O ganho de confiança no jornalismo constatado por várias pesquisas de opinião realizadas nos primeiros meses da pandemia do coronavírus não ficou apenas no discurso. Relatório da empresa de tecnologia Piano, que tem entre seus clientes algumas das maiores empresas jornalísticas do mundo, mostrou que a corrida por informação confiável ajudou a quebrar a resistência de muitos que até então preferiam acessar notícias em fontes gratuitas, com os maiores veículos registrando aumento médio de 58% no número de assinantes.

A Piano administra sistemas de assinaturas e monitora comportamento de assinantes e eficácia das ações de marketing e de engajamento de leitores. Entender para onde sopram os ventos tornou-se parte importante da sustentabilidade financeira da indústria de mídia, que depois da migração das verbas publicitárias para as mãos das grandes plataformas digitais como Google e Facebook passou a depender cada vez mais do público para financiar o jornalismo.

O levantamento, que consolida informações da mais de 300 empresas jornalísticas que utilizam a plataforma, demonstra que a barreira de pagar por conteúdo foi quebrada quando a credibilidade na notícia passou a ser uma questão de vida ou morte. Segundo a Piano, vários de seus clientes já tinham batido em abril de 2020 suas metas de conquista de assinantes para o ano inteiro.

Para muitos veículos não foi uma onda passageira. A empresa afirma que as taxas de retenção subiram desde março de 2020, indicando que o ganho de confiança deixou efeito residual. 

O estudo mostrou também o efeito do paywall (conteúdo disponível apenas mediante assinatura ou algum outro tipo de pagamento) sobre a decisão de pagar por conteúdo.  

Sites com todo o conteúdo pago (paywall rígido) experimentaram taxas de conversão de assinantes dez vezes maiores do que as dos que liberam parte do conteúdo para visitantes. E estes apresentaram taxa de conversão duas vezes maior do que sites que deixam todo o conteúdo livre, o que, embora capaz de gerar tráfego, não se revelou eficiente para convencer o visitante a passar a pagar para continuar lendo. 

 O que esses números demonstram é que os negócios de assinatura orientados por conteúdo podem crescer a um ritmo incrível durante momentos de alta demanda por informações. Não importa se as circunstâncias que geram essa demanda são eventos esportivos, flutuações do mercado de ações, turbulência política ou uma pandemia. O que importa é estar preparado para absorver as exigências do consumidor. 

Fidelidade

Uma das mudanças de comportamento detectadas pela Piano depois da pandemia foi a fidelidade maior do assinante. Assinaturas feitas depois de março de 2020 apresentaram taxa de retenção superior às daquelas feitas anteriormente, com a torrente de notícias mantendo os assinantes engajados e reduzindo o risco de cancelamento nos primeiros dias de adesão, prática comum na indústria de mídia, segundo a Piano. 

Os bons resultados deveram-se também a uma eficiência maior da indústria de mídia nas ações de marketing para conquistar assinantes, aproveitando o alto tráfego gerado pelo interesse nas notícias sobre a Covid-19. O relatório revelou que, no quarto trimestre de 2020, 10,9% dos visitantes de sites de notícias foram expostos a uma oferta de assinatura, o dobro do que ocorria um ano antes. 

A Piano observou ainda uma redução na oferta de avaliação gratuita antes de assinar. Em janeiro de 2020, 17% das novas assinaturas do conjunto de veículos monitorados pela plataforma incluíam um período de testes. Em dezembro, a taxa caiu para 5%.  A empresa atribui a mudança a um ganho de confiança da indústria de mídia no valor de seu produto.

Outra revelação é o poder da experimentação para a conversão e retenção de assinantes. O estudo mostra que as assinaturas mensais sem período de teste gratuito apresentam taxa média de retenção de 86,1% do primeiro mês para o segundo. Os testes pagos, mesmo a um preço relativamente baixo como US$ 1, retiveram 82,1% quando o período de teste terminou. Mas as avaliações gratuitas retiveram apenas 61,7% quando os usuários precisaram começar a pagar. 

 

O compromisso menor do leitor pode estar associado também a um fenômeno que acontece com frequência diante da variedade de fontes de informação e de uma assinatura feita por impulso: o “adormecimento”, quando o assinante deixa de visitar o site por mais de 30 dias, mesmo pagando por ele. Segundo a Piano, isso acontece com 40% dos assinantes, tornando fundamental a integração nos primeiros dias para impulsionar o engajamento e evitar o cancelamento. 

E isso tem que ser feito rapidamente. Os dados coletados pela Piano mostram que a taxa de desistência chega a 80% em média no primeiro mês.

A diferença de retenção de assinantes com planos anuais ou mensais é significativa. Apenas 46% dos assinantes mensais permanecem no final do primeiro ano, enquanto 74% dos contratos anuais mantêm-se até o fim.  

Aos maiores, a maior fatia do bolo 

Entre os clientes da Piano estão mais de 300 grupos, incluindo gigantes como CNBC, The Wall Street Journal, NBC Sports, The Economist, Gannett, e The Telegraph. Dessa forma, os resultados do estudo não refletem a totalidade da indústria de mídia, que viveu situações bem diferentes.

Veículos regionais encolheram ou desapareceram, e muitos que já viviam dificuldades afundaram de vez. Os que mais ganharam com a pandemia foram grandes veículos, que já tinham uma base sólida e se beneficiaram da força de sua marca para atrair o assinante em busca de informações confiáveis na hora da crise, e de ações de marketing mais poderosas. 

Foto: David Smooke/Unsplash

Os três jornais que viraram referência em número de assinantes − The New York Times, Washington Post e The Wall Street Journal − somavam em dezembro de 2020 mais de 12 milhões de leitores pagantes, graças em parte a campanhas agressivas para ampliar a base. Na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio, o Washington Post ofereceu assinaturas por US$ 29 ao ano com uma campanha fazendo menção à data. 

Mas não se deve creditar apenas ao marketing o aumento de assinantes de jornais reconhecidos pelo seu jornalismo de qualidade. A tendência de valorização das grandes marcas foi apontada poruma pesquisa do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo divulgada em abril.

Os pesquisadores fizeram entrevistas em profundidade com pessoas que consomem notícias em cinco países, incluindo o Brasil, para entender os motivos pelos quais confiam ou não confiam na imprensa. Uma das razões apontadas para a confiança foi a força da marca do veículo e a familiaridade com ele. 

“Avaliações sobre confiabilidade, para melhor ou para pior, muitas vezes resumem-se ao branding. Os veículos que deixam de comunicar o que torna seu próprio jornalismo distinto correm o risco de serem vistos como substituíveis ​​por outras fontes online”, disse Benjamin Toff, autor do estudo. 

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