Dois jornalistas foram assassinados no Haiti em menos de duas semanas, mantendo a tendência de escalada de violência contra a imprensa no país, que se agravou em 2022.
Após ter sido sequestrado no último dia 24 de abril, o jornalista Ricot Jean (foto) foi encontrado morto na terça-feira (25) em um local afastado na cidade de Saint-Marc, onde exercia a profissão pela Radio Télé Évolution Inter.
Já o jornalista Dumesky Kersaint, que trabalhava na Rádio Télé Inurep, foi baleado e morreu no dia 16 de abril no município de Carrefour, próximo à capital, Porto Príncipe.
Violência sem controle
Nesta quarta-feira (26), a representante da ONU (Organização das Nações Unidas) no Haiti, María Isabel Salvador, fez um alerta sobre o avanço da violência de gangues e grupos armados em áreas antes consideradas seguras na capital, Porto Príncipe.
Segundo Salvador, a situação está se deteriorando e polícia do país não tem como controlar a criminalidade, que afeta severamente a imprensa.
Um informe da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) relatando as mortes de Jean e Keirsant apontou o país da América Central como a nação mais perigosa para o exercício da profissão na região neste momento.
Entre outubro do ano passado e abril deste ano, cinco jornalistas foram assassinados, outros cinco sequestrados e um foi ferido, contabilzou a SIP.
“O exercício do jornalismo no Haiti continua sendo difícil, arriscado e expõe os profissionais do ramo a condições precárias e de altíssima vulnerabilidade”, diz o texto, publicado na quarta-feira (26).
(Esses assassinatos) têm limitado o exercício da profissão, mantendo as investigações aprofundadas e apropriadas afastadas dos meios de comunicação por causa da autocensura.
O documento observa que os ataques contra a imprensa são frequentes e que seus autores raramente são levados à justiça.
Também denuncia que os repórteres que cobrem comícios políticos são frequentemente agredidos verbal ou fisicamente por manifestantes que os associam ao lado oposto.
Jornlistas assassinados tiveram mortes violentas
Jean e Kersaint são as mais novas vítimas a compor a lista de profissionais de mídia assassinados no Haiti.
Ricot Jean estava em companhia de um amigo quando ambos foram abordados por quatro homens fardados e armados, que vestiam uniformes iguais aos da Unidade Departamental de Manutenção da Ordem (UDMO).
Ao invés de uma prisão, tratou-se de um sequestro. Seus corpos viriam a ser encontrados apenas na manhã seguinte, em uma zona afastada.
Jean era editor na Radio Télé Évolution Inter e dirigia aos finais de semana um programa chamado “Jamè Dodo”.
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Dumesky Kersaint, de 30 anos, era funcionário da Radio Télé Inurep e costumava cobrir protestos. Ele foi abordado por indivíduos armados e recebeu uma série de disparos.
De acordo com o jornal haitiano Le Facteur e com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), ele “foi uma ‘vítima de danos colaterais’, pois civis armados ‘estavam cometendo crimes no mesmo local onde o jornalista estava’”.
Outra pessoa, não identificada, também morreu no local.
Já segundo a SIP e o jornal local Vant Bèf Info, “os autores desse crime teriam assassinado Kersaint ao reconhecê-lo por sua profissão”.
As dificuldades no exercício da profissão no Haiti foram registradas no relatório “Estudo sobre o desenvolvimento da mídia no Haiti”, publicado pela Unesco em fevereiro.
A entidade registrou que os ataques contra a imprensa são frequentes e os perpetradores raramente são levados à justiça.
Notícias de jornalistas assassinados se repetem no Haiti
Os casos de abril se somam a uma série de notícias sobre jornalistas assassinados no país em 2022, em alguns casos com extrema brutalidade.
- Em janeiro, Wilguens Louissaint e Amady John Wesley foram baleados e queimados vivos enquanto trabalhavam na cobertura de um confronto entre gangues na capital Porto Príncipe.
- Em março de 2022, o fotojornalista Maxihen Lazzare foi morto a tiros enquanto cobria um protesto em prol do aumento do salário mínimo. Os autores do crime faziam parte de um grupo armado usando roupas de policiais.
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- No mês de setembro do mesmo ano, os jornalistas Tayson Latigue e Frantzsen Charles foram capturados quando faziam uma reportagem em um distrito da capital. Ambos foram baleados e tiveram seus corpos queimados por integrantes de gangues.
- Em outubro, Roberson Alphonse foi baleado enquanto apresentava seu programa de rádio na estação Magik 9 em Porto Príncipe.
- Em novembro, o jornalista de rádio Fritz Dorilas foi outro a entrar na lista de profissionais de imprensa assassinados no Haiti.
- No mesmo mês, o repórter Romelson Vilcin foi atingido na cabeça por um projétil de gás lacrimogêneo atirado por policiais durante um protesto contra a prisão de outro jornalista na capital Porto Príncipe, às vésperas do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas.
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