Londres – Três semanas depois de o Superior Tribunal do Reino Unido ter concedido a Julian Assange o direito de mais uma audiência para tentar evitar que seja extraditado para os EUA caso não fossem oferecidas garantias como a de que ele não receberá pena de morte se for condenado por crimes de espionagem, o país respondeu à Corte britânica, mas a audiência marcada para 20 de maio foi confirmada mesmo assim.
O texto das garantias, revelado pela agência Reuters nesta terça-feira (16), diz que Assange terá o direito de recorrer à justiça para invocar proteção sob a Primeira Emenda da Constituiução amerciana, que assegura a liberdade de expressão e que poderia livrá-lo das acusações de espionagem feitas pelo Departamento de Justiça, e informa que um sentença de pena de morte não será solicitada nem imposta caso ele seja julgado nos EUA.
Stella Assange, mulher do fundador do Wikileaks, que responde a 18 processos por ter tornado públicos documentos de guerra dos EUA, afirmou que os EUA “emitiram uma ‘não-garantia’ em relação à Primeira Emenda e uma garantia padrão em relação à pena de morte”.
Ela acusa o país de ter se limitado a palavras “flagrantemente vazias”, sem fazer nada para aliviar a extrema angústia da família “quanto à sombria expectativa de Julian passar o resto da vida isolado numa prisão dos EUA por publicar jornalismo premiado”.
“A nota contém uma declaração vazia, de que Assange pode tentar invocar a Primeira Emenda no julgamento (e na sentença), mas o Departamento de Justiça dos EUA não garantiu que ele obteria esses direitos, que é precisamente o que deve fazer sob a lei de extradição britânica baseada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”
Assange fica mais perto de ser extraditado
Na decisão emitida em 26 de março, um painel de dois juízes deu esperança aos que tentam libertar o fundador do Wikileaks, aceitando o pedido da defesa para mais uma audiência, no dia 20 de maio, se em três semanas os EUA não oferecessem “garantias satisfatórias” sobre se ele poderia confiar na Primeira Emenda da Constituição dos EUA; se ele poderia ser prejudicado em um julgamento devido à sua nacionalidade (motivo para que alguns direitos assegurados a cidadãos americanos não sejam dados a ele), e se poderia estar sujeito a uma sentença de pena de morte.
Apesar do que foi apontado pela mulher de Julian Assange e por ativistas, as garantias oferecidas pelos EUA nesta terça-feira foram inicialmente vistas como um passo adiante na tentativa dos EUA de extraditar Julian Assange e julgá-lo em território americano, embora ele seja australiano.
A confirmação da audiência, em documento emitido nesta quarta-feira (17), acrescenta que Jissange poderá participar se a defesa fizer o pedido, pessoalmente ou por teleconferência.
Os juízes Victoria Sharp e Jeremy Johnson rejeitaram o pedido da defesa para novo julgamento de seis outros fundamentos, incluindo o de que Julian Assange estaria sendo processado por opiniões políticas e a de que planos de sequestrá-lo na embaixada do Equador, onde ficou asilado, seriam relevantes para o processo de extradição.
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Assange poderia ir para a Austrália
Stella Assange voltou a cobrar que a administração Biden “abandone este processo perigoso antes que seja tarde demais”.
Um dos caminhos para evitar a extradição seria o Reino Unido e os EUA aceitarem o pedido oficial da Austrália para que Assange seja levado para lá, já que ele é cidadão do país.
Houve ainda uma informação não confirmada, publicada pelo The Wall Street Journal, de que os EUA poderiam aceitar um acordo em que Julian Assange admitiria culpa em crimes menores, e poderia ser libertado por já ter cumprido parte da pena enquanto o processo tramitava.
Na semana passada, o presidente dos EUA, Joe Biden, admitiu a jornalistas que estava considerando a possibilidade de atender ao pedido da Austrália, país natal de Julian Assange, e devolvê-lo ao país em vez de insistir na extradição.
A reação da mídia australiana sobre as garantias apresentadas pelos EUA à justiça britânica nesta terça-feira foi de desânimo com o risco maior de ele não se livrar da extradição.
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Caso Assange, um marco na liberdade de imprensa e de expressão
O caso de Julian Assange, de 52 anos, é considerado um marco na liberdade de imprensa por envolver a divulgação de informações de interesse da sociedade, mobilizando ativistas e organizações não-governamentais de jornalismo, direitos humanos e liberdade de expressão.
Enquanto tramita o processo de extradição movido pelo governo dos EUA, ele está preso na penitenciária Belmarsh, em Londres, para onde foi levado em 2019 depois de perder o asilo político na embaixada do Equador, onde passou quase sete anos.
Os processos movidos pelos EUA referem-se à publicação no site WikiLeaks em 2010 de mais de 250 mil documentos militares e diplomáticos confidenciais vazados, conhecidos como Cablegate, o Diário da Guerra do Afeganistão e os Registros da Guerra do Iraque.
Entre eles está um vídeo mostrando um ataque contra civis, em que morreram dois jornalistas da agência Reuters. Ao todo são 18 processos – 17 pela Lei de Espionagem e uma pela Lei de Fraude e Abuso Informático.
Embora Assange tenha permanecido na embaixada do Equador em Londres durante a presidência de Barack Obama, foi o Departamento de Justiça sob Donald Trump que apresentou a acusação contra ele e começou a tentar ativamente a sua extradição.
Quando o presidente Joe Biden assumiu o cargo, o Departamento de Justiça continuou a apresentar recursos seguidos, após a decisão de primeira instância do tribunal do Reino Unido, em janeiro de 2021, para impedir a extradição de Assange por motivos de saúde mental – uma decisão que foi posteriormente anulada em um julgamento no Tribunal de Recursos.
A organização Repórteres Sem Fronteiras salienta que Assange não é cidadão americano, nunca viveu nos EUA e não tem quaisquer laços significativos com os EUA. Ele é um cidadão australiano que vivia e trabalhava em Londres quando o governo dos EUA abriu o processo contra ele.
No entendimento da Repórteres Sem Fronteiras, Assange desempenhou um papel diferente do de um denunciante; ele próprio não vazou informações confidenciais, mas publicou informações que foram vazadas para ele:
“A pessoa que divulgou a informação, a ex-analista do Exército Chelsea Manning, já cumpriu mais de sete anos de prisão até o então presidente Barack Obama comutar a sua sentença de 35 anos, afirmando que era “muito desproporcional em relação ao que outras fontes de informação receberam”.
Se extraditado para os EUA, Assange seria o primeiro editor julgado pela da Lei da Espionagem, que carece de defesa do interesse público, o que significa que qualquer pessoa acusada desta forma não pode defender-se suficientemente, salienta a RSF.
Existem muitas opiniões diferentes sobre o status de Assange como jornalista, editor de notícias ou fonte jornalística, reconhece a RSF. Mas para a organização – e todas as demais que defendem a liberdade de imprensa, unânimes na defesa do fundador do Wikileaks, o que mais importa é a razão pela qual Assange foi alvo e as implicações da sua extradição e acusação.
“A RSF defende Assange por causa das suas contribuições para o jornalismo, uma vez que a publicação dos documentos confidenciais pelo WikiLeaks serviu como subsídio para extensas reportagens de interesse público em todo o mundo.
A condenação de Assange teria impacto no futuro do jornalismo em todo o mundo, salienta a Repórteres Sem Fronteiras, colocando em risco muitas organizações de comunicação e jornalistas criando um efeito inibidor nas reportagens de interesse público.
“O impacto final seria no direito do público de saber”, diz a RSF.