Um relatório divulgado nesta quinta-feira (5/8) pelo instituto londrino InfluenceMap mostra que a indústria do petróleo e gás passou a usar as mídias sociais como principal meio de veiculação de anúncios para tentar prolongar o uso dos combustíveis fósseis.
O estudo demonstra que a indústria tem gasto anualmente milhões de dólares para postar milhares de anúncios pagos nas plataformas, principalmente as do Facebook e as do Google, muitos deles com informações falsas, com o objetivo de influenciar o debate de políticas sobre mudança climática.
Devido à maior dificuldade de obtenção de dados do Google, o estudo se concentrou no Facebook e descobriu que as plataformas da empresa receberam US$ 9,6 milhões ao longo de 2020 somente nos Estados Unidos, pagos pelas 25 organizações do setor acompanhadas pela pesquisa.
Pela amostra analisada, o estudo afirma que o valor recebido de toda a indústria é muito maior. Para manter esse faturamento, os pesquisadores acusam o Facebook de não aplicar suas próprias políticas de publicidade para conter a campanha de desinformação sobre a crise climática promovida pela indústria, principalmente durante os meses da campanha presidencial no final de 2020.
Campanhas pedem fim da publicidade de combustíveis fósseis
O ex-Diretor de Sustentabilidade do Facebook, Bill Weihl, que depois de sair da empresa fundou a ClimateVoice, critica a gigante das mídias sociais por não cumprir seu compromisso de atuar em prol da mitigação dos efeitos da mudança climática:
“Se o Facebook leva a sério seus compromissos climáticos, ele precisa repensar se está disposto a continuar recebendo o dinheiro das empresas de combustíveis fósseis.”
O estudo destaca a realização de várias campanhas em todo o mundo para acabar com a publicidade de combustíveis fósseis, incluindo a França, Holanda, Canadá, Reino Unido e Suécia. Nos Estados Unidos, uma petição pede o fim da publicidade de combustíveis fósseis em plataformas de mídia social.
Anúncios foram vistos mais de 430 milhões de vezes
A pesquisa identificou 25.147 anúncios postados pelas 25 organizações do setor de petróleo e gás nas plataformas do Facebook nos Estados Unidos em 2020, que juntos foram vistos mais de 431 milhões de vezes.
Os pesquisadores afirmam que os resultados mostram uma estratégia clara da indústria de combustíveis fósseis de usar as mídias sociais para atingir diretamente a população e influenciar a opinião pública.
As mensagens veiculadas buscam promover uma imagem corporativa positiva na questão ambiental e tentam manter o petróleo e o gás na matriz energética do futuro.
Investimentos deram salto após plano de Biden de uso de energia limpa
A pesquisa também mostra que a indústria está usando as mídias sociais estrategicamente e implantando seus anúncios em momentos políticos importantes.
O acompanhamento dos gastos ao longo de 2020 mostra um salto significativo a partir de 15 de julho, um dia após o então candidato Joe Biden, anunciar seu plano climático de US$ 2 trilhões para aumentar o uso de energia limpa nos transportes, eletricidade e edifícios.
O nível de gastos permaneceu bem elevado até 3 de novembro, data da eleição dos Estados Unidos, quando então caíram drasticamente. Para os pesquisadores, esse é um ótimo exemplo de como a indústria de petróleo e gás tem usado a publicidade no Facebook para fins politicamente motivados.
Em linha com o timing estratégico dos anúncios, a análise da distribuição geográfica mostrou que os anúncios foram mais direcionados a estados com altos níveis de produção de petróleo e gás, como Texas e Novo México, e aos estados ainda indecisos àquela altura da campanha, incluindo Iowa e Ohio.
Indústria deixou de negar o problema
Para influenciar a opinião pública, os anúncios da indústria passaram a veicular mensagens muito mais sutis do que as antigas declarações diretas de negação da mudança climática, que tinham por objetivo evitar a implementação de regulamentação que reduziria a demanda por combustíveis fósseis.
O estudo destaca algumas das declarações dos CEOs da principal empresa norte-americana do setor, a Exxon Mobil, a começar por Lee Raymond, que em 1997 afirmava que “as evidências científicas das mudanças climáticas eram inconclusivas”. Quinze anos depois, em 2012, seu colega Rex Tillerson ainda dizia que os impactos climáticos “eram muito difíceis de serem previstos”.
Com os avanços científicos e a crescente pressão da sociedade, no entanto, a negação total tornou-se cada vez mais uma tática inviável para as grandes corporações.
O atual CEO, Darren Woods, embora já não negue o problema como os antecessores, em 2017 alertava que “a solução não é simplesmente deixar os combustíveis fósseis no solo”. Este ano, chamou a atenção para a “dificuldade de repor o petróleo e o gás” e buscou desviar o foco do problema dos combustíveis fósseis para as emissões em geral.
À medida em que a compreensão da ciência sobre as mudanças climáticas avançou, as empresas de petróleo e gás foram desenvolvendo um conjunto cada vez mais matizado e sutil de técnicas de mensagens, muitas vezes utilizando os dados científicos de maneira parcial, de forma a manipular a opinião pública a seu favor.
O estudo destaca uma declaração do lobista sênior da ExxonMobil, Keith McCoy, de junho deste ano:
“Nós lutamos agressivamente contra parte da ciência? Sim. […] Nós nos juntamos a alguns grupos para trabalhar contra alguns dos esforços? Sim, é verdade. Mas não há nada, não há nada de ilegal nisso.”
ExxonMobil respondeu por mais da metade dos gastos
O estudo mostra que o setor realiza uma divisão das estratégias de veiculações nas mídias sociais, conforme se comprovou com a atuação das dez empresas, cinco associações do setor e dez grupos de defesa acompanhados.
A maior parte dos anúnicos das corporações seguiram a linha “pragmática”, procurando demonstrar os benefícios do petróleo e do gás para proporcionar uma melhor qualidade de vida para as pessoas, como aquecer as casas, alimentar a família e manter as luzes acesas. Anúncios como o da Williams Companies destacaram qualidades como a acessibilidade, confiabilidade, segurança e eficiência.
Das empresas acompanhadas pela pesquisa, a Exxon Mobil foi a que mais gastou em anúncios sobre mudança climática nas plataformas do Facebook. Foram nada menos do que US$ 5 milhões, mais da metade do total investido por todas as organizações do estudo.
Quase metade dos anúncios promoveram o gás fóssil
Já as associações da indústria se encarregaram de veicular principalmente as soluções climáticas, enfatizando a atuação do setor na redução de emissões, na transição do mix das fontes de energia e no posicionamento do gás fóssil como suposta alternativa verde.
Quase metade (48%) dos anúncios identificados no estudo foram veiculados com o intuito de apresentar as soluções climáticas propostas pela indústria, com ênfase no gás fóssil, apesar de essa opção ser apontada pelos reguladores como uma alegação enganosa.
Entre as associações, o papel preponderante foi do American Petroleum Institute, que investiu US$ 3 milhões no ano passado para promover as empresas de combustíveis fósseis como amigas do clima. O investimento só não foi maior que o da Exxon Mobil. Juntas, as duas organizações responderam por 62% do total de anúncios analisados pela InfluenceMap.
Os grupos de defesa se incumbiram das mensagens ligadas à comunidade, enfatizando o crescimento econômico e a geração de empregos proporcionados pelo setor.
Junto com as associações da indústria de base regional, também ficaram a cargo da linha “patriótica”, enfatizando a importância da independência no setor de energia, geralmente para fazer lobby contra medidas regulatórias específicas.
Promessa da indústria de ser parte da solução é enganosa?
Apesar de quase metade dos anúncios veiculados seguir a linha de que a indústria de petróleo e gás está trabalhando para ser “parte da solução”, os pesquisadores afirmam que essa promessa é enganosa.
Eles apontam que a Agência Internacional de Energia calcula que as metas globais de redução de emissões dependem fundamentalmente da opção da indústria de energia por tecnologias verdes.
No entanto, o relatório de 2020 elaborado pela agência sobre a indústria de petróleo e gás mostra que menos de 1% do investimento feito em 2019 foi destinado a energias renováveis, o que demonstra, segundo eles, que o setor não está fazendo a sua parte da solução.
Ao contrário, acusa o estudo, a Exxon Mobil tem buscado transferir a responsabilidade pelo corte das emissões de carbono da indústria para as escolhas de estilo de vida dos americanos comuns. O fato foi apontado por uma análise de 180 comunicações da ExxonMobil sobre mudança climática feita por pesquisadores de Harvard.
Divulgada em maio deste ano, o levantamento de Harvard apontou que a ExxonMobil tem usado o argumento de que seria a demanda do consumidor e não o fornecimento corporativo de combustíveis fósseis a causa do uso contínuo de petróleo e gás.
O argumento é desmentido pela própria Agência Internacional de Energia, que calcula que pode-se atribuir às escolhas dos consumidores a responsabilidade por apenas 8% da redução das emissões, como a menor utilização de voos de avião, cabendo aos governos e às empresas o restante.
Leia também: Como jornalistas podem combater fake news sobre mudança climática?
A desinformação por trás do “gás de baixo teor de carbono”
O esforço de mudar a imagem do gás fóssil envolveu 6.782 anúncios, mais de um quarto (27%) do total veiculado. Foi a solução mais frequente apresentada pela indústria para a questão da mudança climática.
Nos anúncios, a indústria argumenta que a mudança do carvão para o gás seria um tipo de solução climática e que o gás fóssil, por ter baixo teor de carbono, deveria responder por parte significativa da nova matriz energética, como o parceiro perfeito para as fontes renováveis.
Os pesquisadores acusam o Facebook de facilitar a disseminação dessas falsas alegações sobre o aquecimento global. Eles afirmam que a alegação do baixo teor de carbono do gás fóssil procura desviar a atenção do fato de que ele é predominantemente composto de metano, um gás com um efeito de aquecimento 86 vezes maior do que o carbono em um período de 20 anos, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Além disso, o incentivo ao uso do gás fóssil vai contra as conclusões dos relatórios emitidos pelo IPCC e pela Agência Internacional de Energia. Os dois órgãos afirmam que para atingir emissões líquidas zero até 2050 e assim limitar o aquecimento global a 1,5ºC, deve-se realizar uma redução drástica do uso de combustíveis fósseis. A IEA afirma que, para atingir esse objetivo, não deve haver aprovação para desenvolvimento de novos campos de petróleo e gás a partir de 2021, além daqueles já comprometidos.
O que diz o Facebook
Em resposta à descoberta da InfluenceMap dos 6.782 anúncios promovendo gás fóssil como uma solução climática limpa, um porta-voz do Facebook respondeu:
“Rejeitamos anúncios quando um de nossos parceiros independentes de verificação de fatos os classifica como falsos ou enganasos, e tomamos medidas contra páginas, grupos, contas e sites que compartilham repetidamente conteúdo classificado como falso. ”
O InfluenceMap afirma que não se sabe quais anúncios o Facebook repassa para verificação de seus parceiros ou se algum dos 6.782 anúncios promovendo gás fóssil como limpo foi enviado para verificadores de fatos. No entanto, confirma que nenhum foi removido como desinformação ou conteúdo enganoso.
O instituto informa ainda que as conclusões do relatório foram enviadas antecipadamente ao Facebook, que respondeu em 31 de julho de 2021 que tomou medidas contra os administradores de algumas das páginas pertencentes às organizações identificadas na pesquisa, mas sem especificar quais delas, quais os anúncios ou o período em que isso ocorreu.
Críticas são antigas
Em julho de 2020, uma carta assinada por quatro senadores norte-americanos questionou Mark Zuckerberg, Chairman do Facebook, sobre a postura da empresa de permitir que alegações comprovadamente falsas sobre a crise climática fossem postadas sob o pretexto de serem “opiniões”.
No texto, os senadores afirmam que a crise climática e a degradação ambiental não são questões de opinião, mas ameaças existenciais. E fazem um alerta à plataforma:
“É imperativo que sua empresa tome medidas imediatas. A crise climática é muito importante para permitir que mentiras flagrantes se espalhem nas redes sociais sem consequências.”
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