Os danos causados pelo relatório final da investigação sobre a conduta da BBC na entrevista histórica feita com a princesa Diana em 1995 podem ser mais extensos do que aparentavam a princípio. A polícia britânica Scotland Yard anunciou que uma equipe de detetives vai avaliar as novas evidências trazidas à tona pelo relatório para apurar se foram cometidos crimes pela direção da rede.
E a BBC anunciou a devolução de todos os prêmios de jornalismo recebidos por conta do programa, em um reconhecimento de que agiu mal no episódio. A princesa morreu num acidente de carro no ano seguinte, aos 36 anos, perseguida por jornalistas em Paris.
A Scotland Yard havia descartado investigar o caso em março passado, mas o panorama mudou ontem, quando foi divulgado o relatório da investigação independente conduzida pelo ex-juiz da Suprema Corte John Dyson, a pedido da própria BBC.
A apuração comprovou não apenas as fraudes realizada pelo repórter Martin Bashir, mas também os esforços da emissora para encobrir o ato, entre eles a demissão de um designer responsável pela falsificação de extratos bancários utilizados para fazer a princesa acreditar que membros de sua equipe estariam sendo pagos para espioná-la.
Os agentes da Scotland Yard analisam o relatório em busca de “novas evidências” que possam reverter a decisão do órgão. O documento de 127 páginas reúne entrevistas e levantamentos conduzidos pelo ex-juiz.
Os filhos de Diana, Harry e William, manifestaram-se sobre o relatório. William, segundo na linha de sucessão ao trono, leu um longo discurso responsabilizando a direção da BBC e pedindo para que a entrevista não seja mais exibida.
As desculpas do repórter
O repórter Martin Bashir, que se desligou na semana passada de seu cargo de editor de religião da BBC alegando seu estado de saúde debilitado, desculpou-se ontem pelas descobertas do relatório. Assim ele descreveu sua decisão de falsificar os extratos bancários apresentados à princesa e ao irmão dela, que intermediou os contatos:
“Foi uma coisa estúpida de se fazer, uma ação da qual me arrependo profundamente.”
A entrevista de Bashir, que foi ar em novembro de 1995 no programa Panorama, da BBC, foi assistida por 23 milhões de pessoas somente no Reino Unido. Foi nessa conversa que a princesa revelou ao mundo que seu casamento “tinha três pessoas”.
BBC devolve todos os prêmios
A BBC desculpou-se oficialmente por sua atuação no episódio, enviando cartas a todos os envolvidos, inclusive à rainha Elizabeth II. A emissora decidiu devolver todos os prêmios que havia conquistado pela transmissão da conversa com a princesa. Por suas revelações, a conversa chegou a ser classificada como a “entrevista do século”.
O principal prêmio foi o BAFTA, em 1996, de melhor programa de entrevistas na televisão. Martin Bashir foi nomeado jornalista do ano e entrevistador do ano nos prêmios Royal Television Society. A entrevista rendeu ainda duas homenagens do Broadcasting Press Guild, incluindo o título de jornalista de TV do ano para o repórter.
Ao comunicar a devolução, a rede disse “não acreditar que seja aceitável reter esses prêmios por causa de como a entrevista foi obtida”.
O diretor-geral da emissora, Tim Davie, reconheceu que, “embora a BBC de hoje tenha processos e procedimentos significativamente melhores, aqueles que existiam na época deveriam ter evitado que a entrevista fosse obtida dessa forma”. Ele disse:
“A BBC deveria ter feito um esforço maior para descobrir o que aconteceu na época e ser mais transparente sobre o que sabia. Embora não possamos voltar no tempo depois de um quarto de século, podemos fazer um pedido de desculpas completo e incondicional. A BBC oferece isso hoje.”
Desculpas não serão suficientes
Mas apenas desculpas parecem que não serão suficientes. O secretário de Justiça, Robert Buckland, disse à Sky News que as conclusões da nova investigação “levantam algumas questões muito sérias” e “questões em torno da governança” dentro da BBC. Ele antecipou que medidas estão a caminho:
“Acho que um pedido de desculpas é um começo, mas não acho que seja o fim de tudo”.
Entretando, o secretário de Cultura, Oliver Dowden, pressionou por mudanças:
“O relatório revela falhas graves no seio da BBC e consideraremos se são necessárias reformas de governança”.
Ao meio do dia, Boris Johnson manifestou-se na mesma linha, dizendo-se “muito preocupado” com o conteúdo do relatório, esperando que a rede faça tudo o que estiver ao seu alcance para garantir que isso nunca mais aconteça”. E que coloque “a casa em ordem”.
O episódio deve complicar a situação da rede, que passará por uma revisão já programada envolvendo operação e financiamento no segundo semestre.
Pressão sobre a Scotland Yard
A Scotland Yard também foi muito criticada depois que o relatório independente apresentou evidências que a força policial alegou não existirem ao tomar sua decisão de não abrir o processo criminal, depois da denúncia registrada pelo advogado do irmão da princesa.
As novas críticas vêm se somar às que já tinham sido feitas ao comandante da Scotland Yard Alex Murray em outro caso rumoroso em que o órgão policial também decidiu não abrir investigação. Trata-se da denúncia registrada em 2019 por Virginia Roberts, que alegou ter sido traficada para o Reino Unido pelo pedófilo Jeffrey Epstein para fazer sexo com um dos filhos da Rainha, o príncipe Andrew, que nega a acusação.
Em entrevista ao Daily Mail publicada nesta sexta-feira (21/5), o ex-superintendente Dai Davies, que chefiou a unidade de proteção Real da Scotland Yard, criticou abertamente a corporação:
“Parece que há uma regra para a BBC e uma regra para o resto de nós. Normalmente, haveria um inquérito criminal. Estou absolutamente pasmo de terem considerado não haver evidências de falsificação e fraude aqui. É inacreditável.”
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