Em uma ataque incomum entre tantos praticados contra jornalistas pelo mundo, o diretor de balé da Ópera de Hanover, Marco Goecke agrediu a jornalista alemã Wiebke Hüster com fezes de seu próprio cão no último sábado (11), durante a estreia de seu espetáculo Glaube – Liebe – Hoffnung (algo como ‘Fé – Amor – Esperança’, em tradução livre). 

A agressão foi uma reação destemperada do coreógrafo às críticas negativas que a jornalista fez sobre um de seus espetáculos anteriores, ‘In the Dutch Mountains’ (Nas montanhas holandesas), considerado por ela “aborrecido e entediante”, “desfocado e distraído”.

Hüster, uma ex-bailarina que trabalha como jornalista e crítica de dança do jornal Frankfurter Allgemeine, um dos principais da Alemanha, disse que a agressão foi inesperada. O episódio foi visto como sexista e tratado por órgãos de classe como um ataque à liberdade de imprensa.

Ataque com fezes à jornalista diante do público

Afastado do posto imediatamente, Goecke inicialmente não se desculpou. Na terça-feira (14), porém, fez um comunicado por escrito assumindo que o ato foi “vergonhoso”, mas ainda assim tentou justificá-lo pedindo que a imprensa leve em conta um tipo de reportagem que é “nociva, destrutiva e danosa para todo o setor cultural”.

De acordo com a Ópera de Hanover, o incidente que motivou o afastamento do premiado diretor aconteceu no hall de entrada para o teatro durante o primeiro intervalo do espetáculo. 

Segundo relatos da mídia alemã, Goecke não conhecia Hüster pessoalmente, mas ficou evidente que guardava mágoa antiga sobre as críticas negativas.

O diretor abordou a jornalista para reclamar que seu artigo sobre In the Dutch Mountain foi responsável por diversos cancelamentos de assinaturas do público para assistir à temporada do balé de Hanover. Ele tentou proibir a presença da crítica no teatro.

Em entrevista à rede de TV NDR logo após o ataque, o coreógrafo relatou ter argumentado com a jornalista que “era humano”, e se disse ofendido com a reação dela, considerada agressiva e arrogante.

Goecke estava com seu cachorro Gustav, uma personalidade que já até inspirou um de seus espetáculos. O artista tirou então de um bolso um saco com fezes do mascote e as esfregou no rosto da jornalista. 

“Quando entendi o que ele tinha feito, gritei”, contou Hüster. Segundo a crítica de dança, enquanto mulher, ela não esperava que o coreógrafo fosse violento contra ela.

Depois que a porta-voz do teatro a ajudou a se limpar no banheiro, a jornalista atacada apresentou uma queixa à polícia de Hanover, que abriu uma investigação por lesão corporal e insulto. 

Ela afirma que o ato foi premeditado, enquanto o coreógrafo diz que foi um acaso estar com o saco de fezes no bolso. 

O jornal onde a crítica agredida trabalha noticiou o caso com destaque, dizendo que a reação do diretor de balé “um ato humilhante, uma tentativa de intimidar nossa visão livre e crítica da arte, além de ofensivo e causador de danos físicos”. 

O editor de artes do Frankfurter Allgemeine, Matthias Alexander, afirmou em seu jornal que a crítica escrita por Wiebke Hüster que gerou a revolta foi particularmente dura, mas não depreciativa. 

Reação em Hanover

Goecke foi suspenso logo após o ocorrido e terá de se explicar ao teatro, que exigiu um pedido formal de desculpas à jornalista e à instituição.

Em um comunicado, a Ópera classificou o ato de “reação impulsiva” que violou todas as regras de conduta da instituição, perturbando ao extremo o público e os funcionários casa e causando “danos significativos”. 

O Teatro Estadual da Baixa Saxônia disse ter pedido ao diretor de balé que se desculpasse e explicasse à administração do teatro antes de informar sobre as próximas etapas.

Em um primeiro momento, Marco Goecke evitou pedir desculpas propriamente, sustentando a posição de que “há limites” para as críticas que a imprensa pode fazer.

Em seu perfil no Instagram, pareceu dobrar a aposta, tentando justificar o escândalo.

Segundo ele, a crítica foi excessiva. “Trabalho há 25 anos e não me importo com críticas negativas! Mas há limites

Ninguém que tem um negócio aguentaria isso”.

Já na nota distribuída depois que o ataque à jornalista virou notícia em todo o mundo, nesta terça-feira, ele foi mais direto no pedido de desculpas, admitindo que sua ação foi “absolutamente inaceitável e exagerada”. 

Mas como salientou o Frankfurter Allgemeine, houve no texto um pedido para que a mídia reconsidere esse tipo de reportagem, em uma tentativa de relativizar o ato agressivo. 

O jornal está pressionando a Ópera de Hanover a divulgar detalhes sobre a situação trabalhista de Marco Goerke, incluindo se ele continua recebendo salário integral. E dando voz a políticos que defendem a demissão imediata do artista do serviço público. 

Ataque à liberdade de imprensa

Órgãos de classe como a Associação Alemã de Jornalistas (DJV) da Baixa Saxônia reagiram dizendo que se trata claramente de um “ataque à liberdade de imprensa”. Eles cobram uma ação mais enérgica da Ópera Estatal de Hanover.

“Um artista tem que aguentar críticas, mesmo que pareçam exageradas. Qualquer um que reaja às críticas com violência é inaceitável”, disse Frank Rieger, presidente estadual da Associação Alemã de Jornalistas da Baixa Saxônia.

O ministro da Cultura da Baixa Saxônia, Falko Mohrs, diz que vai averiguar o caso e discutir “todas as próximas etapas com o teatro estatal [de Hanover]”, por se tratar de uma “situação inaceitável”.