Londres – Em mais uma ação para controlar as narrativas e alinhar jornalistas ao discurso estatal, a China lançou uma plataforma de educação via smartphone destinada a “treinar” jornalistas na propaganda do regime, avaliá-los e “ajudá-los” a passar no teste de lealdade ao líder chinês Xi Jinping. 

Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o serviço “Casa do Jornalista” está disponível na plataforma WeChat, um aplicativo semelhante ao WhatsApp mas com muitas outras funções além de mensagens, que faz parte do cotidiano dos chineses. 

Quem assina o projeto é a All-China Jornalists Association, entidade supervisionada pelo Partido Comunista.

São mais de 220 cursos, oferecidos com a finalidade de ajudar os jornalistas a passar no exame de fidelidade ao líder, requisito obrigatório para obter ou renovar a credencial de imprensa.

Conteúdo alinhado à propaganda estatal chinesa

O serviço acompanha o progresso dos usuários nos treinamentos para absorver as narrativas da propaganda estatal da China, emite certificados de conclusão dos programas e pode ser usado por meios de comunicação para conduzir avaliações anuais de jornalistas.

Na abertura, a plataforma avisa que “de acordo com as Disposições provisórias sobre educação continuada para profissionais de jornalismo emitidas pelo site oficial da Administração Estatal de Imprensa e Publicação, o tempo para os profissionais de jornalismo participarem da educação continuada não deve ser inferior a 90 horas por ano”.

Os cursos são apresentados como ferramentas para “ampliar o pensamento inovador e encontrar inspiração”, ensinando “como ser um bom repórter” e “como contar boas histórias”. 

Em um dos textos do treinamento, sobre a profissão de jornalista, o serviço critica as próprias universidades do país pela abordagem “ocidental”: 

“Alguns professores fazem questão de vender conceitos do jornalismo ocidental e os consideram como regra de ouro, 0 que não é apenas inútil, mas prejudicial; algumas escolas consideram a educação jornalística o ensino de “técnicas” (tirar fotos, escrever comunicados à imprensa e editar vídeos), o que reduz muito o valor profissional, ideológico e político do jornalismo”. 

A RSF criticou a plataforma, que considera mais uma ameaça à liberdade de imprensa já deteriorada na China: 

“Na última década, o regime chinês tem conduzido uma verdadeira cruzada contra a liberdade de imprensa e o direito à informação, e este novo serviço de smartphone é mais uma ferramenta para fazer lavagem cerebral e obrigar os jornalistas a se conformarem com as narrativas do Estado.

A comunidade internacional deve aumentar a pressão sobre o regime chinês para impedi-lo de continuar com suas políticas repressivas e restaurar a liberdade de imprensa consagrada na Constituição do país.”

Em 2019, o regime lançou um aplicativo de propaganda para smartphone disponível para o público em geral chamado “Estude Xi, fortaleça o país” , que também foi usado posteriormente para testar a lealdade dos jornalistas ao regime e seu conhecimento de sua narrativa, segundo a RSF. 

A China ocupa o 179º lugar entre 180 no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023 da RSF e é o maior carcereiro mundial de jornalistas e defensores da liberdade de imprensa.