Londres – A guerra entre a Ucrânia e a Rússia motivou a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), junto com a Fundação Rudolf Augstein e a Fundação Schöpflin, a lançar um fundo de apoio inédito para jornalistas e veículos de imprensa no exílio.
Entre os primeiros projetos apoiados do Fundo FX está o Novaya Gazeta Europe, versão do portal de notícias do jornalista vencedor do Nobel da Paz, Dmitry Muratov aberta na Europa depois do site original suspender as operações na Rússia por causa da repressão.
A iniciativa vai ao encontro do apelo da Declaração de Perugia para a Ucrânia por assistência aos jornalistas que cobrem o conflito no Leste Europeu, apresentado em 9 de abril por membros e parceiros do Fórum Global para o Desenvolvimento da Mídia no Festival Internacional de Jornalismo em Perugia, na Itália.
Suporte a jornalistas exilados da Rússia depois da invasão da Ucrânia
Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro, mais de 150 jornalistas deixaram a Rússia para fugir da censura e repressão do governo de Vladimir Putin.
Por isso, a etapa inicial do Fundo JX tem como público-alvo veículos e profissionais de imprensa russos e bielorrussos.
Mais do que apoiar jornalistas individualmente, o mecanismo é destinado a viabilizar o funcionamento de redações inteiras, como está acontecendo com o jornal fundado e dirigido por Muratov.
No início de abril, o Novaya Gazeta Europe anunciou seu lançamento apenas alguns dias depois do jornal original, com sede em Moscou, fechar após receber a segunda notificação em um mês do Roskomnadzor, o órgão regulador de telecomunicações russo.
Dois avisos do Roskomnadzor por ano podem valer uma suspensão da licença de mídia. Mas o editor não está no novo projeto, conduzido apenas por ex-jornalistas que faziam parte da equipe e deixaram o país.
O editor-chefe do Novaya Gazeta Europe, o jornalista Kirill Martynov, disse que o jornal é independente do Novaya Gazeta da Rússia, “tanto legalmente quanto na prática”.
A conta do jornal no Twitter destaca as estrelas da bandeira da Europa. Um tweet fixado salienta o “cancelamento” do jornal na Rússia justamente quando os russos e os cidadãos do mundo mais precisam deles.
❗️Russia has essentially banned professional journalism. The Russian government has “cancelled” us right when Russian citizens and the whole world need us the most. https://t.co/8rWbwKc0JP
— Novaya Gazeta Europe (@novayagazeta_en) April 20, 2022
No entanto, para os cidadãos russos não vai ser fácil acompanhar o noticiário, a não ser utilizando ferramentas para driblar a censura local, como as redes sociais para quem consegue acesso.
No dia 28 de abril o jornal informou no Twitter que o site foi bloqueado em território russo sob a justificativa de veicular”informações não confiáveis” a respeito da guerra na Ucrânia.
Our website was blocked due to ‘unreliable information’ about the Ukraine War, states Roskomnadzor, Russia’s censorship agency.https://t.co/C7ggIhMZxO
— Novaya Gazeta Europe (@novayagazeta_en) April 29, 2022
O jogo é pesado. No dia em que o Novaya Gazetta fechou na Rússia, Muratov, premiado com o Nobel da Paz em 2021 e um conhecido crítico de Putin, foi atacado com uma mistura de tinta vermelha e acetona durante uma viagem de trem no país.
O ataque foi atribuído pela inteligência dos EUA a agentes do governo Putin.
O Fundo FX foi projetado para apoiar veículos e profissionais de imprensa de forma rápida e flexível, permitindo que jornalistas no exílio continuem seu trabalho imediatamente após terem fugido de zonas de guerra ou de crise.
Além do Novaya Gazeta Europe, outros dois veículos independentes da Rússia também serão apoiados com doações. Eles não tiveram seus nomes revelados por questões de segurança.
A RSF explica que, embora inicialmente se concentre na situação da imprensa russa, o Fundo JX quer criar estruturas para reagir rapidamente a situações semelhantes em outras partes do mundo.
Segundo a organização, mais de 1,5 milhão de euros (R$ 7,5 milhões) já foram arrecadados e a meta global ultrapassa os 3 milhões de euros (R$ 7 milhões).
“Garantir o futuro do jornalismo é crucial nos respectivos países [envolvidos em conflitos], mas também no exterior e até em outros continentes”, afirma Christophe Deloire, secretário-geral da RSF.
“Se o jornalismo russo morresse, seria uma catástrofe para as pessoas na Rússia, conscientes disso ou não, mas também para os países europeus, suas instituições e sociedades democráticas.
O futuro da paz e da democracia exige investigações e reportagens sobre o regime e a sociedade da Rússia, inclusive no exílio, se não houver outra possibilidade. Essa é a razão pela qual criamos este fundo europeu.”
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Câmara de compensação para recursos que apoiem o jornalismo
Em comunicado, a RSF diz que o Fundo JX pretende atuar como uma câmara de compensação, ou seja, intermediando as ofertas de ajuda e direcionando os recursos para onde eles são mais necessários.
“Isso é para evitar que o apoio seja desperdiçado, tenha apenas efeitos de curto prazo ou que diferentes iniciativas estejam acidentalmente duplicando esforços”, explica a organização francesa.
O fundo europeu recebeu contribuição de diversos meios de comunicação e organizações da sociedade civil, como o centro de pesquisa Correctiv, a PUBLIX House for Journalism and Democracy, a plataforma de mídia e ciência dekoder, o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e Mídia (ECPMF), a ONG Media in Cooperation and Transition (MiCT), entre outros.
O Fundo JX já está atuando com os primeiros três projetos russos apoiados — todos com jornalistas no exílio por causa do conflito na Ucrânia.
Equipes editoriais desses veículos, atualmente espalhadas por sete países, já planejaram as formas de atuação de seus trabalho no exílio, cuja implementação concreta e desenvolvimento posterior serão agora apoiados financeiramente pelo fundo.
Profissionais receberão apoio desde a saída para o exílio até a construção de meios de comunicação sustentáveis acessíveis a partir de seus países de origem.
“A RSF e seus parceiros se comprometerão a priorizar uma lista das realocações mais urgentes de jornalistas e familiares que buscam passagem para a UE nas próximas semanas.”
“Será lançado um apelo aos centros para identificar estruturas que possam acolher os meios de comunicação social no exílio na UE e para iniciar os processos de integração e os serviços oferecidos a esses meios”, diz a ONG.
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Declaração de Perugia para a Ucrânia
Focada na necessidade de apoiar o jornalismo independente na Ucrânia, a Declaração de Perugia para a Ucrânia condena “os ataques da Rússia à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão na Ucrânia da forma mais veemente possível.”
“A perseguição, tortura e morte de jornalistas é repugnante e precisa parar. Os responsáveis precisam prestar contas e serem levados à Justiça sob a lei nacional e internacional.”
Assinada por mais de 160 organizações e 130 indivíduos até o momento, a declaração está disponível em inglês, bielorrusso, francês, ucraniano, russo e italiano.
Ela pede que as seguintes medidas sejam tomadas:
- Jornalistas e mídia internacional devem fornecer equipamentos adicionais de proteção à Ucrânia, em especial para produtores e tradutores que estão trabalhando em campo com a mídia internacional.
“Abram suas portas para jornalistas e redações desalojados. Dê a eles um lugar de onde possam trabalhar. Contrate-os se você puder”, diz a declaração.
- Doadores públicos, privados e financiadores do jornalismo profissional devem “aumentar e fornecer suporte financeiro flexível para a mídia que produz jornalismo ético e independente” sobre a invasão russa à Ucrânia.
- A União Europeia, seus estados membros e todos os países que se importam com o direito à liberdade de expressão e acesso à informação devem usar “defender os direitos dos jornalistas e avançar na proteção dos mesmos na condição de civis sob a lei humanitária internacional.”
- Intermediários de tecnologia, telecomunicações e internet, bem como anunciantes, devem “trabalhar com a mídia e o jornalismo para identificar, proteger e fomentar o jornalismo independente e ético, a verificação de fatos e os esforços de letramento de mídia”.
Ao mesmo tempo em que também trabalham para evitar “a remoção automatizada de conteúdo jornalístico que documenta evidências de crimes internacionais de agressão, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras sérias violações dos direitos humanos.”
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