Londres – O Global Press Freedom Index, publicado anualmente pela organização Repórteres Sem Fronteiras no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (3 de maio), analisa a situação do jornalismo em 180 países e mostra o cenário atual em cada região do mundo.
Este ano o Brasil subiu 18 posições e ficou no 92º posto, como resultado de uma expectativa de melhoria da situação de ataques a jornalistas e veículos de mídia em relação ao governo de Jair Bolsonaro.
Mas as Américas retrocederam, e deixaram de ter países onde a situação era classificada como boa, devido ao declínio da Costa Rica. Veja a análise de cada região.
Europa, a região com melhor nível de liberdade de imprensa
Os países da União Europeia são os que oferecem as melhores condições para os jornalistas trabalharem, mas ainda assim a situação é “confusa”, segundo a RSF, sobretudo por causa da guerra na Ucrânia.
Eles são analisados dentro da região Europa-Ásia Central, que foi a única a apresentar um percentual de situação considerada boa.
A Polônia, que teve um ano de 2022 relativamente calmo do ponto de vista da liberdade de imprensa, subiu nove posições e alcançou o 57º lugar, enquanto a França (24º lugar) subiu dois.
No sentido oposto, a Alemanha caiu cinco posições e desceu para o 21º lugar, depois do registro de um número recorde de prisões e casos de violência contra jornalistas.
A diferença dos níveis de liberdade de imprensa entre os países membros da União Europeia diminuiu significativamente e o fenômeno pode ter relação com o momento em que a UE está discutindo uma legislação sem precedentes para garantir padrões comuns de liberdade de imprensa.
No bloco, o número de países que melhoraram de posição foi duas vezes maior do que os que caíram. Entre os que melhoraram inclui-se a maioria dos membros orientais da União Europeia, provavelmente pela percepção de que a reportagem independente serve para contrabalançar a propaganda do Kremlin.
A Sérvia, onde a mídia pró-governo divulga propaganda russa, sofreu a maior queda entre os países da União Europeia nos Balcãs, caindo 12 posições, para o 91º lugar.
A pior classificação entre os países da União Europeia foi a da Grécia (107º lugar), onde os jornalistas foram espionados pelos serviços de inteligência e por um poderoso spyware.
A pontuação da região foi fortemente impactada pelos fracos resultados dos países da Ásia Central, incluídos no mesmo bolo, o que fez com que ficasse com uma percentagem de 11,32% de países em situação “muito difícil”, maior do que a da África.
A Rússia, que tem parte do território na Europa e parte na Ásia, aproveitou a guerra na Ucrânia para levar adiante uma “limpeza” da mídia ao longo de 2022.
A censura sistêmica e o êxodo forçado de meios de comunicação russos (e dos veículos estrangeiros independentes) abriram espaço para a disseminação de propaganda coordenada pela mídia pró-governo.
A proibição das mídias sociais ocidentais beneficiou o Telegram, uma plataforma cujos usuários na Rússia (164º lugar entre os 180 países analisados) mais que dobraram em um ano.
Esse é o meio que a mídia independente russa mais tem usado para driblar a censura. Mas por isso mesmo também tem sido invadido pelas redes de propaganda de Putin, com alguns canais do Telegram até rastreando os movimentos de jornalistas estrangeiros tidos como espiões.
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Alguns países asiáticos tiveram quedas significativas em função do aumento de ataques à mídia, como o Quirguistão (queda de 50 posições, despencando para o 122º lugar), Cazaquistão (queda de 12 postos, caindo para 134º) e Uzbequistão (queda de 4 lugares, descendo para 137º).
O Turcomenistão (176º lugar) permaneceu entre os cinco de pior situação da liberdade de imprensa no mundo, depois que a censura e a vigilância sobre os jornalistas foram intensificadas depois da eleição em março de 2022 de Serdar Berdimuhamedow, filho do ex- presidente.
Américas: transições beneficiaram liberdade de imprensa
As transições políticas determinadas por eleições beneficiaram a situação da liberdade de imprensa em dois importantes países das Américas.
No Brasil (que subiu para o 92º lugar), a saída do presidente Jair Bolsonaro reacendeu as esperanças de um retorno à normalidade nas relações entre governo e imprensa. O país subiu 18 posições, a maior escalada registrada na região no último ano.
Nos Estados Unidos, o governo Biden demonstrou uma disposição maior de manter boas relações com a mídia do que o governo anterior. Porém, mesmo assim o país caiu 3 posições, para o 45º lugar.
Os principais motivos da queda foram as contínuas dificuldades econômicas dos meios de comunicação norte-americanos, e os homicídios de dois jornalistas (Jeff German em 2022 e Dylan Lyons em 2023).
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Também contribuíram para a piora o fim dos esforços no nível legislativo para apoiar a liberdade de imprensa (o PRESS Act), e a continuidade dos ataques do ex-presidente Donald Trump à mídia, mesmo fora do poder.
Em outras partes do continente, a polarização e a instabilidade institucional que caracterizam vários países da região geraram hostilidade contra a mídia.
As sucessivas transições políticas dos últimos seis anos no Peru (caindo 33 posições, para o 110º lugar) alimentaram uma desconfiança geral não só contra as instituições de modo geral como em relação à mídia local.
No Haiti (queda de 29 posições, para o 99º posto), a crescente instabilidade política desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021 criou uma aguda crise de segurança que transformou o Haiti em um dos países mais perigosos da região para os jornalistas.
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No Equador (perda de 12 posições, caindo para o 80º lugar), a desestabilização do país, devido à crescente influência de organizações criminosas, também tem causado uma deterioração significativa das condições de trabalho dos jornalistas.
No México (128º lugar), o clima de extrema violência gerado pelos cartéis e seu frequente conluio com autoridades e políticos têm contribuído para o enfraquecimento crescente do jornalismo local.
O país com a pior situação de liberdade de imprensa nas Américas é Cuba, que também figura entre os 10 piores do mundo, na 172º posição.
África e Ásia-Pacífico em crise
Mesmo que a África tenha visto algumas melhorias pontuais significativas, como a subida de 35 posições de Botswana (alcançando o 65º lugar), o jornalismo tornou-se mais difícil no continente e a situação lá é classificada como “ruim” em quase 40% dos países (contra 33% em 2022).
Entre esses países com má situação de liberdade de imprensa incluem-se Burkina Faso, onde a retransmissão de emissoras internacionais foi proibida e jornalistas foram deportados, e os da região do Sahel, que está em processo de se tornar uma “ zona sem notícias”.
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Vários jornalistas também foram assassinados na África, incluindo Martinez Zongo em Camarões (138º lugar no ranking).
Na Eritreia, os meios de comunicação permanecem na posse do Presidente Issaias Afwerki, o que mantém o país entre os dez piores do ranking global, na 174º posição.
A Ásia-Pacífico continua a ter alguns dos piores regimes do mundo no trato com os jornalistas. No Afeganistão (152º lugar), o ambiente para os repórteres continua a piorar e as mulheres jornalistas foram literalmente removidas da vida pública.
Pior ainda é a situação em Mianmar, o segundo maior carcereiro de jornalistas do mundo desde o golpe militar em fevereiro de 2021. O país figura entre os dez piores do ranking global, na 173º posição.
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No Oriente Médio, jornalistas sequestrados e desaparecidos
A região com pior desempenho no ranking da liberdade de imprensa é a do Oriente Médio e Norte da África (conhecida pela sigla MENA, em inglês).
Ela continua sendo a região do mundo mais perigosa para os jornalistas, com situação classificada como “muito ruim” em mais da metade de seus países.
Embora a Palestina tenha subido 14 postos, sua posição permaneceu baixa (156º lugar), depois que mais dois jornalistas foram mortos em 2022.
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Na região do Maghreb, a prisão do empresário de mídia Ihsane El Kadi confirmou o crescente autoritarismo na Argélia, que perdeu duas posições e caiu para o 136º lugar. A Arábia Saudita permanece enraizada na parte inferior do índice, na 170ª posição.
A pontuação muito baixa de alguns países da região deve-se particularmente ao grande número de jornalistas desaparecidos ou mantidos como reféns.
Incluem-se entre eles o Iraque (167º lugar), o Iêmen (168º) e a Síria, outro integrante do grupo dos dez países com pior nível de liberdade de imprensa no mundo, na 175º posição.
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