Londres – Sob pressão máxima do Partido Conservador britânico sobretudo nos últimos cinco anos, quando se tornou alvo de uma caça às bruxas insuflada pelo ex-premiê Boris Johnson, a BBC respirou aliviada após a vitória dos Trabalhistas nas eleições de 4 de julho, mas seu relatório anual publicado no dia 23 de julho mostra que os mares ainda não estão tranquilos.
Em 2023, 500 mil domicílios cancelaram a taxa paga pelas residências para assistir aos seus canais, reduzindo o número de pagantes para 23,9 milhões de pessoas em dezembro. A receita caiu quase um terço desde 2010. Isso significa 1 bilhão de libras a menos por ano.
Os resultados preocupantes sobre a rede pública de mídia, que contribui fortemente para o soft power britânico e é reconhecida pela sua excelência em jornalismo e entretenimento, deverão influenciar o seu futuro como empresa de mídia e de seus profissionais. Pelo menos 500 deles serão cortados em breve.
Relatório anual da BBC mostra distanciamento de jovens
O comunicado para a imprensa que apresenta o relatório é aberto destacando um número que tenta valorizar a relação familiar dos britânicos com a “Auntie Beeb”, como ela é carinhosamente chamada: 95% dos adultos do país vêem a BBC em média uma vez por mês.
Uma lupa sobre os dados, no entanto, revela que a situação não é tão confortável.
Apenas 46% da população britânica assiste a qualquer noticiário ou programação de atualidades da BBC por semana. A maior parte dessa audiência é formada por pessoas mais velhas.
A perda da audiência jovem não é exclusiva da BBC. Pessoas de faixas etárias mais baixas consomem notícias e entretenimento em redes sociais em escala cada vez maior, como demonstram pesquisas como o Digital News Report do Instituto Reuters.
O problema é que esforços para atrair os jovens, com programação de vídeo e áudio, não estão dando o retorno esperado.
Embora a BBC tenha destacado que 1,3 milhões de jovens de 12 a 15 anos no Reino Unido acompanham as notícias por ela – mais do que por qualquer outra organização − a rede não está imune ao distanciamento desse público.
O relatório informa que apenas 69% dos britânicos com menos de 16 anos assistem aos seus programas pelo menos uma vez por semana. Entre as crianças o quadro é ainda pior.
Por isso, a BBC promete “acelerar o ritmo da mudança para aumentar relevância e valor”. Traduzindo: mais foco em produtos digitais do que em transmissão tradicional.
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Não pagar taxa da BBC pode dar cadeia
A constatação de que os britânicos jovens podem viver sem a BBC, algo impensável no passado, é um golpe para quem tenta justificar a manutenção dos mesmos sistemas de financiamento que funcionam desde a época em que ela reinava praticamente sozinha no seletor de canais.
A taxa é obrigatória, e não uma assinatura voluntária como se faz com canais a cabo ou serviços de streaming. Não pagá-la pode dar cadeia. Não é só intimidação: há pessoas que realmente vão presas por esse crime no Reino Unido.
É uma prática controvertida, pois baseia-se no entendimento de que, havendo uma TV na residência, alguém está sintonizando a BBC. Nada mais anacrônico em tempos de Netflix, Amazon Prime e outros canais de streaming.
O contrato da BBC com o governo que rege o financiamento será renegociado em 2027.
O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, deu declarações favoráveis à manutenção da taxa, que o Partido Conservador queria derrubar e lançar a BBC às feras do mercado depois que a rede passou a ser criticada por sua suposta falta de imparcialidade e inclinação para os Trabalhistas.
Mas não necessariamente da mesma forma atual.
Nessa guerra, o jornalismo está perdendo. Noticiários da BBC ficaram visivelmente mais cautelosos do que eram há cinco anos, privilegiando pautas leves e de comportamento que não causam controvérsia nas redes sociais e nos círculos políticos.
Salários viraram controvérsias no relatório anual
Mas nem precisa, porque controvérsia na BBC não falta. Duas delas emergiram do relatório.
Gary Lineker, o ex-jogador de futebol que apresenta o programa esportivo Match Of The Day, segue como o mais bem pago da rede − sem contar talentos contratados por produtoras cujos salários a emissora não é obrigada a divulgar.
Ele é um rebelde que não aceitou o enquadramento de não falar de política nas redes sociais, colocando mais lenha na fogueira da imparcialidade. O salário anual é de £ 1,35 milhão (equivalente a R$ 9,8 milhões – e os que se incomodam com suas posições políticas reclamam de ele ser pago com dinheiro público para falar mal do governo.
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O mais bem pago no jornalismo da TV também foi motivo de comentários. Huw Edwards, o âncora que caiu em desgraça depois de um escândalo há um ano, envolvendo compra de fotos nude de uma pessoa jovem, deixou a rede em abril.
Mas apesar de ter passado todo esse tempo em licença, levou para casa 475 mil libras no ano, valor maior do que no exercício anterior.
Pode nem ser culpa da BBC, e sim de cláusulas contratuais e trabalhistas, embora os críticos tenham apontado que ela deveria ter adotado outra postura no caso No entanto, trata-se de um exemplo típico de outras questões que envolvem a rede, que pela sua relevância e dimensão, está quase sempre na posição de vidraça.
O relatório completo pode ser visto aqui.