EUA) / VERA Files (Filipinas) / Verificat (Espanha) / Vishvas News (Índia) / Vistinomer ( Macedônia do Norte) / VoxCheck (Ucrânia) / Youturn.in (Índia) / 15min (Lituânia)

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