O jornalista e colunista do Washington Post Vladimir Kara-Murza, preso no dia 11 de abril após criticar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma entrevista para a CNN, foi formalmente acusado de traição pelo Kremlin.

O russo de 40 anos é um opositor político conhecido de Putin. Apesar de ter residência nos Estados Unidos e um passaporte britânico, Kara-Murza decidiu continuar escrevendo fazendo comentários a partir da Rússia mesmo com o início da invasão à Ucrânia.

Ao criticar a guerra na televisão, ele foi preso sob a acusação de divulgar fake news. Agora, a agência estatal russa TASS informa que o jornalista está sendo processado por “alta traição” por “cooperar com um dos países da OTAN há muito tempo”.

Jornalista preso na Rússia discursou em Câmara dos EUA

Vladimir Kara-Murza escreveu dezenas de colunas para a seção de Opiniões Globais do Washington Post criticando o regime de Putin nos últimos anos.

Ele foi envenenado duas vezes, em 2015 e 2017, em incidentes que caracterizou como tentativas de silenciá-lo por instar países ocidentais a impor sanções contra autoridades russas suspeitas de violações de direitos humanos.

O escritor ficou em coma nas duas vezes e sempre acusou o governo da Rússia de ter orquestrado os crimes. O Kremlin nega qualquer relação com os casos.

Mesmo na mira do governo russo, o jornalista não cessou suas críticas. Em março, dias após a invasão russa à Ucrânia, Kara-Murza discursou na Câmara dos Deputados do Arizona.

Aos parlamentares, ele acusou as forças russas de lançarem bombas de fragmentação em áreas residenciais na Ucrânia e realizar ataques aéreos em maternidades, hospitais e escolas.

“Estes são crimes de guerra que estão sendo cometidos pelo regime ditatorial no Kremlin contra uma nação no meio da Europa”, afirmou, na ocasião.

Ao retornar para Moscou, ele continuou denunciando na imprensa ocidental os crimes cometidos pelas tropas russas na Ucrânia.

A prisão do jornalista aconteceu no mesmo dia em que foi exibida uma entrevista na CNN na qual ele chamou o atual governo da Rússia de “um regime de assassinos” e previu a queda de Putin por causa da invasão ao território vizinho.

Inicialmente, ele foi acusado de divulgar fake news, crime que prevê penas de até 15 anos a jornalistas e cidadãos pela divulgação de informações não-oficiais sobre a “operação especial” que acontece na Ucrânia. A invasão não pode ser chamada de “guerra”. 

Mas Kara-Murza recebeu uma acusação ainda mais grave nesta quinta-feira (6). Segundo a agência estatal TASS, o jornalista está sendo processado por “alta traição” contra o governo da Rússia. Por esse crime, ele pode ficar mais de 20 anos na prisão.

Segundo as autoridades, o russo prestou assistência a organizações de países membros da OTAN por muitos anos, colocando em risco a segurança do país, em troca de US$ 30 mil por mês.

“Kara-Murza foi acusado de alta traição por causa de três discursos críticos às autoridades russas em eventos públicos em Lisboa, Helsinque e Washington”, disse o advogado do jornalista, Vadim Prokhorov, à TASS. “Esses discursos não traziam nenhuma ameaça ao país, eram críticas públicas e abertas”, completou.

Washington Post monitora caso de jornalista preso na Rússia

Em editorial recente, o jornal Washington Post falou sobre o caso de Kara-Murza, sinalizando que monitora atentamente o caso do colunista.

Comentando sobre a acusação de fake news, o editor Christian Caryl escreveu:

“Se dizer a verdade se qualifica como um “crime”, é aquele que Kara-Murza, de 40 anos, cometeu com orgulho e consistência. Por duas décadas, ele tem sido um oponente declarado do regime de Putin.”

“Seus amigos muitas vezes expressam consternação por sua insistência em retornar à Rússia – mas Kara-Murza sustentou que ele não poderia defender os direitos e liberdades do povo russo sem passar pelas mesmas dificuldades que eles enfrentam.”

Mesmo da prisão, o jornalista tem conseguido enviar textos para o veículo americano.

Em artigo recente, Kara-Murza descreveu sua prisão como uma espécie de “distintivo de honra” usado por nomes ilustres de opositores russos antes dele, como o dissidente Vladimir Bukovsky.

Em agosto, ele falou sobre como, mesmo preso, consegue sentir o aumento da oposição à guerra pelos cidadãos russos.

“A maioria das pessoas que me escrevem não me conhecem pessoalmente, mas querem simplesmente expressar sua solidariedade e apoio. A maior parte desse apoio diz respeito ao motivo que me colocou na prisão – minha oposição à guerra brutal de Putin na Ucrânia.

Carta após carta (todas, é desnecessário dizer, estão registradas no sistema prisional com os nomes e contatos de seus autores), meus correspondentes expressam sua indignação e desespero com a guerra. “Por favor, saiba que você não está sozinho”, uma mulher do sul da Rússia me escreveu na semana passada.”