Londres – Os três últimos capítulos da série Harry & Meghan da Netflix, exibidos na manhã desta quinta-feira (15), mantiveram o padrão dos três anteriores: a repetição de queixas que o duque e a duquesa de Sussex já tinha feito em ocasiões anteriores diretamente ou por meio de assessores e amigos.

Mas desta vez eles foram mais longe. O programa afirma que o Palácio de Buckingham”fornecia” histórias sobre a duquesa à imprensa para evitar que outras histórias “menos favoráveis” fossem publicadas nos espaços reservados para assuntos da monarquia nos jornais britânicos. 

Harry acusa o irmão de ter gritado com ele em janeiro de 2020, quando discutiam opções para o futuro depois que deixassem o Reino Unido, deixando mais clara a discórdia na família, sempre amenizada nos comunicados oficiais. 

Os dois voltaram a criticar severamente a mídia por ataques sistemáticos à Meghan depois do casamento, apontados como responsáveis por afetar seu equilíbrio mental e causar pensamentos suicidas, que ela havia relatado na entrevista à Oprah Winfrey em 2021.

Ataques que família real, segundo Harry, se recusou a tentar controlar. 

A mãe de Meghan, Doria Ragland, disse: 

“Lembro-me dela me dizendo isso, que queria tirar a própria vida”

Doria Ragland mãe Meghan
Reprodução Netflix

E lamentou que nem ela nem Harry pudessem protege-la. 

A advogada de Meghan, Jenny Alfa uma famosa defensora de celebridades em processos contra jornais, diz ter visto evidências da prática de plantar notícias negativas.

“Houve um tipo real de guerra contra Meghan e certamente vi evidências de que houve informações negativas do palácio contra Harry e Meghan para atender às agendas de outras pessoas”.

Outra a defender a tese de uso de notícias negativas sobre Meghan para fazer sumir do noticiário outros membros da realeza foi a amiga Lucy Fraser.

Ela diz que Meghan se tornou um “bode expiatório” para o palácio, “então eles alimentavam histórias sobre ela, fossem verdadeiras ou não, para evitar que outras histórias menos favoráveis ​​fossem publicadas”.

Meghan reforça a ideia dizendo que depois que uma notícia ruim sobre outras pessoas da realeza aparecia, “eles” diziam que “tinham que fazer desaparecer”.

Harry x Willliam e mentiras na série da Netflix

No episódio cinco, o duque de Sussex descreve uma reunião em 13 de janeiro de 2020 no castelo de Sandringham sobre os planos de  mudança para o exterior. Eles tentavam uma opção intermediária, continuando a ter parte das funções reais mesmo deixando o país 

Mas ele diz que logo ficou “claro” que isso “não estava em discussão ou debate”. 

“Era assustador ter meu irmão gritando e berrando comigo e meu pai dizendo coisas que simplesmente não eram verdade. E minha avó […] sentava-se quieta e absorvia tudo”, diz ele.

Harry defende a posição da rainha Elizabeth II: 

“Mas você tem que entender que, do ponto de vista da família, especialmente dela, existem maneiras de fazer as coisas e sua missão, meta e responsabilidade final é a instituição.”

Harry disse que a reunião criou uma “distância” entre ele e seu irmão. 

“Ele passou a ficar ao lado da instituição e eu entendo, parte disso eu entendo, eu entendo que é a herança dele.

Então, até certo ponto, já está arraigado nele que parte de sua responsabilidade é a capacidade de sobrevivência e a continuação desta instituição.” 

No entanto, ele diz que naquele dia surgiu um boato alegando que parte do motivo pelo qual Harry e Meghan estavam saindo era porque William os havia intimidado. 

“Assim que entrei no carro após a reunião, fui informado sobre uma declaração conjunta que havia sido feita em meu nome e no nome de meu irmão negando a história sobre ele nos intimidar para fora da família”, diz ele. 

Eu não podia acreditar – ninguém tinha me pedido permissão para colocar meu nome em uma declaração como essa.

Eu liguei para Meghan  e ela começou a chorar, porque […] eles estavam felizes em mentir para proteger meu irmão e por três anos eles nunca estiveram dispostos a dizer a verdade para nos proteger.”

O programa diz que Harry foi impedido de ver a avó em uma vista ao Reino Unido, sob a alegação de que ela estava ocupada a semana toda. 

Meghan disse: “Lembro-me de olhar para Harry e dizer ‘meu Deus, é quando uma família e uma empresa familiar estão em conflito direto’. Porque eles estão impedindo você de ver a rainha, mas na verdade o que eles estão fazendo é impedir que um neto veja sua avó.”

‘Documentário’ Harry & Meghan batendo recorde de audiência 

Embora tenha sido vendido como um documentário, Harry & Meghan não segue o formato típico de um programa dessa natureza. Todos que falam nos seis episódios são amigos ou trabalham para os  dois.

Não há confronto de versões dos fatos que eles apresentam como verdadeiros, o que costuma acontecer em documentários, nem entrevistas com editores de publicações que supostamente teriam feito a troca de favores. 

E não é por falta de talento na equipe. A diretora, Liz Garbus, é uma premiada documentarista indicada duas vezes ao Oscar.

Para a Netflix, críticas sobre a qualidade jornalística não são problema: a primeira parte da série foi assistida por 28 milhões de lares e ficou em segundo lugar entre as mais assistidas na semana passada, pedindo apenas para a Família Adams. 

Parte do encanto é com fotos inéditas. Nos novos episódios aparecem cenas do casal durante a festa de casamento, na primeira residência, o início da gravidez, em viagens e com os filhos, desta vez mostrados mais diretamente.

Série Netflix Harry Meghan monarquia
reprodução Netflix

 

Reprodução Netflix

No quarto episódio, o encantamento do casamento de Harry & Meghan 

O quarto episódio se concentra no casamento, iniciando com imagens dos enlaces da rainha Elizabeth com o príncipe Philip e do príncipe William com Kate Middleton, até chegar no de Harry e Meghan.

O programa da Netflix segue com notícias questionando sua entrada na família real, ao mesmo tempo em que são mostradas outras falando que ela modernizaria a monarquia. 

Ela relata um diálogo com um secretário particular que havia trabalhado para a rainha por quase 20 anos, fazendo analogia com um peixe nadando perfeitamente na corrente certa e entrando no sistema.

A duquesa continua que o secretário particular não identificado tentou tranquilizá-la dizendo: 

“Vai ser difícil no começo para eles se ajustarem a essa novidade, mas depois será incrível.”

Dramática, Meghan diz: 

“Eu quis acreditar que isso fosse verdade” 

Em seguida aparecem no programa da Netflix cenas da união de Meghan e Harry, em 2018, com o público aplaudindo nas ruas, jornalistas de todo o mundo relatando os acontecimentos e celebridades chegando para a festa, ao som da música “Going to the Chapel”.

Ela conta que estava calma no dia do casamento e que ficou extasiada com a multidão aplaudindo nas ruas. 

Serena Williams, a tenista, é outra que fala no seriado, elogiando a execução de “Stand By Me” por um coral gospel no casamento, que marcou a diferença que Meghan tentava imprimir ao entrar para a família e quebrar tradições. 

Aí vem a mídia cruel 

A partir daí o programa muda o tom e começa a mostrar o drama dos ataques da mídia.  

Harry se diz devastado e que não imaginava que chegaria àquele estágio. Ele diz incialmente tentou tratar a situação como Harry “institucional” e não como “marido Harry”, cumprindo seu papel na monarquia e fazendo as aparições programadas. 

Ele voltou a criticar os que disseram que Meghan deveria lidar com as críticas, assim como outros membros da família já tinham feito, sustentando que no caso dela, a motivação era racista. 

Ele reclama que ninguém do Palácio tentou conversar com os editores para reverter a situação. E que o pai disse: “a mídia vai ser sempre a mídia”. 

Carta polêmica ao pai teria sido ideia da rainha e de William

A primeira grande crise de Harry e Meghan com a imprensa foi causada pelo pai da futura duquesa, que antes do casamento vendeu imagens supostamente não autorizadas vendo fotos dos preparativos para a festa e acabou não comparecendo. 

No quinto episódio, Meghan diz que falava com o pai frequentemente, e é perguntada sobre quando os problemas começaram. Ela novamente culpa a imprensa, respondendo: 

“Quando a mídia se envolveu.”

Com a intenção de colocar fim à discórdia, Meghan escreveu uma carta a Thomas Markle pedindo para que ele parasse de dar entrevistas – que nada tinham a ver com notícias plantadas pelo Palácio e ocuparam largos espaços na mídia. 

Segundo Meghan, a ideia foi da rainha Elizabeth e do então príncipe Charles, cobrando dela que colocasse um fim na situação. 

“E eu me esforcei muito para enviar aquela carta ao meu pai discretamente. Porque não poderia colocar uma carta no correio com o endereço do remetente sendo o Palácio de Kensington e enviá-la para Tom Markle e presumir que chegará lá.”

Mas ela diz que quando recebeu uma confirmação de assinatura de que a carta havia sido entregue, não era a assinatura dele.

“Eu sei a caligrafia do meu pai. Essa não é a caligrafia do meu pai. Só diz ‘Thomas'”, sugerindo que outra pessoa teria recebido a carta. No entanto, pai já confirmou que ele recebeu, e não outra pessoa. 

Meghan diz que não podia acreditar que o público acreditasse nas histórias dos tablóides sobre o desentendimento com seu pai até ter sido interpelada por duas mulheres durante um evento em Liverpool.

“Uma delas me disse: ‘o que você está fazendo com seu pai não está certo’.

“Foi a primeira vez que eu disse ‘Oh meu Deus, as pessoas realmente acreditam nessas coisas’, e então m senti abalada até o âmago.”

Processo contra jornal 

Meghan ganhou um processo contra o tabloide Daily Mail pela publicação de trechos da carta.

Harry diz que o jornal imaginou que eles não processariam, mas que procurou aconselhamento fora do Palácio e decidiu seguir em frente.

No programa, são mostradas cenas do momento em que Meghan recebe a notícia da vitória judicial. 

No episódio seis, o príncipe Harry culpa o Mail pelo aborto espontâneo de Meghan, depois que o casal se mudou para Santa Barbara, devido ao estresse. 

E afirma que mesmo em solo americano as perseguições do jornal continuaram. Seis semanas depois da mudança, o jornal descobriu a localização e publicou no site. 

Imagens de um helicóptero sobrevoando a casa do casal são exibidas enquanto Harry sussurra: “São quase cinco da manhã. Archie está acordando por causa disso.”

Também são mostradas imagens de um drone enquanto afirma o duque de Sussex afirma que pessoas poderiam cortar correntes nos portões externos para “entrar sorrateiramente”. Uma cerca foi instalada para impedir acesso de fotógrafos. 

“E por mais ridículo e absurdo que isso seja, você meio que tem que rir disso porque é uma loucura.”

São exibidas ainda cenas de um homem circulando na residência em que eles inicialmente moraram no Canadá.

A  interrupção da segurança por parte do governo canadense aconteceu depois que ficou confirmado o desligamento total das atividades oficiais na família real. 

No quinto episódio, Harry diz que foi sua decisão de sair

Talvez procurando atenuar as críticas à sua mulher por ter sido supostamente o pivô da ruptura com a família – ela chegou a ser comparada por críticos à Yoko Ono, mulher de John Lennon tida como responsável pelo fim dos Beatles – o príncipe Harry admitiu que foi sua escolha deixar o cargo de membro sênior da realeza e deixar o Reino Unido. 

No episódio cinco da série, ele diz: 

“Na verdade, foi minha decisão, ela nunca pediu para sair”. 

O historiador e apresentador David Olusoga acrescenta que o termo “Megxit” – usado para descrever a saída de Harry e Meghan do Reino Unido – “era apenas um indicativo da frivolidade, falta de seriedade e natureza irreverente da imprensa sensacionalista”. 

Ele critica a” imprensa sem jornalismo” do país, que se alimenta de indignação e dos que apenas pensam em dinheiro. 

Princesa Diana

Assim como nos blocos iniciais da série, Harry fala várias vezes da mãe, a princesa Diana.

Um dos trechos mostra trechos de sua famosa entrevista ao programa da BBC Panorama, em que admitiu problemas emocionais. 

Na série da Netflix, Harry critica a família por não ter levado a sério as dificuldades emocionais de Meghan, assim como fez na entrevista à Oprah Winfrey, afirmando que o assunto é tabu na realeza.

O sexto episódio atinge um ponto sensível para a monarquia: os movimentos de países colonizados para deixar de ter um monarca britânico como chefe de estado. São exibidas cenas de Barbados, que seguiu este caminho no início deste ano. 

Harry sugere que com Meghan na família esses movimentos poderiam ser neutralizados.

Um dos poucos fiascos de relações públicas da família real em tempos recentes foi uma viagem de William e Kate a nações do Caribe, que acabou com diversos constrangimentos. 

O programa é resultado de um contrato milionário do casal com a Netflix, assinado depois que eles deixaram o Reino Unido e as funções oficiais de representação na família real em busca de uma vida livre nos EUA e da oportunidade de ganhar seu próprio dinheiro. 

Embora as histórias apresentadas não sejam exatamente novas (ainda que com mais detalhes), o impacto para a reputação da família real é preocupante, pois o programa vem na esteira de outros acontecimentos não relacionados a Harry & Meghan. 

Há duas semanas, uma dama de companhia da rainha consorte, Camilla, que havia sido uma das mais próximas da rainha Elizabeth, deixou o cargo depois de um diálogo com uma ativista negra durante uma cerimônia no Palácio de Buckingham que reforçou a tese de racismo na família real. 

Verdade ou não, a percepção pública é o que conta. E a audiência está mostrando que o público gosta da história. 

O trecho final do último episódio da série da Netflix mostra imagens da vida simples e normal de Harry e Meghan, que segundo eles não teria sido possível se continuassem como integrantes da família real.

E que têm o potencial de aumentar a popularidade do casal, que anda baixa como nunca esteve até a exibição do seriado. 

A família real não se manifestou sobre o programa e fontes do Palácio disseram que não haverá comentários.