Londres – Uma entrevista do então Secretário Nacional de Trabalho britânico Mel Stride publicada em março no jornal conservador Daily Telegraph antecipou o que semanas depois viraria proposta oficial do governo: combater a chamada “sick note culture” (cultura do atestado) a fim de reduzir afastamentos do trabalho por saúde mental, uma abordagem perigosa por minimizar um problema que para muitos vai muito além da mera vontade de viver às custas de uma pensão. 

Segundo o Secretário, a prática de conceder licença médica a trabalhadores com o equilíbrio emocional abalado teria ido “longe demais”, com “ansiedades normais da vida” tratadas como doença.

Na época, a Mind UK, principal ONG no campo da saúde mental do pais, divulgou um posicionamento criticando a fala pelo risco de aumentar o estigma.

“Os políticos e os comentaristas dever escolher as suas palavras com cuidado, para que possamos abordar a crise de saúde mental e melhorar as coisas sem dar o enorme passo atrás que corremos o risco de dar”, diz Sarah Hughes, CEO da Mind. 

Não surtiu efeito. Semanas depois, para justificar a proposta de corte de benefícios, o primeiro-ministro Rishi Sunak formalizou a posição como parte de um programa de governo, dizendo que “dificuldades normais da vida” não devem ser objeto de medicação excessiva, e que trabalhar pode ajudar em vez de atrapalhar a recuperação dos que têm problemas emocionais.

Ele pode ter razão em alguns casos, em outros não. Com o novo governo Trabalhista, a ideia tem chances de morrer.

Mas a posição de Sunak deu argumentos a quem não acredita no poder devastador da doença mental, que leva pessoas ao suicídio em escala cada vez maior.

A intenção de evitar gastos indevidos é legítima. Jogar para a torcida às vésperas das eleições faz parte do jogo político.

Mas o risco de aprofundar preconceitos deveria ser pesado por autoridades em seu discurso público – e contido por seus assessores de comunicação.

A mídia reproduz as falas. Veículos de imprensa e vozes conservadoras tiram partido delas para defender a tese de que doença mental é frescura da turma “woke” (politicamente correta no mau sentido) que não quer trabalhar.

Palavras importam em quando se fala de saúde mental 

Palavras importam em um pais que viu crescer em 6% a taxa de suicídios desde 2022. Onde a adolescente Molly Russel, de 14 anos, virou simbolo da luta contra o suicídio infantil depois de tirar a vida em 2018, sem sinais de estar sofrendo da doença silenciosa que afeta milhões de pessoas.

Em casos assim, o “bothsidesism” da imprensa – a prática de ouvir os dois lados – não é suficiente para neutralizar o efeito da fala de um governante.

É um exemplo a não ser seguido por líderes – empresariais, políticos, esportivos ou de qualquer outro ramo que influencie a opinião de pessoas, inclusive dentro de suas organizações.

Nesse tema, goste-se ou não de Harry e Meghan, eles fizeram bem à causa da aceitação da saúde mental no Reino Unido ao verbalizaram o sofrimento. Há quem diga que foi exagero ou jogada de marketing na guerra de relações públicas com a realeza.

Mesmo que tenha sido, prestou um serviço maior para ajudar a quem tem problemas emocionais do que a fala oposta, do lider do governo, minimizando doenças como “dificuldades normais da vida”.

Isso pode explicar por que o casal é tão popular entre a população britânica mais jovem, justamente a mais afetada- ou a que mais admite ser – por doenças mentais.

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Reportagem Especial MediaTalks – Comunicação, Imprensa, Redes Sociais e a crise da Saúde Mental