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Prisões, processos, lei do ‘agente estrangeiro’: as armas do regime de Putin para silenciar a mídia

A Rússia intensificou a censura e perseguição à imprensa durante a guerra na Ucrânia, lançando mão de instrumentos como prisões, judicialização e classificação de veículos e profissionais de mídia do país como “agentes estrangeiros”, denuncia o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Bloqueios de veículos de comunicação, detenções arbitrárias e perseguição a jornalistas aumentaram desde o início do conflito com o território vizinho, em fevereiro, fazendo com que centenas de profissionais fugissem do país e tentassem asilo na Europa.

Os que não conseguem escapar ou preferem desafiar o regime pagam um preço alto, como quatro jornalistas de uma revista estudantil condenados a trabalhos forçados no dia 12 de abril. 

Imprensa da Rússia que cobre guerra na Ucrânia vira ‘agente estrangeiro’

O governo de Vladimir Putin tem desde 2017 uma lei que permite rotular publicações e jornalistas como “agentes estrangeiros”, mas começou a utilizá-la com mais frequência em 2020.

Depois da guerra, criou outra lei repressiva, a que pune com pena de até 15 anos quem divulgar fake news sobre a invasão da Ucrânia e fez com que várias mídias estrangeiras deixassem o país. 

A lista do agente estrangeiro monitora indivíduos ou veículos de mídia que recebem dinheiro do exterior, se envolvem em “atividades políticas” ou “coletam informações no campo das atividades militares e técnicas da Rússia”, exigindo  que indiquem seu status ao entrar em contato com agências estatais, de acordo com o Media Rights Center, uma organização não governamental russa citada pelo CPJ. 

A organização denunciou que diversos jornalistas russos foram  rotulados dessa forma nas últimas semanas pelo governo.

São eles: a ex-jornalista da Dozhd TV (também conhecida como TV Rain) Maria Borzunova; Alla Konstantinova, repórter da MediaZona; a fundadora do The Bell, Elizaveta Osetinskaya; a editora-chefe do The Bell, Irina Malkova; e Murad Muradov, jornalista de Kavkazsky Uzel, no Daguestão.

Antes de ser rotulada como agente estrangeiro, Maria Borukhovich estava cobrindo a guerra da Rússia na Ucrânia para a Novaya Gazeta — veículo do jornalista ganhador do Nobel da Paz, Dmitry Muratov, que foi obrigado a paralisar suas operações no final de março por causa da repressão do governo.

No dia 5 de abril, os jornalistas Yevgeny Kiselyov e Matvei Ganapolsky também foram adicionados á lista do governo Putin como “indivíduos rotulados como agentes estrangeiros” por supostamente se envolverem em atividades políticas financiadas pela Ucrânia, segundo reportagens da mídia local verificadas pelo CPJ.

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Kiselyov e Ganapolsky são dois jornalistas conhecidos que deixaram a Rússia em 2008 e 2014, respectivamente, e agora trabalham na Ucrânia, de acordo com informações da agência Reuters.

Além do aumento da inclusão de jornalistas nos registros do governo, também cresce diariamente o número de veículos de comunicação censurados na Rússia.

No dia 9 de abril, o órgão regulador estatal de mídia Roskomnadzor interrompeu as operações dos sites de notícias independentes Holod e Discours.io, de acordo com declarações de ambos os veículos reportadas pelo CPJ.

No início deste mês, o órgão também bloqueou os sites de mídia Wonderzine e It’s My City, de acordo com relatos de ambos os veículos.

Censura da Rússia prende editora que disse ‘guerra’

A extensão da censura da imprensa na Rússia durante a invasão à Ucrânia chega até a jornais comandados por estudantes.

Em 1º de abril, em uma audiência na capital Moscou, o promotor público solicitou dois anos de trabalho correcional para os ex-editores da revista estudantil DOXA por supostamente envolverem menores de idade em comícios, reportou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Os editores Armen Aramyan, Vladimir Metelkin, Alla Gutnikova e Natalia Tyshkevich foram processados por causa de um vídeo postado em janeiro pedindo às autoridades que parassem de intimidar estudantes durante protestos políticos e, por isso, foram colocados em prisão domiciliar.

O veredicto saiu na terça-feira (12) e os quatro foram condenados a dois anos de trabalho correcional.

Após a audiência de 1º de abril, a polícia prendeu Natalia Tyshkevich.

Ela foi detida porque, durante a audiência com o promotor público, pronunciou a palavra “guerra” para se referir aos confrontos militares na Ucrânia, em vez de “operação especial”, o termo aprovado pelo Kremlin para o conflito.

No dia seguinte, Natalia foi condenada a 15 dias de prisão administrativa por “exibir símbolos proibidos” em um post de mídia social de 2017 contendo um tridente ucraniano, que a polícia chamou de símbolo do Exército Insurgente Ucraniano. Porém, o advogado da editora afirma que o prazo prescricional deste caso expirou em 2018.

Dias antes das prisões dos editores, em 27 de março, o Roskomnadzor bloqueou a página da DOXA na rede social russa VKontakte.

Jornalista é agredido na Rússia durante entrevistas sobre guerra

Atos de intimidação partem também da população, incitada pelo governo de  Vladimir Putin em seus discursos contra a mídia independente e contra os veículos ocidentais. 

No domingo (10), duas pessoas não identificadas atacaram Vasiliy Vorona, correspondente do site de notícias independente Sota.Vision, enquanto ele entrevistava pessoas em Moscou, segundo o CPJ, que conversou com o editor do veículo, Aleksey Obukhov.

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Os agressores do jornalista quebraram seus óculos e machucaram seu nariz, dizendo que ele “parecia suspeito” enquanto questionava pessoas nas ruas da capital sobre a escassez de alimentos e outras consequências da guerra.

A polícia deteve os dois agressores e os levou, junto com o jornalista, à delegacia de Yasenevo; uma vez lá, a polícia perguntou a Vorona se ele tinha alguma ligação com a Novaya Gazeta, disse Obukhov ao CPJ.

A polícia liberou os agressores no mesmo dia sem transferir o caso para o Comitê de Investigação, onde as violações do código penal são apuradas. Obukhov disse ao CPJ que “a polícia está fazendo o possível para transformar tudo em uma questão administrativa”.

Ele acrescentou que o Sota.Vision pediu ao Ministério Público que uma investigação sobre o ataque fosse aberta nos termos do artigo 144 do código de processo penal, que obriga as autoridades a verificar qualquer denúncia de crime, mas ele não recebeu nenhuma resposta.

Nem o jornalista prêmio Nobel da Paz está livre desse tipo de assédio. Dmitry Muratov, editor do Novaya Gazetta, que encerrou as operações a partir da Rússia depois de duas notificações do órgão regulador do governo, foi atingido por tinta vermelha e acetona quando viajava em um trem. 

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Rússia prende e solta jornalistas para silenciar imprensa sobre guerra na Ucrânia

Tropas russas invasoras da Ucrânia estão aplicando uma nova tática para coagir jornalistas durante a guerra ao sequestrarem e manterem profissionais detidos por algumas horas antes de liberá-los sob ameaças para coibir reportagens sobre o conflito.

A mesma tática tem sido usado contra jornalistas russos, revelou o CPJ.

Na sexta-feira (8), a polícia deteve brevemente Yevgeny Levkovich, repórter da Rádio Svoboda, serviço russo da RFE/RL, em sua casa em Moscou, e o acusou de “desacreditar o exército”.

O jornalista ficou detido por cerca de cinco horas na delegacia de Teply Stan. A acusação de “desacreditar o exército” pode acarretar uma multa de até 50.000 rublos (mais de R$ 2800), se ele for condenado.

Levkovich escreveu no Facebook que seu julgamento estava marcado para segunda-feira (11), mas ele não planejava comparecer porque não “enxergava motivos” em contestar a acusação.

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A Rádio Svoboda escreveu que a acusação provavelmente estava relacionada às postagens de Levkovich nas mídias sociais, mas não disse se as autoridades especificaram alguma publicação que motivou a acusação.

Em sua página pessoal no Facebook, com cerca de 36 mil seguidores, Levkovich escreveu recentemente sobre a guerra da Rússia na Ucrânia.

Casos semelhantes são reportados todas as semanas desde o início da invasão russa. Segundo o CPJ, ao menos seis jornalistas ucranianos já foram detidos e liberados, alguns passando dias em poder do exército russo.

Na sexta-feira (8), a jornalista ucraniana Iryna Dubchenko foi libertada 14 dias depois de ser levada de sua casa por soldados invasores.

Antes dela, Oleksandr Gunko, editor-chefe do site de notícias da cidade de Nova Kakhovka, na Ucrânia, também ficou em poder do exército da Rússia por três dias antes de ser libertado.

Pelo menos um outro jornalista ucraniano, Dmytro Khilyuk, permanece sob custódia russa. De acordo com o CPJ, ele foi detido no início de março.

Jornalista protestou na TV estatal contra guerra na Ucrânia 

Um dos casos mais noticiados na imprensa internacional envolvendo jornalistas da Rússia foi o de Marina Ovsyannikova. 

Editora da TV estatal Channel One, ela invadiu o estúdio onde um telejornal de grande audiência era transmitido com uma placa condenando a guerra na Ucrânia e alertando para a divulgação de propaganda política da Rússia pelo programa. 

Ovsyannikova passou 14 horas detida para interrogatório e pode enfrentar uma pena de até 15 anos de cadeia. Na semana passada, ela foi contratada como correspondente pelo jornal alemão Die Weit, e continua na Rússia. 

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