Londres – Uma pesquisa que acaba de ser divulgada pelo instituto Ipsos-Mori revelou o que pode ser um efeito do desgaste de imagem que vem atingindo a família real britânica com mais intensidade desde o ano passado: a quantidade de súditos que prefere o fim da monarquia cresceu sete pontos percentuais em relação a março de 2018.
Segundo o Ipsos-Mori, 22% dos britânicos acham que a monarquia deve ser abolida, embora integrantes da família real tenham visto a percepção positiva do público sobre alguns deles aumentar.
No entanto, a admiração por figuras individuais como a rainha Elizabeth II – que neste domingo (20) testou positivo para o coronavírus -, o príncipe William e sua mulher, Kate Middleton, não está contendo a deterioração do apoio ao atual regime do país, uma monarquia parlamentar em que o rei (ou rainha) é o chefe de Estado, enquanto o primeiro-ministro é o chefe do governo.
Aumenta o debate sobre fim da monarquia britânica
A pesquisa foi realizada nos dias 9 e 10 de fevereiro, ouvindo a opinião de 2.057 britânicos com idades entre 16 e 75 anos sobre diversos aspectos relacionados à realeza.
Desde 2020 a monarquia britânica vem sendo castigada por situações constrangedoras envolvendo Harry e Meghan, o príncipe Andrew e o próprio Charles, herdeiro do trono.
Um dos temas examinados pelo Ipsos-Mori na nova pesquisa foi o futuro da monarquia, um debate que se torna mais aberto no país à medida em que a idade da rainha avança, e a crise de imagem também,
O número de pessoas que ainda prefere o atual regime é mais do que o dobro dos que querem que ele seja modernizado: 46% contra 22%.
Mas esse apoio já é de menos da metade da população, e vem diminuindo, o que em análise de pesquisas é um elemento importante para projetar tendências futuras.
Os indiferentes quanto ao regime respondem por uma parcela significativa dos súditos (23%), o que não é um bom sinal para a realeza. São pessoas que ainda podem mudar de opinião, sobretudo diante dos fatos negativos consecutivos atingindo a imagem da instituição.
De 2018 para cá, isso aconteceu com 7% da população, a parcela dos que passaram para o lado dos que acham que o país ficará melhor sem uma rainha ou um rei.
Os britânicos mais velhos e aqueles que votaram no Partido Conservador nas eleições gerais de 2019 são os mais propensos a dizer que o fim da monarquia seria pior para o país: 64% das pessoas de 55 a 75 anos e 68% dos eleitores conservadores acreditam nisso.
Entre os mais jovens, o desejo de mudança cresce, e também entre os eleitores do partido Trabalhista, estando presente em quase a terça parte desses dois grupos.
Elizabeth II faz de tudo para evitar o fim da monarquia britânica
A rainha Elizabeth II completa 96 anos em abril, mantendo-se como a mais admirada entre os integrantes da família real, com 45% de aprovação, segundo a enquete do Ipsos-Mori.
A confirmação de que ela testou positivo para o coronavírus coloca fim a uma onda de especulações sobre se ela teria contraído o vírus do príncipe Charles, que a visitou dois dias antes de anunciar que estava com covid.
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O Palácio vinha se recusando a comentar, até a confirmação deste domingo.
O segredo em torno do estado da monarca ajudou a fomentar comentários recorrentes desde novembro, quando ela cancelou a participação na conferência do clima COP26 e chegou a passar uma noite internada em um hospital. Fotos recentes mostram uma acentuada perda de peso.
Elizabeth II continua participando de compromissos oficiais e audiências no castelo de Windsor, onde vive. E sempre que possível manda sinais de que não pensa em reduzir o ritmo ou abdicar.
No dia em que completou o Jubileu de Platina, o Palácio de Buckingham divulgou imagens da monarca despachando com um de seus secretários ao lado da famosa caixa vermelha onde são colocados os documentos oficiais a serem analisados.
Sucessão de Elizabeth II é vital para o futuro da monarquia
Abrindo a comemoração pelos 70 anos no trono, Elizabeth II mandou uma mensagem à nação em que pediu que a mulher de Charles, Camilla, seja aceita como rainha consorte quando Charles assumir o trono.
Foi uma forma sutil de confirmar que o filho mais velho será mesmo o seu sucessor, e não o neto William, que muitos veem como uma alternativa que seria capaz de dar um sopro de modernidade na instituição e ajudar a perpetuá-la, ganhando a simpatia das gerações mais novas.
O príncipe de Gales não tem uma imagem pública tão positiva, segundo o Ipsos-Mori. Ocupa o 6º lugar, perdendo para o filho, para a nora e para a irmã, a princesa Anne.
Além disso, o príncipe herdeiro tem problemas complicados a resolver, que são fortemente explorados pelos grupos organizados que fazem campanha pelo fim da monarquia.
Na sexta-feira (18/2), Charles soube que terá que prestar depoimento à polícia em um inquérito que investiga se doações recebidas por sua fundação beneficente foram obtidas em troca de comendas reais para um magnata árabe.
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Outro fator a corroer a imagem da monarquia é o envolvimento do príncipe Andrew em um caso de assédio sexual. Na semana passada ele fechou um acordo milionário com a acusadora, a americana Virginia Giuffre, para encerrar o processo judicial movido contra ele nos Estados Unidos.
Imediatamente, organizações como o grupo Republic se manifestaram questionando se a monarquia, que recebe fundos públicos, ajudaria a pagar a conta do acordo, que pode chegar a R$ 83 milhões. E lançou um abaixo-assinado com a pergunta.
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Episódios como esses podem continuar contribuindo para o desgaste do regime, porque cada movimento da família real vira manchete na imprensa e toma conta das conversas nas redes sociais.
Isso foi outra coisa que a pesquisa do Ipsos-Mori constatou: o apetite dos britânicos por notícias sobre a realeza.
Todo mundo de olho na monarquia britânica
Quase 6 em cada 10 (56%) dos entrevistados na pesquisa declararam que têm interesse em acompanhar o noticiário sobre a rainha e sua família, enquanto 43% disseram o contrário.
E novamente, vale observar a tendência que a pesquisa revela. O interesse vem aumentando, o que pode ser um reflexo da importância das notícias, que agora vão além de fofocas ou do vestido que Kate Middleton usou em uma cerimônia.
Em 2018, menos da metade dos britânicos (45%) disseram achar importante saber o que se passava com a monarquia.
O fim da monarquia é possível?
Possível é, mas não é fácil. Tecnicamente o parlamento pode decidir isso, mas a possibilidade que isso ocorra rapidamente é remota, tanto por tradição quanto pelo peso econômico que a monarquia representa para o país.
O mito em torno da realeza alimenta a indústria do turismo e fortalece a imagem do Reino Unido na cena internacional.
Os membros da família real participam de atividades diplomáticas, encantando chefes de estado ao recebê-los com pompa no Palácio de Buckingham.
A rainha é uma figura carismática e muitos a vêem como referência de valores morais para o país.
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Os que fazem campanha pelo fim da monarquia britânica discordam dos cálculos que mostram lucro do país com ela, argumentando que poderia ser mais barato ter um presidente eleito.
Eles também questionam a hereditariedade, indagando por que uma família pode se perpetuar no poder, por mais simpática que seja, sem ser eleita pelo povo.
Há também uma intrincada teia de questões jurídicas, pois algumas instituições do país reportam à realeza.
No Reino Unido as possibilidades de que a monarquia seja abolida em um futuro próximo são mais remotas, mas em países da Commonwealth, que reúne países que foram colônias britânicas e ainda têm a rainha como chefe de Estado, isso já começa a acontecer.
Barbados, no Caribe, declarou sua “independência”, deixando de ter a rainha como soberana. A Austrália já debate um plano para substituir a figura do chefe de Estado depois que Elizabeth II morrer.
Caso realmente assuma o trono, o príncipe Charles terá uma missão difícil pela frente: manter a instituição que vai herdar, sem o carisma e a popularidade da mãe.