O Parlamento da Turquia aprovou na última quinta-feira um projeto de lei apresentada pelo partido do governo que pode condenar jornalistas e cidadãos a até três anos de prisão por conteúdo classificado como desinformação e fake news.
O texto, encaminhado pela primeira vez em junho ao Parlamento do país, recebeu críticas ao longo da tramitação. Agora, organizações defensoras do jornalismo se mobilizam para derrubar a aprovação.
A lei foi sancionada apenas um ano antes das eleições presidenciais, o que, para as entidades de jornalismo, significa o aumento da repressão do presidente Recep Tayyip Erdogan sobre a sociedade turca.
Parlamentar protesta contra lei de fake news na Turquia
O projeto de lei foi escrito pela aliança governista do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP). Após ser apresentado ao Parlamento, o texto teve sua análise adiada enquanto recebia duras críticas dos opositores e foi apelidado de “Lei da Censura”.
Mesmo com as críticas, o projeto voltou a ser discutido no início de outubro sem alterações de seus dispositivos e foi aprovado na quinta-feira (13).
Em reação, o parlamentar da oposição Burak Erbay quebrou seu celular com um martelo em protesto contra a lei enquanto discursava no tribuna.
“Você só tem uma liberdade, é o seu telefone no bolso. Se esta lei for aprovada, você pode quebrar seu smartphone assim, pois não precisará usá-lo”, disse ele aos colegas.
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A lei aprovada prevê até três anos de prisão para os considerados culpados de publicarem intencionalmente “desinformação e notícias falsas” destinadas a “instigar medo ou pânico, pôr em perigo a segurança interna ou externa do país, a ordem pública e a saúde geral da sociedade turca”.
Também é previsto que as sentenças podem ser aumentadas em até 50% se perfis anônimos forem usados para espalhar “desinformação” nas redes sociais ou como parte das atividades de uma organização.
Esse dispositivo pode ser aplicado no caso de pessoas que utilizem as redes sociais de forma anônima para denunciar crimes ou infrações, ou para expressar sua opinião sem risco de perseguições.
A nova lei também expandiu a legislação já existente para a imprensa, incluindo os sites de notícias.
Segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), isso permitirá que o governo use a Agência de Publicidade de Imprensa (Basin Ilan Kurumu – BIK) para financiar propaganda online, excluindo veículos críticos, conforme já aplicado para a mídia impressa.
Uma coalizão de 22 organizações internacionais de liberdade de imprensa, liberdade de expressão e de jornalistas condenou a aprovação da lei, ressaltando que ela fornece uma estrutura para “ampla censura de informações online e criminalização do jornalismo”.
“O que permitirá ao governo subjugar e controlar ainda mais o debate público antes das eleições gerais da Turquia em 2023”, aponta o grupo.
“O texto, com sua definição vagamente formulada de desinformação e ‘intenção’, supervisionada pelo judiciário altamente politizado da Turquia, colocará milhões de usuários da internet em risco de sanção criminal e poderá levar a censura geral e autocensura até as eleições de 2023.”
Entre os membros da coalizão, que pressiona o governo turco desde a apresentação do projeto ao Parlamento estão as ONGs Artigo 19, Associação de Jornalistas Europeus, Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), PEN International, Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Coalizão para Mulheres no Jornalismo (CFWIJ).
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Empresas tech também estão na mira
O Sindicato dos Jornalistas Turcos (TGS) também criticou a aprovação da lei e o governo por consultar empresas americanas de mídia social sobre o projeto, ao mesmo tempo em que não “buscou as opiniões das organizações jornalísticas na Turquia que serão diretamente afetadas”.
“Algo que nenhuma democracia deveria ver aconteceu aqui, que é que a coalizão governante preparou um projeto de lei completamente sobre o ecossistema de informação e a imprensa sem consultar nenhuma organização de mídia ou jornalistas”, disse o grupo.
A nova lei também exigirá que aplicativos de mensagens como o WhatsApp, de propriedade da Meta , forneçam informações sobre os usuários quando solicitado pela Autoridade de Tecnologias da Informação e Comunicação do país.
“Isso forçará plataformas digitais como Google News ou Facebook a revelar seus algoritmos ao governo, mostrando ao estado turco qual conteúdo eles impulsionam e o que suprimem. É sem precedentes em qualquer lugar do mundo”, disse o jornalista Emre Kızılkaya, chefe da filial turca do International Press Institute, ao jornal The Guardian.
O TGS alertou que a nova lei “mudará drasticamente a mídia no país, contornando muito a liberdade de expressão”. Segundo o sindicato, a legislação pode diminuir a receita de publicidade necessária para sustentar os meios de comunicação locais e aumentar de forma exponencial o número de ações judiciais contra sites de notícias.
“No período que antecede as próximas eleições, um claro ‘não’ deve ser dado a todos os arranjos legislativos que permitam às instituições estatais um controle arbitrário de fontes de notícias com o objetivo de fornecer ao público informações precisas”, disse o TGS, em comunicado.
A Turquia ocupa o 149º lugar entre 180 países no índice mundial de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras em 2022.
Entidades e ativistas turcos temem que as novas restrições afetem a capacidade da mídia de cobrir com precisão as próximas eleições no país, que devem acontecer no primeiro semestre.
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